No desenvolvimento deste plano, propomos que os estudantes conheçam as danças de matriz africana. A história dos povos africanos escravizados no Brasil ainda está em curso. Sua presença é material e não apenas simbólica ou cultural. Sua força criadora e transformadora é visível, sensível e inteligível. Vamos, neste plano, conhecer uma amostra dessa riqueza repleta de signos de resistência e sacralidade: o maculelê e o ijexá.
O Atlântico Sul é um rio: em uma margem está a África, e na outra, o Brasil
Nossa identidade está em ambas. O Brasil é negro, e esse termo pode ser tanto aplicado aos povos originários, como aos afrodescendentes, indistintamente. A mão de obra inaugural para o trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar, no século XVI, no início da colonização portuguesa, foi a dos “negros da terra”, como foram nomeados os habitantes originais do Brasil. O alto custo das incursões ao interior, para sua captura e escravização, deslocou esse processo de apropriação da força de trabalho para a África. Os chamados “negros da Guiné”, de maneira generalizada, sem alguma distinção étnica ou cultural, foram escravizados no processo bárbaro da colonização e trazidos acorrentados às nossas praias. Dançar, nesse contexto, foi (e é) um ato de insurreição e culto à liberdade. As danças de matriz africana são componentes dessa resistência civilizatória à barbárie, traduzidos em beleza, cor, ritmo e magia, em todo o território e na alma da brasilidade.
É a nossa história, escrita em nosso corpo
Neste plano, vamos conhecer e recriar, inicialmente, o maculelê, e, posteriormente, o ijexá, como um desdobrar de possibilidades.
O maculelê, segundo a tradição oral, é uma dança dramática que conta a história de um guerreiro que é morto e ressuscita, sendo venerado como herói. Existem várias versões sobre esse tema, sendo que, em várias delas, a história que se conta é que maculelê era o nome de um africano escravizado, acolhido em um grupo indígena, porém deixado de lado nas caçadas, ficando com as mulheres, idosos e crianças. Ao ser confrontado com um grupo rival, na ausência dos guerreiros, defendeu sua comunidade munido com apenas dois bastões de madeira. Em algumas narrativas ele morre e ressuscita, em outras, sobrevive como herói.
No entanto, há outras explicações. Segundo a professora e historiadora Zilda Paim, seu nome deriva da fusão de duas palavras africanas “makula” e “lelê”, sendo a primeira um nome de um povo de provável origem moçambicana, e a segunda o nome de um bastão roliço, também chamado “grima”. É uma dança que representa simbolicamente uma luta, significa algo como “vamos esperar os makula à lelê”, ou seja, “preparados para a guerra” (NASCIMENTO, 2017).
Os “bate pau”, danças com bastões, como nos informa o pesquisador Edison Carneiro (1957) eram anteriores ao maculelê, existindo também em danças como a congada e o moçambique, nas regiões de Minas Gerais e São Paulo. Alcança as comunidades indígenas, particularmente os Terena, na região de Mato Grosso e São Paulo. Também está presente no Espírito Santo.
Um capítulo importante desse relato está em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, conhecido por ser o berço de Caetano Veloso e também do maculelê, em sua forma moderna. Em uma de suas canções, “Trilhos urbanos”, Caetano homenageia Paulino Almeida de Andrade, o “Seu Popó do Maculelê”, recriador histórico dessa dança. Esse é um ponto importante no relato. Seu Popó, a partir de elementos do Candomblé Congo-Angola (diferenciado dos candomblés de Ketu e Jeje) reconstruiu o maculelê, a partir do que ele viu e ouviu da tradição local, segundo a historiadora Zilda Paim (NASCIMENTO, 2017).
As “grimas” (bastões) e o som dos atabaques são elementos de um cenário lúdico, coreográfico e acrobático intenso, no qual participam tanto homens como mulheres em uma configuração semelhante, e não por acaso, junto da capoeira, que é considerada por muitos como parte da sua prática.
Praticar o maculelê é uma forma de ação que integra elementos das danças e das lutas, pois como dança dramática ocorre dentro de um ritmo de quatro tempos, um dos quais, o “tempo forte” é marcado pela batida dos bastões entre si ou no solo, em um jogo combinado de ataques e defesas de duplas, quartetos, podendo também evocar o enfrentamento, em fileiras, de dois grupos rivais.
Segundo Maria Mutti, criadora de um grupo de maculelê, capoeira e samba de roda, formado exclusivamente por mulheres, o maculelê é uma dança, diferenciando essa prática do jogo realizado na capoeira, embora o elemento lúdico esteja presente em ambas. Uma observação feita pela pesquisadora está na dinâmica dos passos que, segundo ela, “todo mundo pensa que é fácil o maculelê… Acontece é que não batem (as grimas) no mesmo movimento dos pés
NASCIMENTO, A. A verdadeira história de maculelê. Documentário realizado em Santo Amaro da Purificação, Bahia, sobre a história do maculelê, 2017 (15 min). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=DaWZKDpZdXA. Acesso em: 29 jan. 2022.
SOARES, R. L. Prática pedagógica em dança: o ijexá como propulsor da produção de conhecimento em artes. Sistema Maxwell, PUC-RJ. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/45391/45391.PDF. Acesso em: 20 dez. 2021.
Livros
MONTEIRO, J. Negros da terra: índios e bandeirantes na origem de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
PRANDI, R. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
PRANDI, R. Segredos guardados: Orixás na alma brasileira. São Paulo: Companhia das letras, 2005.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SANT’ANNA, D. Cuidado de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil. In: _____ (Org.). Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais. 2. ed.. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.
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Este plano de atividade foi elaborado pelo time de autores NOVA ESCOLA.
Autor: Patricio Casco
Coautor: Laércio de Moura Jorge
Mentor: Ricardo Yoshio Silveira Ribeiro
Especialista da área: Luis Henrique Martins Vasquinho