O jogo é uma prática corporal muito presente em nossa sociedade. A sua utilização é muito ampla, possibilitando inúmeras interpretações. Essa característica fez do jogo objeto de estudo de diferentes áreas do conhecimento, como a antropologia, a sociologia, a tecnologia, a psicologia, e a educação, entre outras. Na Educação Física, o jogo também tem múltiplas definições. Pode-se chamar de jogo desde um simples par ou ímpar até uma partida de futebol profissional. Além disso, é comum confundir a prática corporal – jogo com brincadeira.
Na brincadeira, temos a ação, o brincar é uma forma de entreter-se realizando algo divertido. Para Kishimoto (2010, p. 1) “é uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela criança; dá prazer, não exige como condição um produto final; relaxa, envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades e introduz a criança no mundo imaginário”.
Enquanto isso, o jogo é uma manifestação cultural das mais antigas que se têm registro na sociedade. Em sua obra clássica, Homo Ludens, Huizinga (2001, p. 33) define jogo como “uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de ‘vida quotidiana’”.
O autor ressalta ainda que, apesar das categorias de jogos não serem consenso entre as diferentes línguas, podem abranger os: “jogos de força e de destreza, jogos de sorte, de adivinhação, exibições de todo o gênero” (HUIZINGA, 2001, p.33).
Dessa forma, o jogo apresenta alguns elementos comuns que os diferenciam das brincadeiras, como: o adversário, que pode ser individual ou em grupos; a interação que ocorre entre os jogadores da mesma equipe e em oposição com os jogadores adversários; a existência de regras mais complexas e rígidas quando comparadas à brincadeira; e a meta ou o objetivo que culmina nas condições de vitória, empate e derrota.
Podemos também notar aspectos psicológicos e emocionais bem característicos do jogo, Huizinga (2001, p.55) explique que a “tensão e incerteza” são características gerais do jogo, trazendo assim um elemento motivador para o envolvimento dos participantes até o desfecho.
Para contribuir no entendimento do jogo e distingui-lo de outras manifestações como a brincadeira, trouxemos outro clássico agora da sociologia. No quadro abaixo, de autoria de Harry Edwards, pesquisador na área da sociologia do esporte, são apresentados atributos referentes às manifestações da brincadeira e do jogo que poderão contribuir para a distinção entre eles, reconhecendo nos atributos pontos de convergências e divergências. Esse quadro pode ser utilizado em aulas para as discussões com os estudantes sobre as características da brincadeira e do jogo e o que as diferencia.
Atributos | Brincadeira | Jogo |
1. Atividade exclusiva de interesse e influência que vem de um contexto exterior. | ✔ |
|
2. Existência de fantasia ou faz de conta. | ✔ |
|
3. Os participantes inicia(m) a atividade quando desejar. | ✔ |
|
4. Participante(s) se limita(m) às ações no espaço e tempo. | ✔ |
|
5. Participante(s) termina(m) a atividade quando desejar. | ✔ |
|
6. A atividade não faz parte de um sistema de organização que visa aos fatores econômicos, materiais, de prestígio etc. | ✔ |
|
7. Competição não é necessariamente um componente. | ✔ |
|
8. A atividade deve conter um grau determinado de espontaneidade (não é restrita a regras formais ou informais). | ✔ |
|
9. Relevância da parte encenada restrita aos limites da atividade. | ✔ |
|
10. Focalizada e orientada no indivíduo. | ✔ |
|
11. O envolvimento do(s) participante(s) na atividade é necessariamente voluntário. | ✔ |
|
12. Não é necessária uma hierarquia formal na organização das posições ou dos papéis desempenhados. | ✔ | ✔ |
13. Esforço físico não é um componente necessário. | ✔ | ✔ |
14. Preparação (treinamento) para participar não é necessariamente um componente. | ✔ | ✔ |
15. Não há necessidade de uma tradição formal estabelecida. | ✔ | ✔ |
16. Atividade de interesse e influências que vêm de um contexto exterior. |
| ✔ |
17. Não existência de fantasia ou faz de conta. |
| ✔ |
18. Participante(s) não inicia(m) a atividade quando desejar. |
| ✔ |
19. Participante(s) não termina(m) a atividade quando desejar. |
| ✔ |
20. Participante(s) não pode(m) delimitar a atividade num espaço e tempo. |
| ✔ |
21. A atividade faz parte de um sistema de organização que visa atingir metas econômicas, de prestígio, de status etc. |
| ✔ |
22. Competição é um componente necessário. |
| ✔ |
23. A atividade é necessariamente caracterizada por regras formais, regulamentos, restrições ou limitações etc. |
| ✔ |
24. A atividade não é necessariamente voluntária, pode ser induzida. |
| ✔ |
25. A relevância do papel desempenhado não é restrita à atividade. |
| ✔ |
26. Atividade tem de ser realizada coletivamente (um contra o outro). |
| ✔ |
Adaptado de EDWARDS, H. Sociology of sport. Homewood: Dorsey Press, 1973.
Os jogos tradicionais da cultura popular: as possibilidades de conhecimentos
Por estarem diretamente relacionados com a cultura, os jogos tradicionais da cultura popular são aqueles nos quais as pessoas têm mais familiaridade por conta da forma como essa manifestação é transmitida de geração para geração.
Os jogos tradicionais da cultura popular podem envolver diferentes características importantes; do ponto de visto motor, podem abranger uma riqueza e diversidade de movimentos, nos quais podem ser exploradas diferentes formas de habilidades motoras, entre elas destacamos as de locomoção, estabilização e manipulação nos diferentes ambientes físico onde se dão estas práticas.
Outro aspecto importante de se destacar sobre o jogo é que na ação, no jogar, diferentes operações mentais estão envolvidas na resolução de tarefas e problemas motores propostos, exigindo assim do jogador a criatividade, os conhecimentos prévios e de mundo acerca das propostas e características do jogo.
Os jogos tradicionais enquanto elemento da cultura de um povo trazem consigo uma riqueza de conhecimentos, crenças e atitudes daquela comunidade, tornando-se assim um momento importante de ser estudado nas aulas a partir da mediação do professor transformando-o em conhecimento.
Sugerimos, nesta sequência de aulas, que os estudantes identifiquem as principais características dos jogos, como formas de entretenimento derivados de um conjunto de regras, com um objetivo a ser alcançado; podem ser individuais, coletivos, competitivos ou cooperativos. Os estudantes devem reconhecer e experimentar as características dos jogos como sendo uma prática com alguns elementos comuns que os diferenciam das brincadeiras, como: ter um adversário, existir um objetivo, haver regras, ter condições de vitória, empate e derrota. Neste plano, propomos momentos de diálogos entre os estudantes sobre as diferenças entre o jogo e a brincadeira e sobre a competição, possibilitando aos estudantes discutir sobre o ganhar e o perder.
Também enfatizamos a importância que os jogos têm no entendimento de conceitos como vitórias e derrotas, auxiliando os estudantes a lidar com as frustrações, contribuindo com o desenvolvimento das competências socioemocionais, elencadas na BNCC. Essas competências possibilitam a mobilização, a articulação e a prática de conhecimentos, valores e atitudes necessárias para se relacionar com os outros e consigo mesmo, estabelecer e atingir objetivos, e enfrentar diferentes situações de maneira mais criativa e construtiva. Essa característica socioemocional está explicitada nas competências gerais 8 e 9, segundo as quais os estudantes necessitam conhecer-se, reconhecer as suas emoções e as dos outros, exercitar a empatia, o diálogo e a resolução de conflitos, situações que são desenvolvidas na prática de jogos.