No Brasil, a cor ou raça é autodeclarada: ao responder ao Censo Demográfico ou outras pesquisas, cada um diz se é preto, pardo, branco, amarelo ou indígena. Essa identidade normalmente se relaciona à cor da pele e a outras características físicas, não à ancestralidade. É comum, por exemplo, que um filho de pai ou mãe negra, mas que tem a pele mais clara, se declare branco. Em outros contextos, que não o da pesquisa, assumir a negritude é um ato político: trata-se de tomar para si a história e cultura do grupo, suas raízes, suas lutas.
A escola precisa colocar os alunos em contato com os elementos que formam cada grupo étnico brasileiro, para que eles sejam capazes de compreender a complexidade dessas identidades e, assim, se afirmar não apenas pela cor da pele ou do cabelo, mas também por outros elementos. Apesar de os conteúdos das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana contemplarem esse esforço, ações específicas sobre a afirmação de cada identidade devem ser empreendidas nas escolas.
O primeiro passo é valorizar os agentes de todas as etnias, apresentando bons modelos de representações afirmativas. “Não se trata de vitimizar o negro ou tratá-lo como mocinho enquanto o branco seria o vilão. O papel da escola é mostrar essa identidade racial de maneira afirmativa, desligando-a das imagens que predominam nos meios de comunicação”, defende Paola Prandini, fundadora da Afroeducação. Essas imagens são comuns em livros didáticos, que mostram africanos escravizados em situações de constrangimento e humilhação, e as representações de filmes e novelas, em que negros ainda não assumem papéis de destaque.
O professor precisa valorizar personagens negros em diferentes funções sociais, incorporando artistas, escritores e cientistas africanos e afrodescendentes no planejamento das aulas. Por meio desse contato, os alunos de diferentes raças passam a considerar natural a presença de afro-brasileiros em cargos de chefia ou como importantes pensadores. “Os próprios alunos podem se identificar com essas pessoas e reconhecer que é possível alcançar o sucesso”, defende Martha Abreu, docente da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Durante o século 20, a ideia de que o Brasil era uma nação miscigenada e de que aqui não existia racismo foi amplamente divulgada. É o famoso mito da democracia racial, como explica a socióloga Lilia Schwarcz no livro O Espetáculo das Raças. Ainda que muito presente na sociedade, diversas pesquisas e estatísticas já comprovaram as diferenças sociais profundas entre negros e brancos no país. Uma das pesquisas mais célebres sobre o assunto, conduzida por Lilia em 1988, mostrou que, apesar de 97% dos entrevistados dizerem não ser racistas, 98% afirmaram conhecer alguém que fosse. O resultado representa como a sociedade se comporta em relação ao racismo hoje: apesar de reconhecer sua existência, não o considera seu problema.
Na escola, a inclusão no currículo de conteúdos que tratam da história e cultura africana e afro-brasileira é um dos passos para o combate ao racismo, mas essa não pode ser a única ação. Os alunos e o restante da comunidade escolar precisam ser sensibilizados para o tema, de maneira que possam reconhecer o racismo em suas próprias atitudes e mudá-las.
“Devemos ser cuidadosos para não naturalizar ações que podem ser racistas e tratá-las apenas como brincadeira ou desentendimentos naturais”, alerta Martha. Trocas de ofensas, brigas e bullying devem ser tratados com cuidado especial quando envolvem grupos historicamente discriminados, e isso deve estar claro no regimento escolar.
Mais do que lidar com casos isolados ou abordar o tema apenas em datas comemorativas, a rotina da escola deve ter momentos de reflexão sobre o tema. Algumas atividades para esse fim são sugeridas no Guia Metodológico para a Educação das Relações Raciais, organizado pela ONG Ação Educativa. Outra possibilidade é o uso de filmes para organizar as conversas com a comunidade escolar. (Conheça algumas sugestões na galeria abaixo.)
Filmes são um bom ponto de partida para discussões sobre racismo. Conheça sugestões de títulos feitas por Paola Prandini, da Afroeducação