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Como preparar uma aula de História alinhada à BNCC

A didática adotada na sala de aula não deve apenas focar nos fatos históricos, mas estabelecer relações entre eles e discuti-los sob uma perspectiva própria do aluno

Autor: Rita Trevisan

Base propõe reflexão sobre cada uma das dimensões no componente História. Ilustração: Rita Mayumi/Nova Escola

Na prática educativa, há uma relação direta entre os conteúdos a serem ensinados e aprendidos, os métodos de ensino, os usos de materiais didáticos, as formas de organização da sala de aula e as dinâmicas de interação entre aluno e professor. Por isso, diante das habilidades e objetos de conhecimento apresentados na Base, é preciso repensar cada uma dessas dimensões. Confira o caminho para fazer isso:

Como selecionar os conteúdos 

Todo currículo representa uma seleção. Em História, a tradição desde o século XIX é de narrar a formação e a evolução da civilização ocidental em direção ao domínio do mundo. Essa narrativa, baseada na ideia de progresso, foi dividida em dois grandes blocos:
1. Pré-História
2. História (que passa a ser subdivida em: antiguidade; medieval, tempos modernos e contemporâneos)

A afirmação das nações criou a necessidade de situar e inserir a história nacional nessa trajetória. Mas esse modelo, ao longo do tempo, recebeu diversas críticas, como a de que organiza o passado valorizando os elementos da sociedade e da cultura europeias em detrimento de outras culturas e a de que separa, de forma estanque, os fatos políticos, sociais, econômicos e culturais.

No que o professor deve pensar?
Um exercício interessante para o professor é pensar em como fazer essa exposição e não apenas no que ensinar, ou nos conteúdos em si. “É preciso quebrar o paradigma de que a História apresentada é definitiva, verdade acabada e fixa. A História é um campo de conhecimento em permanente construção”, ressalta o doutor em Educação, Paulo Eduardo Dias de Mello, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Ele indica que o aluno seja estimulado com perguntas do tipo: como pudemos saber isso sobre o passado? Ou como sabemos o que sabemos? “Os currículos de História são extensos como um lago gigantesco, mas possuem apenas um dedo de profundidade. O peso dos conteúdos está na abordagem e nos procedimentos metodológicos que utilizo em sala de aula. Se posso optar por uma visão panorâmica e extensa, isso não significa que não posso realizar mergulhos e aprofundamentos em determinados temas”, explica.

Quais fontes de informação usar

Além de apresentar o passado em uma única e certa narrativa, que pode ser ilustrada por meio de documentos, é possível conduzir o aluno um passo além. Trata-se de fazer as crianças e jovens refletirem sobre as explicações apresentadas em sala de aula, como elas foram elaboradas, se entram em divergência e de que forma essas contradições são superadas. “É preciso selecionar e usar fontes históricas na sala de aula, evitando que elas sejam meras evidências ou provas do passado”, diz Mello.

Hoje, a produção didática incorpora ao livro escolar um conjunto valioso de documentos escritos e não-escritos (inclusive com conteúdos digitais), além de textos de historiadores. “Existem alguns livros que trabalham com propostas de projetos de investigação e trazem conjuntos de documentos diversos organizados em dossiês temáticos”, afirma Mello. Um exemplo é a coleção História em Documento (editora FTD). Assim, professor e aluno não possuem apenas o texto didático propriamente dito, definido pela narrativa do autores. Isso possibilita maior flexibilidade para buscar e utilizar diferentes fontes documentais disponíveis.

Fontes digitais
Novas tecnologias trouxeram mais acesso aos acervos documentais. Houve um dilúvio de informações e uma explosão do número de sites. Obviamente, isso obriga o professor a adotar cuidados na filtragem e seleção dos sites que apresenta aos alunos. Os mais recomendados são os ligados a instituições públicas como universidades, grupos de pesquisa, museus, arquivos históricos, bibliotecas e instituições privadas sérias de interesse público. Ao utilizar essas fontes digitais, o professor pode, ainda, discutir os mecanismos de busca. Eles precisam ser usados com cuidado para que possam revelar a diversidade de objetos e não apenas aqueles definidos por determinados algoritmos.

Acesse para conhecer bons sites de pesquisa

The Internet Archive

Instituto Moreira Salles 

Biblioteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional 

Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo

LEMAD - Laboratório de Ensino e Material Didático da USP

Arquivo Público do Estado de São Paulo

Portal da Legislação Brasileira

ANPHAC – Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas

O jeito de ensinar
Na sala de aula:
1. Recomenda-se que o professor problematize o passado humano em sua diversidade, formulando perguntas sobre o presente.
2. Para fazer a turma pensar, é preciso criar situações de questionamento, mobilizar comparações sobre mudanças e permanências nas situações, diferenças e semelhanças na maneira como as sociedades se organizam, indicando a complexidade e as conexões entre os acontecimentos.

Na prática 

Uma aula pode começar a partir de um acontecimento atual que tenha interferência direta na vida dos alunos. Um exemplo é utilizando a coleta de esgoto. Há uma coincidência cronológica entre o desenvolvimento de redes de abastecimento de água e de coleta de esgoto e a proibição da escravidão no Brasil.

Em meio a um estudo sobre a escravidão moderna, que acabou com a Lei Áurea, os alunos podem ser levados a entenderem que tipo de trabalhos eram realizados pelos escravos a partir da compreensão de que eles é que recolhiam o esgoto das casas de seus senhores para despejar nos rios.

Para trabalhar também o tema da escravidão no Brasil, é interessante apresentar aos alunos alguns dados sobre desigualdade racial na atualidade e começar a colher respostas sobre por que isso acontece e quando isso teria começado. Em uma sequência de atividades, o objetivo é levar os alunos a entender que o racismo é fruto da escravidão e não sua causa. A partir de temáticas como essas, professor e aluno podem estabelecer múltiplas relações entre o problema atual e a sociedade.

“Trata-se de entender que somos e estamos mergulhados nos fluxos do tempo e não num presente contínuo e estático. Pensar historicamente contribui para buscar sentido sobre nossas vidas, injeta reflexão sobre nossa própria experiência individual e impele a buscar significados para nossas atuações no mundo”, afirma Mello. Uma aula como a citada, por exemplo, dá ensejo a um posicionamento crítico sobre como equacionamos os problemas ambientais e sociais de nossa época. Nesse caso, o pensar historicamente contribuirá para entender as soluções possíveis.  

Engajando com os alunos 

Para incentivar o pensar historicamente, ou seja, problematizar o presente, o passado com o conhecimento acumulado em sala, é preciso romper com formas estáticas e rígidas de organizações didáticas. É necessário superar as aulas centradas apenas na transmissão oral e desenvolver atividades de aprendizagem que não se tratam apenas de memorização e de mera devolução de respostas consideradas certas ou padronizadas.

Isso não significa que as aulas não devam ser planejadas e estruturadas, ao contrário, o desafio é planejar considerando o engajamento das crianças e jovens em atividades que permitam a eles perceber os sentidos atribuídos ao passado, e de forma que eles possam construir novos sentidos por meio da leitura, da pesquisa e da interpretação.

Sempre que possível, os alunos devem ser estimulados a dizer o que sabem sobre o assunto, externando seus saberes prévios, expressando representações sociais sobre grupos, pessoas, acontecimentos e práticas. E isso não deve acontecer apenas no início de um determinado estudo, mas durante todo o processo. “Ao questionar o aluno, o professor tem conhecimento sobre o que o aluno sabe e o que pensa sobre o que sabe”, explica Mello.

Cabe ao professor identificar que perguntas são relevantes não apenas em relação ao conteúdo, mas para criar um espaço organizado de debate e reflexão. É preciso ensinar o aluno a ouvir, a esperar para poder falar, a pensar sobre o que será dito, a se comunicar de uma forma colaborativa e não violenta.

As avaliações 

Para saber se um aluno está aprendendo a pensar historicamente, é preciso mobilizar essa capacidade por meio de atividades que expressem apropriações dos conceitos e procedimentos históricos discutidos em sala de aula. Não basta responder testes, preencher cruzadinhas, diferenciar falso ou verdadeiro. É fundamental que o aluno se posicione criticamente sobre o que aprendeu, inclusive, por escrito.

O ideal é que o processo de avaliação do aluno seja contínuo, que sejam considerados os saberes que ele já possui e traz para a escola, as hipóteses e os domínios que revela sobre os conteúdos históricos. Bons processos avaliativos costumam resultar de atividades de explicação que são propostas aos alunos no início da sequência didática e retomadas (e revisadas) por eles ao final.

Nessa perspectiva, a avaliação não é usada como forma de classificação e exclusão dos estudantes que não atingiram determinados padrões de desempenho, mas como instrumento para o professor planejar as intervenções que precisam ser feitas, a cada etapa, considerando a realidade de seus alunos. O exame também serve para que os estudantes tenham condições de avaliar seus próprios progressos. “O professor deve observar as conquistas e obstáculos que ocorrem no processo de ensino e aprendizagem, verificando e avaliando a apreensão de conteúdos, noções, conceitos, procedimentos e atitudes, estabelecendo comparações com o que demonstravam ou não saber antes, durante e após o final do processo”, diz Mello.