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Prevenção e enfrentamentos: como lidar com eventos climáticos extremos no contexto escolar

Educadores e gestores que presenciaram tragédias ambientais dividem aprendizados e reforçam necessidade de redes estruturarem protocolos próprios para antecipar atuação diante de desastres climáticos

PorÍcaro Kropidloski

13/12/2024

Após os deslizamentos ocorridos no litoral paulista, a Escola Estadual Plínio Gonçalves De Oliveira Santos, em São Sebastião (SP), foi destruída e precisou ser reconstruída. O método de construção e desenho arquitetônico utilizado são considerados modelos, a ser replicado em outras unidades próximas a encostas. A Escola Municipal Nair Ribeiro de Almeida, que ficava ao lado dessa e também foi destruída, atualmente o prédio serve de base para ambas as escolas. Foto: Karlos Jefferson/NOVA ESCOLA.

Atingido por enchentes em maio deste ano, o estado do Rio Grande do Sul precisou colocar em prática, e de forma emergencial, uma série de ações para conter a série de estragos provocados pela força e volume das águas. Na Educação, a secretaria estadual criou uma classificação de acordo com o impacto da tragédia na comunidade escolar, indo do grau 1 ao 5, que serviu para elencar prioridades e distribuir recursos. Além disso, cerca de 20 escolas severamente atingidas, que estavam alocadas em regiões de risco, serão reconstruídas em zonas seguras a partir do próximo ano letivo. Resumidamente, os esforços se concentram em fortalecimento de infraestrutura das escolas, formação das equipes e adaptação do currículo, com a educação ambiental e climática mais presente e encarada enquanto assunto transdisciplinar

O caso do Rio Grande do Sul é apenas um entre vários exemplos recentes de locais afetados por eventos climáticos extremos pelo Brasil que já alteraram – e alteram – a rotina de comunidades escolares brasileiras. Neste ano, o noticiário informou com regularidade sobre as ocorrências cada vez mais frequentes de chuvas intensas no Sudeste, seca histórica na região Norte, fogo e fumaça no Centro-Oeste, e deslizamentos de terra em diversos estados. Diante desse contexto de urgência, as redes de ensino tomam consciência que precisam planejar e desenvolver seus protocolos próprios de contenção e preparação para possíveis desastres ambientais.

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) reconhece a importância de falar sobre mudanças climáticas nas escolas e pontua que vem trabalhando com essa temática. Destacou que durante 2024 e 2025 “está previsto a construção de protocolos de adaptação, prevenção e/ou resiliência frente às emergências climáticas com/para as redes estaduais de ensino.”

A nota segue, pontuando que: “A partir desses protocolos almejamos subsidiar as redes de ensino em relação a práticas efetivas diante dos efeitos das mudanças climáticas em seus territórios e, por consequente, no direito à educação de estudantes brasileiros. Via instituições de educação superior, o MEC promove curso de aperfeiçoamento de 180 horas para docentes e coordenadores pedagógicos que atuam com educação infantil, ensino fundamental e ensino médio no país. Além da formação, há produção e disseminação de materiais didáticos pedagógicos para subsidiar a abordagem da temática no contexto escolar”.

O órgão encerra a nota salientando que “as ações citadas anteriormente indicam como o MEC está apoiando estados e municípios em relação à inclusão dessa temática nos currículos escolares (...)” e pontua que o objetivo é ampliá-las em 2025, mas não detalhou como vai operacionalizar isso. 

Enquanto o governo federal ainda se estrutura para oferecer apoio às redes de ensino daqui por diante, muitas já atuam para identificar riscos ambientais locais e agir na seara da prevenção. Com a dobradinha de percepção de risco e planos de contingência, gestores, professores e estudantes buscam tomar consciência dos seus territórios e criar protocolos que fazem sentido para suas respectivas realidades, entendendo o que fazer e o que não fazer em momentos de emergência. 

Lições aprendidas

Após os deslizamentos ocorridos no litoral paulista, a EE Plínio Gonçalves de Oliveira Santos, em São Sebastião (SP), foi destruída e precisou ser reerguida. O método de construção e desenho arquitetônico utilizados são considerados modelos a ser replicados em outras unidades próximas a encostas. A EM Nair Ribeiro de Almeida, que ficava ao lado dessa, também foi destruída, e atualmente o prédio serve de base para ambas as escolas. Foto: Karlos Jefferson/NOVA ESCOLA

Em 2019, a diretoria de ensino regional de Caraguatatuba (SP), que desenvolve ações para os municípios de Ubatuba, Ilhabela e São Sebastião, ofereceu o 1º Curso de Educação para Redução de Riscos de Desastres (ERRD) no litoral norte de São Paulo e, a partir daí, se estruturou a Rede ERRD, em parceria com profissionais de áreas afins sobre prevenção e redução de riscos de desastres. Atualmente, o grupo tem construído uma rede colaborativa com escolas, comunidades locais e tradicionais e órgãos públicos na prevenção e no monitoramento para redução de riscos de desastres na região, contando com o apoio do Grupo de Educação Ambiental Crítica (GEAC) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) para fortalecimento dessa rede.

Em março de 2017, alguns anos antes da rede surgir, alagamentos e deslizamentos de terra atingiram a região. A situação em São Sebastião ficou crítica e fez com que secretarias e demais autoridades do município ficassem em alerta. Marta Braz, secretária de educação do município, admite que foi, a partir destes acontecimentos, que a ideia de planos de contingência, treinamentos e simulados sobre o que fazer durante tragédias ambientais foram reforçados e o assunto ganhou mais urgência. “Já havia no nosso currículo a educação ambiental, mais na linha da reciclagem, mas com o evento de 2017 percebemos a importância de preparar os jovens e criar novos projetos”, diz. 

Seis anos depois, durante o domingo de carnaval de 2023, novos alagamentos e deslizamentos, decorrentes de fortes chuvas, atingiram fortemente o litoral norte de São Paulo. Em São Sebastião foram registradas 64 mortes, 23 eram crianças. 

Professores e funcionários das escolas foram convocados para a linha de frente humanitária e dez escolas, localizadas em zonas seguras, serviram de abrigo para a comunidade. Não foi necessário colocar em prática planos de evacuação das escolas porque tudo ocorreu durante um feriado, mas a secretária de educação destaca a importância de se adiantar perante sinais de perigo iminente. Ela relembra que os protocolos que cabiam à secretaria de educação foram deflagrados de sábado para domingo, antes dos eventos de fato ocorrerem, por conta de alertas da Defesa Civil. “Eu tenho um grupo no meu WhatsApp chamado Contingência da Educação. Quando tem algum anúncio de evento mais severo naquele período, a gente tem que estar ali com o celular em mãos, disponível o tempo todo”, explica. 

No grupo citado por Marta, participam representantes da Defesa Civil e da comunidade escolar da cidade. Ele foi acionado horas antes do desastre, com pedidos de atenção e orientações do que fazer, como por exemplo abrir escolas, localizadas em zonas seguras, para abrigo. A partir disso, Marta comunicou os diretores das escolas que, por sua vez, replicaram a informação para a comunidade escolar. “Se nós tivéssemos deixado para informar e mobilizar depois, no dia que tudo aconteceu, teríamos perdido conexão e as pessoas não teriam se organizado, não saberiam o que fazer”, explica. 

Dos 48 prédios que abrigam unidades escolares em São Sebastião, 20 tiveram algum tipo de dano e somente dois foram severamente afetados. A Escola Estadual Plínio Gonçalves De Oliveira Santos e a Escola Municipal Nair Ribeiro de Almeida ficavam lado a lado, próximas de uma encosta, e tiveram suas estruturas invadidas pela lama. A escola Plínio foi reconstruída no mesmo local, mas com um recuo maior, teoricamente seguro em relação à encosta e com um cinturão de pedras para contenção de deslizamentos. Atualmente os estudantes da escola Plínio e da escola Nair dividem o prédio (alunos do município no turno da manhã e alunos do estado no turno da tarde), considerado um modelo arquitetônico a ser replicado. Mas o município pretende entregar, já para o começo do ano letivo de 2025, um novo prédio para a escola Nair, localizado em um local longe de encostas e rios. 

Atualmente os estudantes da escola Plínio e da escola Nair dividem o prédio – alunos do município no turno da manhã e alunos do estado no turno da tarde. Foto: Karlos Jefferson/NOVA ESCOLA.

Do ponto de vista emocional e pedagógico, Marta relembra o apoio de parceiros como a Associação Pedagogia da Emergência, que promoveu rodas de conversa com alunos, famílias, professores e funcionários no período de reconstrução. Além disso, a rede municipal de ensino fomenta projetos como Agente Mirim da Defesa Civil, em parceria com a Defesa Civil, para alunos de 8 e 9º anos e um Curso de Radioamadores para Comunicação. Em casos de queda de sinal de telefonia durante tragédias ambientais, o radioamadorismo serve como estratégia para difusão de informações de interesse público. 

Além disso, o projeto de agentes mirins da Defesa Civil conscientiza e qualifica os jovens a serem referências durante momentos de emergência nas suas respectivas comunidades, até que as autoridades consigam acessar os locais. A secretária conta que a rede de educação já conseguiu se reerguer e considera como maior aprendizado disso tudo a importância de seguir os protocolos e os comandos, sem improvisações e desespero.

Protocolos de enfrentamento na prática

Em São Carlos, no interior de São Paulo, a cerca de 400 quilômetros do litoral norte, os desafios não são os eventos hidrometeorológicos intensos, mas as queimadas e a fumaça provocada por elas. Esses fenômenos são comuns na região e podem ocorrer por questões naturais, como ondas de calor, tempo seco e ventos fortes que alastram o fogo. No entanto, a ação humana no território (criminosa ou acidental) tem sido a causa da maioria dos focos de incêndio identificados neste ano, e que aconteceram para desmatar áreas para a agropecuária, por exemplo. 

Por lá, a comunidade escolar também já entendeu que, durante emergências, o melhor é manter a calma. Mas esse nível de consciência só foi possível por conta de uma estratégia da diretoria de ensino local: promover periodicamente simulações.  “A ideia é que cada escola realize durante o ano duas simulações, uma no primeiro semestre e outra no segundo. Até porque o incêndio não precisa ser só da queimada nos campos ou nas matas, mas em uma cozinha ou rede elétrica, por exemplo. Então o diretor, que é o líder da escola, precisa dominar alguns fundamentos ali para segurança e proteção dos seus alunos ", explica Debora Gonzalez Costa Blanco, dirigente de ensino da região de São Carlos. 

Neste ano, duas escolas, do total de 34 instituições municipais de São Carlos, tiveram que colocar seus planos de contingência em prática, evacuando os prédios escolares por conta da proximidade das chamas e da fumaça, que invadia as dependências dos prédios e era densa. Uma delas foi a Escola Estadual Professor Marivaldo Carlos Degan. A diretora da instituição, Mayra Roberta Ishikawa de Mello, relembra que no dia 23 de agosto a rotina da escola corria normalmente até que ela percebeu indícios de fumaça nos arredores do prédio, um sinal de que havia fogo por perto. No horário de almoço dos alunos, o vento, que ficou mais forte, e a vegetação seca propiciaram que o fogo ficasse mais alto e se alastrasse. Era o momento de colocar os protocolos em prática, sendo que a fumaça era a principal preocupação naquele momento. 

Mayra destaca alguns pontos, que constam no protocolo de prevenção de riscos estruturado pela escola, e que foram cruciais para a evacuação ter sido bem-sucedida e rápida: 

  • Primeira orientação - Reunir funcionários, professores e alunos em um mesmo local, diante de um palco que há na escola, e pedir que todos voltassem com calma para suas salas e arrumassem seus materiais.
  • Redução de danos - Todos foram orientados a fechar as janelas que encontrassem abertas para que a fumaça não entrasse no prédio.
  • Alinhamento - Cada professor ficou responsável por uma turma e replicou a mesma mensagem para a organização da evacuação.

Além disso, os pais e responsáveis foram avisados por meio de grupos de WhatsApp e os alunos mais velhos, junto dos professores e funcionários, escoltavam os mais novos para fora da escola, em direção a uma área segura: os primeiros anos do Ensino Médio escoltavam os oitavos anos do ensino fundamental, os oitavos escoltavam os sétimos anos e assim por diante. 

No dia 23 de agosto, o fogo e a fumaça alcançaram a Escola Estadual Professor Marivaldo Carlos Degan em São Carlos (SP). Foto: 

Acervo pessoal Mayra Roberta Ishikawa.

Mayra salienta que entre um plano de contingência que está no papel ou simulações e uma situação real são necessários ajustes e sempre ocorrem aprendizados. “Quando estamos no treinamento o comportamento das pessoas é um, mas quando o fato realmente acontece, a realidade é outra”, sintetiza. 

Na avaliação de Debora, apesar de todas simulações e preocupações da diretoria de ensino com planos de contingência e regulação dos Autos de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCBs), a importância dos protocolos só foi de fato valorizada após ser necessário colocá-los em prática. O que antes era visto como burocracia ou mais uma demanda por alguns, passou a ser encarado como uma estratégia de fato efetiva que salva vidas. “Nós entendemos que há uma responsabilidade nossa, as ações nos primeiros minutos durante uma emergência são essenciais até que os bombeiros e as ambulâncias cheguem. E nós temos condições de fazer isso dentro de todo um regramento construído em conjunto com bombeiros, Defesa Civil, secretaria e professores", analisa. 

A secretaria estimula outros projetos de conscientização que influenciam direta ou indiretamente na prevenção de desastres, como por exemplo a gestão e o tratamento correto de resíduos sólidos, já que o lixo descartado incorretamente pode se tornar um foco de incêndio. As escolas do município possuem também uma série de projetos associados como o Embaixadores Ambientais e o selo Lobo Guará. No primeiro, os estudantes são capacitados para disseminar informações de prevenção e a minimização de potenciais impactos socioambientais nas suas respectivas comunidades. Já para conquistar o selo, as escolas precisam cumprir metas de consumo de água, descarte correto dos resíduos sólidos, entre outras. 

Atuação em rede

“Sempre trabalhamos com a perspectiva de que é importante que os estudantes e os professores conheçam seus territórios", avalia Andréia Cardoso, professora de geografia da rede estadual paulista, e que representa a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) no Grupo de Articulação de Ações Executivas do Programa Estadual de Prevenção de Desastres Naturais e de Redução de Riscos Geológicos. 

Nos últimos 11 anos, a Seduc-SP vem consolidando projetos descentralizados, de acordo com a realidade de cada região e escola, no que diz respeito à ERRD. A primeira campanha, idealizada em 2016, existe até hoje junto da Defesa Civil e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem), e chama Aprender para Prevenir. Em agosto deste ano foi lançada sua 8ª edição, com o tema “Com-Ciência de Riscos: saber que transforma”. Escolas, instituições de educação não-formal (projetos sociais , ONGs, defesas civis, instituições de ensino superior e coletivos são convidados a conhecerem e aplicarem Jornadas Pedagógicas e criarem ações de difusão do conhecimento sobre as causas e efeitos dos eventos climáticos extremos. 

A iminência de eventos climáticos extremos mudou prioridades sobre educação climática, educação ambiental e ERRD, avalia Andréia. Ela explica que o objetivo é a construção da compreensão sobre as causas, natureza e efeitos dos riscos que permitem contribuir de forma proativa para a prevenção, mitigação, resiliência e adaptação frente aos desastres: “de 2021 para cá, o foco da Seduc tem sido o de trabalhar o conceito de percepção de risco junto das comunidades escolares, promovendo uma série de competências e habilidades.”  

Flavio Azevedo, líder do Programa Escola + Segura, enfatiza que em 2024, com formações sobre percepção de risco, a prioridade foi incentivar as escolas a criarem seus planos de contingência. "Com os planos de contingência, as escolas e as diretorias de ensino conseguem materializar várias questões. É um trabalho muito importante e desafiador", reflete. 

O Escola + Segura é uma uma iniciativa do governo paulista que envolve uma série de parceiros: Secretaria da Educação, Secretaria da Segurança Pública, Casa Militar, Defesa Civil etc. Ele busca formar estudantes e profissionais da rede estadual sobre percepção de riscos e ações de prevenção, proteger a comunidade escolar e os estudantes contra riscos e desastres, além de garantir o planejamento de ações pedagógicas em caso de adversidades ou perigos. 

Até o momento, cerca de 300 escolas paulistas formularam seus planos de contingência, isso representa cerca de 6% das instituições da rede. No primeiro semestre deste ano, a Seduc-SP reuniu educadores e gestores de todo estado em Sorocaba para uma orientação técnica sobre percepção de risco e como fazer um plano de contingência. A meta é que 100% das escolas tenham seus planos até 2027. 

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