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Jornalismo

Nossos futuros professores

Resultados da pesquisa confirmam mudança de perfil entre os que escolhem a docência. Maior parte dos candidatos vem de famílias de baixa renda e pouca escolarização, estudou em escola pública, trabalha para pagar a graduação e faz parte de um grupo com fraco repertório cultural

PorRodrigo RatierFernanda Salla

22/01/2010

Diversos estudos recentes indicam que está se consolidando um novo perfil de candidato à docência: mais empobrecido, estudante de escola pública e com pequena bagagem cultural. As informações da pesquisa Atratividade da Carreira Docente no Brasil confirmam esse panorama. Na sondagem da FVC/FCC, apenas 31 dos 1.501 estudantes pesquisados desejam ser professor. Alguns achados saltam aos olhos. Dos 31 alunos que querem ser professor, 27 (87% do total) são de escola pública. E a grande maioria, 24 (77%), é mulher.

Em relação à escolarização, a tendência é que, quanto maior o nível de instrução dos pais, menor a intenção de ser professor. Entre os que se declaram candidatos à docência, cerca de metade tem pai que chegou a cursar além do Ensino Fundamental. Entre os que não pretendem ser professor, esse percentual sobe para 68%. Os pais com Ensino Superior também são mais numerosos entre os que não querem atuar em sala de aula: 31%, contra 16% dos que escolheram a docência como profissão.

As estatísticas oficiais apontam na mesma direção. De acordo com dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de Pedagogia, cerca de 80% cursaram o Ensino Médio em escola pública (68% só estudaram nesse tipo de instituição) e 92% são mulheres. Em termos socioeconômicos, 39% vêm de famílias com até três salários mínimos de renda mensal (a maioria, 50%, situa-se na faixa entre três e dez salários) e três em cada quatro trabalham (saiba mais no quadro da página seguinte).

Fatores externos ajustam a escolha profissional à realidade 

Dois fatores foram elencados pelos jovens como os mais atraentes para a escolha da carreira: a possibilidade de trabalhar com crianças e ensinar e transmitir conhecimentos (como se vê no depoimento na página seguinte). De fato, outros estudos confirmam que o professor se ampara em valores altruístas e se vê como um agente de transformação social, reforçando a ligação entre a docência e o prazer de trabalhar com a aprendizagem.

Mas a opção de se tornar professor também sofre forte influência de fatores externos, que acabam ajustando a escolha profissional à realidade. Conscientes das dificuldades que enfrentarão para passar num curso superior, adolescentes de baixa renda escolhem carreiras mais próximas de suas possibilidades, levando em conta o baixo custo da mensalidade, a facilidade de ser admitido e a rápida obtenção de um emprego.

A soma desses fatores tem levado à docência um grupo com fraca bagagem cultural. Ainda segundo o Enade, 45% dos futuros professores declaram conhecimento praticamente nulo em Inglês. Quando o recorte foca apenas os ingressantes nas graduações de Pedagogia (no caso, por meio dos dados do Exame Nacional do Ensino Médio de 2008), o panorama geral revela alunos com dificuldades de escrita e compreensão de texto nas questões de Língua Portuguesa.

Um perfil preocupante

Além das dificuldades econômicas, alunos dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas chegam à universidade com poucas referências culturais

Os futuros professores do Brasil*

* Entre os alunos do último ano de Pedagogia e Licenciaturas. Fonte: Questionários socioeconômicos do Enade de 2005. Foto Dercílio. Ilustração Daniella Domingues
* Entre os alunos do último ano de Pedagogia e Licenciaturas. 
Fonte: Questionários socioeconômicos do Enade de 2005. 
Foto Dercílio. Ilustração Daniella Domingues

 

Notas de corte de Pedagogia estão entre as mais baixas 

Isso se materializa nas notas de corte dos vestibulares. No maior do país, o da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), dos 13 cursos com menor nota de corte em 2010, quatro são Licenciaturas, e duas, disciplinas da Educação Básica. Pedagogia não fica nada distante: para o curso oferecido no campus de São Paulo, a nota mínima exigida para a segunda fase foi apenas 1 ponto acima das carreiras mais fáceis.

"Em resumo, os futuros professores são estudantes que, principalmente pelas restrições financeiras, tiveram poucos recursos para investir em ações que lhes permitissem acesso a leitura, cinema, teatro, eventos, exposições e viagens", afirma o relatório final da pesquisa FVC/FCC. Entretanto, em vez de culpar os futuros docentes por suas deficiências, o caminho é potencializar as características produtivas desses jovens - a luta pela ascensão social por meio da profissão - e auxiliá-los a superar suas limitações. "Eles querem demais aprender e têm respeito pela profissão de professor", diz Alda Judith Alves Mazzotti, especialista em Psicologia Educacional e professora da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Garantir uma formação inicial e continuada que cubra as lacunas de repertório dos candidatos à sala de aula é um dos caminhos para reverter o ciclo vicioso que produz poucos (e maus) professores.

Foto: Sérgio Vignes
Foto: Sérgio Vignes

Aprender com os alunos

"Escolhi Pedagogia porque sempre gostei de ir à escola. Hoje, o que mais me motiva é a possibilidade de troca com as crianças. Aprendo muito com os pequenos. É claro que não dá para negar que a profissão está desvalorizada. Os salários são baixos, e as condições de trabalho, ruins, mas o mais problemático é que a Pedagogia é tida como um curso menor mesmo nas melhores universidades. Acredito que existam estudantes que se graduam apenas para ter um diploma de formação superior sem pensar em ser professores."

FLORA BAZZO SCHMIDT, 22 anos, aluna de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis

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