Refletindo sobre os desafios colocados aos professores de Educação Física, frente às novas diretrizes curriculares (Base Nacional Comum Curricular), no que se refere à organização e ao desenvolvimento da unidade temática “Lutas”, de maneira efetiva e significativa, compreende-se que esse tema seja relevante, podendo contribuir para o processo de ampliação do repertório da cultura corporal do movimento, bem como para uma educação integral junto aos estudantes. O ensino das lutas nas aulas de Educação Física escolar, assim como os demais conteúdos específicos da disciplina, abrange, muitas vezes, na prática pedagógica, apenas os aspectos procedimentais do conteúdo, ou seja, o saber fazer, a prática. A concepção de uma educação integral, proposta pelas atuais diretrizes curriculares, aponta para um processo de ensino e aprendizagem que possa transcender esse “saber fazer”, compreendendo durante as aulas aspectos de outras dimensões do conteúdo, como os conceitos, as atitudes e os valores (RUFINO; DARIDO, 2015). Sena (2014, p. 16) compreende a sistematização de ensino das lutas “[...] como uma maneira de organizar os conteúdos, propondo contribuir com o processo de ensino-aprendizagem nas aulas de Educação Física, adequando os conhecimentos da disciplina à realidade do ambiente, ao contexto escolar, ao nível escolar e às necessidades dos estudantes”. De acordo com as orientações da BNCC, as lutas compõem o repertório de práticas corporais a serem abordadas ao longo das aulas de Educação Física nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A unidade temática “Lutas” focaliza as disputas corporais, nas quais os participantes empregam técnicas, táticas e estratégias específicas para imobilizar, desequilibrar, atingir ou excluir o oponente de um determinado espaço, combinando ações de ataque e defesa dirigidas ao corpo do adversário. Dessa forma, além das lutas presentes no contexto comunitário e regional, podem ser tratadas lutas brasileiras (capoeira, huka-huka, luta marajoara etc.), bem como lutas de diversos países do mundo (judô, aikido, jiu-jítsu, muay thai, boxe, chinese boxing, esgrima, kendo etc.) (BRASIL, 2017, p. 216). As lutas têm sua origem nas formas primitivas de defesa e vêm evoluindo historicamente com a sociedade humana, representando em sua diversidade uma das manifestações do movimento humano mais expressiva, em que são estudados, de forma indissociável, o corpo e a mente, ligados a uma filosofia de vida, privilegiando o respeito ao outro e o autoaperfeiçoamento, tendo a autodefesa como meta. Nesse sentido, é importante que o educador possibilite ao estudante contato e vivências significativas com esse conteúdo, favorecendo assim uma reflexão crítica sobre essas práticas e sobre o mundo em que vivem (LANÇANOVA, 2006; RUFINO; DARIDO, 2015). As lutas estão relacionadas à nossa história e desde os primórdios estiveram presentes na natureza por meio da relação entre os animais e o ser humano. Há registros de lutas em praticamente todas as eras da humanidade e existem diversos tipos de luta espalhados pelo mundo. Existem várias lutas genuinamente brasileiras, como a capoeira, a huka-huka, a luta marajoara ou agarrada marajoara e o jiu-jitsu brasileiro. De origem incerta, a luta marajoara, ou agarrada marajoara – princípio técnico da luta referente ao agarre enquanto ação de derrubada, projeção e controle do adversário no solo— demarca um contexto na região marajoara, sobretudo em função de sua presença como modalidade esportiva nos espaços festivos, a exemplo da Festividade de São Sebastião e de eventos tradicionais de municípios da região ao revelar aspectos esportivos e tipicamente culturais (ESPARTERO, 1999). A Festividade de São Sebastião consiste em uma manifestação cultural e religiosa realizada no município de Cachoeira do Arari – Ilha de Marajó. Segundo o Iphan (2010), envolve, além do repertório religioso, uma série de celebrações e atividades tradicionais, como o cortejo de mastros, a corrida de cavalo, além das competições de luta marajoara. Estas últimas, por sua vez, são vivenciadas por pessoas de todas as idades, incluindo crianças em manifestação de lazer e adultos em uma perspectiva de competição. A luta marajoara possui características próprias e sistematizadas. No que se refere aos espaços de luta, são comumente realizadas em locais que denotam particularidades do Marajó, dentre as quais, praias e fazendas. Sua prática aponta para locais ambientados por elementos que favorecem o ato de “sujar” as costas do adversário: objetivo principal da luta. Estes são apropriados, especialmente, por se tratar de uma luta ocasionalmente geradora de índices grandes de lesões entre seus participantes, devido à presença de movimentos de derrubada abrupta. Portanto, locais de terrenos sólidos são espaços inadequados para sua prática (NAKAMOTO, 2005). Em uma perspectiva cultural, costuma-se associar a luta marajoara a um dos símbolos marcantes da Ilha do Marajó: o búfalo, animal marajoara. Tal relação existe, sobretudo, no que confere às ações de ataque e resistência presentes nos confrontos entre búfalos na região, em suas relações com os movimentos característicos no embate corpo a corpo da luta. A luta marajoara expressa técnicas culturais específicas enraizadas na cultura marajoara, especialmente na representação de símbolos caracterizadores dos costumes e heranças históricas da região, pois “cada modalidade carrega consigo sua história, origem, vestimenta, tradições e características que competem a cada manifestação de luta” (GOMES, 2008, p. 44). Nesse sentido, a referida luta é vista como uma manifestação corporal produzida em determinado período na história, merece ser “lembrada”, individual ou coletivamente, no trabalho pedagógico da escola. |