Por muito tempo, as pinturas do francês Jean-Baptiste Debret (1768 - 1848) e do alemão Johann Moritz Rugendas (1802 - 1858) eram a única representação dos negros nos livros didáticos. Nelas, eles aparecem quase sempre em situações de trabalho forçado ou castigo (veja exemplos abaixo).
Apesar de serem um importante registro histórico, elas não são suficientes para representar a vida dos escravizados e, muito menos, o papel deles e de seus descendentes na construção da história nacional. Durante a existência da escravidão, antes e depois dela, eles tiveram um papel ativo nas lutas pela independência do país, pela liberdade de seu povo, pela democracia e pelo direito à igualdade.
Abordar a participação dos negros em diversos episódios da história nacional é, portanto, imprescindível. Para fazê-lo, o professor precisa se aprofundar na pesquisa sobre o tema. "Tanto a escola quanto os cursos de licenciatura no país ainda têm dificuldades em oferecer uma formação continuada e adequada a professores da rede e graduandos", explica Juliano Custódio Sobrinho, pesquisador da área e professor da Universidade Nove de Julho (Uninove).
A cada conteúdo, o docente deve se perguntar: será que não houve nenhum personagem ou entidade negra envolvidos nesse episódio? Em sala, nas atividades organizadas com a turma, ele deve destacar essa presença. Movimentos organizados foram importantes na luta pela redemocratização após a ditadura militar (1964 - 1985) e em algumas revoltas pela independência do país. Caso o professor queira também desenvolver um trabalho focado no assunto, ele pode realizar uma sequência didática em que os alunos pesquisem sobre alguns episódios em que os afro-brasileiros se destacaram. Veja uma proposta no plano de aula Mobilização negra e cidadania, no passado e no presente.
• Plano de aula para discutir a mobilização negra e cidadania, no passado e no presente
• Conheça o trabalho de um professor que explorou o tema da escravidão por meio de relatos orais
• Em vídeo, consultor explica como utilizar imagens nas aulas de História
• Plano de aula apresenta proposta para discutir
a história dos
afrodescendentes
• Artigo discute as visões estereotipadas sobre os negros no Brasil
Discutir com a turma diversos episódios em que afro-brasileiros participaram ativamente é importante para devolver a essa população seu lugar na história. Diversas pesquisas mostram isso, como um levantamento realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), disponível online.
A escravidão não deve ser deixada de lado no planejamento. O tema é, afinal de contas, o mais importante para entender a questão racial hoje. "Nosso passado escravista, o malfadado processo de abolição e inclusão social justifica hoje a necessidade de políticas de reparação, como as leis de cotas e a própria lei de obrigatoriedade do ensino da história africana e da cultura afro-brasileira”, explica Sobrinho.
Para que os alunos avancem no conhecimento sobre o tema, o professor deve problematizar o trabalho de regime forçado, abordar os motivos da escravização dos negros e a postura dos escravizados diante dessa situação. É importante abordar as diversas maneiras de resistência, as relações com seus senhores e os brancos – nem sempre pautadas pela humilhação e subserviência – e de fato dar pistas sobre sua maneira de viver.
As imagens de Debret e Rugendas citadas no início deste capítulo não podem ser os únicos materiais apresentados à turma. “O principal objetivo do trabalho deve ser devolver a humanidade a esses personagens e mostrar como eles construíram cultura, estabeleceram relações familiares e de cooperação e resistiram, de diversas maneiras, à realidade que lhes era imposta”, defende Martha Abreu, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Diversos materiais podem ser utilizados pelos professores. Fotografias como as capturadas por Marc Ferrez (1843 - 1923) mostram a presença de homens negros libertos e as redes de relações desenvolvidas no final da escravidão (assista ao vídeo ao lado com análises de uma especialista). Outras fontes valiosas podem ser recortes de jornais, depoimentos de familiares de ex-escravizados que conhecem histórias contadas por seus antepassados, como as narradas nos livros Memórias do Cativeiro, de Ana Lugão Rios e Hebe Mattos, e História da Vida Privada no Brasil Volume 2, organizado por Luiz Felipe de Alencastro e Fernando Novais.