O capítulo introdutório da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define que concepção de Educação irá orientar as escolas brasileiras. Em tempos de intensa polarização e de muitos questionamentos sobre o modelo tradicional – que falha em preparar os estudantes para os desafios da vida contemporânea –, o documento contribui para a construção de consensos sobre que pessoas queremos formar. Também orienta as instituições de ensino no sentido de preparar as novas gerações para construir o Brasil com o qual sonhamos.
Em síntese, a BNCC aponta que a Educação Básica brasileira deve promover a formação e o desenvolvimento humano global dos alunos, para que sejam capazes de construir uma sociedade mais justa, ética, democrática, responsável, inclusiva, sustentável e solidária. Isso significa orientar-se por uma concepção de Educação Integral (que não se refere ao tempo de permanência do estudante no espaço escolar ou a uma determinada modalidade de escola).
Nesse caso, Educação Integral indica promoção do desenvolvimento de crianças e jovens em todas as suas dimensões: intelectual, física, emocional, social e cultural. Esse direcionamento implica que, além dos aspectos acadêmicos, precisamos expandir a capacidade dos alunos de lidar com seu corpo e bem-estar, suas emoções e relações, sua atuação profissional e cidadã e sua identidade e repertório cultural.
No documento, o foco das escolas passar a ser não apenas a transmissão de conteúdos, mas o desenvolvimento de competências, compreendidas como a soma de conhecimentos (saberes), habilidades (capacidade de aplicar esses saberes na vida cotidiana), atitudes (força interna necessária para utilização desses cohecimentos e habilidades) e valores (aptidão para utilizar esses conhecimentos e habilidades com base em valores universais, como direitos humanos, ética, justiça social e consciência ambiental).
Nesse contexto, a Base apresenta as 10 competências gerais que se constituem em propósito final de tudo que os estudantes irão vivenciar, aprender e desenvolver da Educação Infantil até o Ensino Médio. Isso quer dizer que as escolas brasileiras continuam tendo a missão de assegurar a aprendizagem dos alunos nos componentes curriculares tradicionais, mas também devem ampliar a capacidade de lidar com pensamento crítico, criatividade, sensibilidade cultural, diversidade, comunicação, tecnologias e cultura digital, projeto de vida, argumentação, autoconhecimento, autocuidado, emoções, empatia, colaboração, autonomia, ética, diversidade, responsabilidade, consciência socioambiental e cidadania, entre outros aspectos importantes para a vida no século 21.
Vale destacar que as competências gerais não são temas transversais, como os que se apresentavam nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), mas direitos essenciais a ser garantidos para cada um dos estudantes brasileiros como objetivo primordial da sua trajetória escolar. Assim como a Base tem caráter normativo e deve ser incorporada por todas as redes e instituições de ensino do país, as competências gerais também necessitam ser explicitadas nos currículos, projetos político-pedagógicos (PPP) e nas práticas cotidianas de gestores e professores.
Outro ponto a ser ressaltado é o fato das orientações que integram o capítulo introdutório da BNCC terem sido elaboradas com base em referências nacionais e internacionais, entre elas marcos legais importantes, como:
1. a Constituição Federal
2. a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
3. as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
4. o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014
Todos esses documentos já indicavam que a Educação Básica no Brasil deveria promover o desenvolvimento integral dos alunos e a sua preparação para a vida, o trabalho e a cidadania.
As competências gerais também se orientam por estudos e tendências sobre o que os estudantes precisam aprender para lidar com os desafios do mundo atual, caracterizado por um alto nível de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Ou seja, estamos preparando as novas gerações para viver em uma realidade marcada por um permanente estado de mudança, em que o futuro é incerto, os problemas são de difícil resolução e boa parte das perguntas que nos fazemos remete a um conjunto variável de respostas. Um contexto bastante diferente daquele no qual foi forjado o modelo de escola atual, em que as transformações aconteciam em passo muito menos acelerado, o que permitia planejar nosso futuro pessoal e profissional com alguma previsibilidade e ter mais clareza sobre por onde caminhar.
A Base, portanto, busca contribuir para a superação de antigos problemas da Educação brasileira, como a qualidade e a equidade, mas também alavanca transformações para tornar as escolas capazes de responder aos novos desafios que se apresentam. Nesse caso, as revisões curriculares necessitarão ser acompanhadas por mudanças mais profundas no ambiente, nas práticas pedagógicas e, principalmente, na cultura dos professores.
O processo exige muita disponibilidade, reflexão, formação e proposição por parte de gestores e educadores, bem como forte envolvimento dos estudantes, de suas famílias e da sociedade em geral. Afinal, mudanças culturais só ocorrem quando todos os envolvidos reconhecem a importância e participam ativamente do processo de reconstrução. O caminho será longo e árduo, mas terá papel fundamental na oferta de uma Educação Básica que faça mais sentido para os alunos e para o nosso país.
Anna Penido é jornalista formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com especialização em Direitos Humanos e em Gestão Social para o Desenvolvimento pela Universidade de Columbia (EUA), e diretora-executiva do Instituto Inspirare.