Entrevista com Maria Alice Setubal
A socióloga aponta a urgência de colocar os educadores no centro das políticas públicas e critica a avaliação superficial que muitos economistas fazem da situação do ensino no Brasil
01/05/2011
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Jornalismo
01/05/2011
É cada vez maior o número de economistas que investigam o porquê do fracasso escolar. Alguns desses estudos apontam como solução a gestão, deixando de lado o trabalho do professor e a necessidade de ampliar os investimentos na área. Essa abordagem é criticada por Maria Alice Setubal, socióloga e presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), após ter se debruçado sobre algumas pesquisas desse tipo. O trabalho resultou no artigo Equidade e Desempenho Escolar: É Possível Alcançar uma Educação de Qualidade para Todos?, publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP).
Em entrevista à Nova Escola, ela retoma o assunto e amplia o debate sobre a equidade e a qualidade da Educação. Maria Alice valoriza o olhar objetivo que os economistas trouxeram para a área, mas reclama das análises que supervalorizam aspectos relacionados a gestão, avaliação e responsabilização da escola pelo mal desempenho dos alunos. Para ela, é preciso colocar os educadores em pé de igualdade com os economistas.
Em que a abordagem dos economistas difere da feita por pesquisadores da área da Educação?
MARIA ALICE SETUBAL Em geral, os primeiros reconhecem o impacto de um bom professor sobre o aprendizado dos alunos, mas, como esse é um indicador difícil de mensurar, as análises são concentradas em outros pontos, mais periféricos, como a gestão. Outro problema é que, na maioria dos casos, as análises ficam restritas aos números e não focam a sala de aula. Por isso, acho que é preciso colocar os educadores em pé de igualdade com os economistas. Não se trata de uma competição para definir quem sabe mais, nem mesmo de uma abordagem quantitativa versus outra qualitativa. A contribuição dos professores é o olhar que incide no pedagógico.
O trabalho dos economistas tem influenciado as políticas públicas?
MARIA ALICE Sim, à medida que priorizam alguns eixos da Educação e apresentam muitos números, que são comunicados com facilidade e têm caráter simbólico forte. Esse olhar objetivo é importante. Mas é preciso cuidado ao analisar informações como a de que intervenções na escola ou na sala de aula são responsáveis por 20% do desempe-nho dos estudantes a curto prazo. Quem não é da área dificilmente entende como dados dessa natureza são calculados. Reconheço o mérito dos economistas, assim como a defasagem dos educadores nesse campo, pois infelizmente são poucos os que fazem estudos de impacto. Há muitas pessoas brilhantes na Educação realizando pesquisas, é claro, mas o enfoque é teórico ou somente relata a prática. Precisamos de pesquisas consistentes sobre como os alunos aprendem e como se deve ensinar.
Muitos pesquisadores classificam o trabalho do professor como determinante para a aprendizagem. Por outro lado, eles apostam na gestão para superar o fracasso escolar. Há divergências entre as ações que buscam solucionar o problema?
MARIA ALICE Avaliar o trabalho em sala de aula é difícil. Aspectos como esse não são um objeto de pesquisa dos economistas. Minha crítica é que muitas vezes eles reforçam o discurso de que gestão e avaliação resolvem todos os problemas. Isso não é verdade. Não podemos esquecer o professor e o estudante. Não faz sentido só olhar para aspectos periféricos, como a gestão, e achar que tudo será resolvido.
O que falta para os docentes serem o centro das políticas educacionais?
MARIA ALICE Uma mobilização para resgatar o valor simbólico da profissão. Hoje, as pessoas praticamente pedem desculpas ao dizer que lecionam. Precisamos aproveitar esse momento em que é crescente a percepção da sociedade sobre a relevância da Educação.
Qual a importância da criação do Piso Nacional para os professores?
MARIA ALICE O salário é importante para garantir a dignidade da profissão. Sem uma boa remuneração, não conseguiremos atrair bons profissionais e impactar o ensino. A qualidade da Educação é proporcional à qualificação dos educadores.
Por que é tão difícil efetivar o Piso Nacional da Educação?
MARIA ALICE Trata-se de um problema político, sustentado também pelo discurso de que o salário não impacta a qualidade. Fico indignada quando um economista escreve páginas e páginas para dizer que o salário não é importante, que em determinado lugar paga-se mais e o resultado das avaliações é pior do que onde se paga menos.
É possível melhorar o ensino sem ampliar os investimentos?
MARIA ALICE Se tiver de responder sim ou não, digo não. Não vamos atingir a qualidade investindo cerca de 2 mil reais por aluno ao ano. Os investimentos têm de chegar a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) pelo menos.
Quais os impactos o sistema de bonificação pode causar?
MARIA ALICE A penalização das escolas com baixo desempenho nas avaliações, o que, por sua vez, pode criar uma desigualdade maior ainda. Se analisarmos de forma mais profunda o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), veremos que os piores resultados estão localizados nos municípios pobres do Norte e Nordeste e nas regiões periféricas das metrópoles. É aí que existe o maior problema. Em geral, são escolas com muitos problemas, como violência, indisciplina, ausência de professores, rotatividade e pouca qualificação.
É preciso destinar mais recursos para as escolas com piores resultados?
MARIA ALICE Sem dúvida. Precisamos de uma discriminação positiva, um sistema de incentivo específico pensado para cada lugar. Quem está mal não pode ser penalizado por isso.
O Brasil ampliou o acesso, mas não garante a Educação de qualidade a todos. Onde está o erro?
MARIA ALICE Em diversos pontos. O primeiro é não ter valorizado o ensino com seriedade, recursos e investimentos na carreira docente. Era o mínimo a ser feito. Coloca-se a Educação como prioridade no discurso, e não na prática. Prioridade não é fazer discurso. É a presidente da República se reunir com governadores e prefeitos e encontrar pontos de consenso e fazer acordos. Se não, vamos continuar melhorando na inércia.
Ter um bom Índice de Desenvolvimento da Educação Básica é a mesma coisa que ter uma Educação de qualidade para todos?
MARIA ALICE Nem sempre. É possível burlar o índice, melhorando os números com a redução da reprovação dos estudantes, por exemplo. Outro problema é que ele leva em consideração a nota média, ou seja, as escolas podem investir no aprendizado dos melhores e deixar de lado quem tem mais dificuldade. Além disso, o Ideb não dá conta de tudo, nem é esse o intuito, pois ele é só um instrumento. O uso que se faz dele muitas vezes é equivocado e a responsabilidade disso não é do Ministério da Educação (MEC). É de quem pensa que ter um bom Ideb é o mesmo que dizer que todos vão bem. O fundamental nesse momento é levar os resultados para dentro das escolas, fazer com que as pessoas compreendam como ele funciona e se apropriem disso para entender por que a garotada vai mal.
A elaboração de um currículo nacional seria um bom caminho para melhorar a qualidade do ensino?
MARIA ALICE Sim, desde que fosse um modelo enxuto. Os educadores sempre chegam ao fim do ano sem cumprir o planejamento. É quase impossível conhecer um professor que consegue dar conta de tudo nesse período e mesmo assim os especialistas são mestres em aumentar o currículo ainda mais. Para piorar, os políticos querem Educação financeira, para o trânsito e para a paz. Não se ensina nada direito. É um currículo enorme sem consistência e foco.
O sistema da progressão continuada é uma boa estratégia para garantir a aprendizagem dos estudantes?
MARIA ALICE Sim. Talvez a ideia de três ciclos no Ensino Fundamental, como a Secretaria de Educação de São Paulo está propondo, seja o ideal. Mas o maior problema a esse respeito é como ocorreu a implementação do modelo. Não se deu atenção à recuperação e à adaptação dos professores e dos alunos ao esquema de trabalho.
Por que as famílias, assim como o contexto social dos alunos, são consideradas responsáveis pelo fracasso escolar por muitos educadores?
MARIA ALICE Porque elas não se encaixam no padrão idealizado pela escola. É preciso compreender que, para esses pais, a escola em que os filhos estudam é melhor que a frequentada por eles. É difícil avaliarem se a qualidade não é satisfatória. Às vezes, os mais atentos até percebem que a criança não aprendeu. Mas, nas regiões periféricas, isso é raro. Famílias em situação de vulnerabilidade lutam todos os dias pela sobrevivência e, para piorar, a mulher, em vários casos, é a chefe da família e, nessas condições, ela não tem como acompanhar a Educação do filho. Em casos como esses, educadores podem pensar que ela não liga para a criança e acabam afastando-a da escola ainda mais. É fundamental perceber que, apesar de todas essas dificuldades, ela consegue fazer com que o filho vá à aula. E isso já um ganho.
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