Maria. João. Antônio. Cecília. Fernanda. Imagine se não tivéssemos um nome. No meio de milhões de outras pessoas, como seríamos diferenciados? A importância dessa palavra levou muitos linguistas e antropólogos a acreditar que a escrita foi fonetizada por causa dos nomes próprios, uma vez que os pictogramas não davam conta de codificá-los e registrar a diversidade de indivíduos. Atualmente, é difícil conceber uma sociedade que não utiliza o nome próprio para registrar a diferença – e, por conseguinte, a identidade – de cada membro.
Diante disso, como pensar, então, numa forma mais significativa para dar início à alfabetização escolar?
Foram as descobertas sobre a origem e o desenvolvimento da escrita, conhecidos como psicogênese (leia mais sobre a Psicogênese da Língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, abaixo), que evidenciaram os processos de aprendizado das crianças e questionaram os métodos tradicionais de alfabetização, baseados na cópia de famílias silábicas. Com base nos estudos da pesquisadora argentina, a criança se tornou protagonista da própria aprendizagem. Desafiada pelas atividades e pelas intervenções do professor, a criança investiga, testa ideias, repensa, corrige. Aos poucos, se apropria do sistema de escrita.
Na etapa inicial de alfabetização, o papel do professor é ampliar, de maneira significativa, a inserção das crianças no universo da escrita, com o qual elas já têm contato por meio de, por exemplo, cartazes que veem na rua, da televisão e das listas de compras que seus pais fazem. “Não podemos dizer que se inicia o trabalho com nomes na Educação Infantil, mas que se dá continuidade a esse processo de alfabetização, que já estava acontecendo no ambiente familiar, de forma mais intencional e sistemática”, explica Andréa Luize, coordenadora do Núcleo de Práticas de Linguagem da Escola da Vila, em São Paulo. E nada melhor que uma palavra estável – não importa onde a criança veja seu nome, ele sempre estará escrito do mesmo jeito – para começar esse trabalho.
As crianças, aliás, intuem a importância do nome mesmo sem saber escrever. A psicolinguista Ana Teberosky, no livro Psicopedagogia da Linguagem Escrita, destaca a precoce tendência infantil a marcar suas produções, ainda que em forma de garatuja. Quando chegam à escola, essas crianças passam a dividir o espaço com muitos outros pequenos. Por isso, percebem que o nome delas adquire muito sentido quando identificam seus objetos pessoais, como mochilas e lancheiras. “Socialmente, a escrita do nome ganha relevância”, diz Andréa Luize.
Na realidade da sala de aula, como utilizar essa palavra cheia de sentido? Beatriz Gouveia, coordenadora de projetos do Instituto Avisa Lá e professora da pós-graduação em Alfabetização do Instituto Superior Vera Cruz, diz que o trabalho com os nomes próprios deve ter objetivos de aprendizagem diferentes, de acordo com a faixa etária dos alunos. “Nas turmas de 2 e 3 anos, por exemplo, a preocupação é fazer com que a criança reflita sobre as marcações dos pertences e sobre a sua identidade”, explica. Assim, ela se enxerga como um ser distinto dos outros que a rodeiam.
Já nas turmas de 4 e 5 anos, o nome passa a ser um contexto para a reflexão sobre o próprio sistema de escrita. À medida que vão se apropriando do sistema e percebendo suas regularidades, como quantidade e disposição das letras e combinação dos sons, os pequenos passam a utilizar esses conhecimentos adquiridos para descobrir e escrever novas palavras. “O nome próprio será um referencial importantíssimo para a leitura e escrita de outros textos e é o professor que propõe às crianças recorrer a essas fontes de informação para que resolvam um problema”, diz Diana Grunfeld, especialista em didática da alfabetização e membro da equipe de coordenação da Rede Latino-americana de Alfabetização.
Nos próximos dois blocos deste especial, você encontrará propostas de atividades e de intervenções que permitem às crianças avançarem em seus conhecimentos sobre a escrita.
O trabalho com nome próprio na sala de aula já virou objeto de muitas pesquisas. No entanto, alguns estudos se tornaram referência para quem quer entender como se dá o processo de aquisição da língua escrita pelas crianças e qual o papel do professor nesse caminho. Abaixo, separamos três textos que podem contribuir muito para sua formação como professor alfabetizador. Clique na capa das obras para saber mais.
O livro das duas autoras argentinas representa uma virada histórica na visão da alfabetização. Unindo a psicolinguística e a epistemologia de Jean Piaget, as duas estudiosas criaram uma teoria para explicar a forma de aquisição da linguagem escrita pelas crianças. O que era antes feito por meio de métodos passou a ser pensado como uma visão da aproximação do sujeito com o objeto, nesse caso, a escrita. Na obra, você encontrará ainda a descrição das hipóteses de escrita e algumas páginas destinadas ao nome próprio, no capítulo 6 (300 páginas, Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 67 reais).
Emilia Ferreiro e Ana Teberosky
Travando um diálogo estreito entre ensino e aprendizagem, Ana Teberosky dá sugestões de como os professores podem interpretar os saberes que as crianças já têm sobre a escrita para planejar situações didáticas que lhes permitam avançar. O livro tem uma abordagem didática da alfabetização, ou seja, como a aprendizagem da língua escrita acontece, de fato, na escola. Na obra, há um capítulo destinado especialmente à escrita de nomes nas turmas de alfabetização inicial (152 págs., Ed. Vozes, tel. 24/2233-9036, 38,10 reais).
Ana Teberosky
Desenvolver inúmeras situações didáticas com o nome próprio nas turmas de Educação Infantil não é o suficiente para as crianças avançarem em seus conhecimentos. Por isso, a especialista argentina em didática da alfabetização Diana Grunfeld discute a necessidade de o professor planejar suas intervenções. No texto, disponível apenas em espanhol, ela dá diversos exemplos desse trabalho em situações de leitura e escrita. A primeira parte do artigo, também disponível em espanhol, reflete sobre o porquê do trabalho com nome próprio.
Diana Grunfeld
Disponível em abr.ai/artigo