Compartilhe:

Jornalismo

Entrevista com Mônica Molina, especialista em Educação do campo

Para especialista, a modalidade tem de contemplar a aprendizagem de saberes universais e sobre o local onde vivem os alunos. Assim, eles têm condições de escolher se permanecem ou não na zona rural

PorPaula Nadal

01/12/2012

Mônica Molina. Foto: Leonardo Prado

O Brasil possui 76,2 mil escolas rurais, de acordo com dados do Censo Escolar 2011. A mesma pesquisa mostra que, desse total, 42 mil são multisseriadas, quase 15% ainda não possuem energia elétrica, 89% não têm biblioteca e 81% não contam com laboratório de informática. Além da infraestrutura precária, um levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 indica que 2,5% das crianças e dos adolescentes com idade entre 7 e 14 anos que vivem no campo estão fora da escola. Isso revela que ainda estamos longe de universalizar o acesso à Educação Básica na zona rural e de garantir a qualidade dele. Outro desafio é a formação dos professores que atuam nas escolas do campo. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), aproximadamente 160 mil (44%) não possuem sequer ensino superior.

Para Mônica Molina, professora e diretora do Centro Transdisciplinar de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília (UnB), além da infraestrutura, do acesso e da formação, há outros pilares que precisam ser priorizados. Ela defende que o ensino rural englobe não somente os saberes universalmente produzidos, mas contemple o conhecimento local, dos meios de produção e das comunidades nas quais as escolas estão inseridas. Em entrevista a NOVA ESCOLA, Mônica defende um currículo que privilegie a permanência dos estudantes no ambiente rural e voltado à agroecologia e à sustentabilidade. Ela, que já coordenou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), também discorre sobre as questões ligadas às políticas públicas da modalidade.

Quais os princípios básicos que norteiam o ensino rural?
MÔNICA MOLINA
A Educação nessa área é muito mais do que uma proposta pedagógica. Ela está associada à visão de campo, de desenvolvimento e da função do meio rural na sociedade brasileira. O objetivo não é, de maneira alguma, fixar as pessoas onde estão. Apesar disso, um dos princípios é garantir a elas o direito de acesso ao conhecimento sobre o local onde vivem, que garante sua sobrevivência social e material, além dos saberes universais, para que decidam se querem ficar ali ou, caso contrário, tenham condições de viver na cidade.

Que políticas são prioritárias para melhorar o acesso à modalidade e a qualidade do ensino oferecido?
MÔNICA
A principal delas deveria estar relacionada à elaboração de uma política nacional de formação de educadores. Atualmente, o Brasil tem mais de 360 mil professores no campo e 44% deles não têm nível universitário, o mínimo exigido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Uma das caracterísitcas da realidade que vivemos é que muitos dos que lecionam para o Ensino Médio cursaram só até essa etapa.

As licenciaturas em Educação do campo são uma medida para acabar com o gargalo na formação?
MÔNICA
Sim. A prioridade é formar quem já atua nas escolas rurais. Hoje no Brasil há mais de 60 universidades que têm um trabalho bastante rico, profundo e comprometido com a temática. Muitos alunos desses cursos na UnB lecionam em escolas do campo no Distrito Federal, no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. Atualmente, também temos estudantes kalungas. Eles são de um dos maiores quilombos do Brasil.

O que é imprescindível levar em consideração para organizar as bases de funcionamento de um bom curso de licenciatura para educadores rurais?
MÔNICA
Podemos considerar que a maior parte das escolas do campo é unidocente, já que das 76,2 mil instituições, 42,7 mil são multisseriadas. É preciso ter a consciência de que precisamos formar um educador capaz de muitas coisas: pensar o projeto político-pedagógico (PPP), fazer a gestão administrativa e criar e manter o vínculo da instituição com as pessoas da comunidade. Nossa perspectiva é formar educadores para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Na UnB, por exemplo, a matriz curricular foca a docência por área de conhecimento, a formação de educadores para a gestão de processos educativos escolares e a formação para a gestão de processos educativos junto às comunidades.

Qual a importância do Decreto nº 7.352/2010, sobre a política de Educação do campo?
MÔNICA
Ele é relevante porque preenche uma lacuna do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), de 2007. Este prevê a melhoria do acesso à Educação no país e da qualidade dela, mas não dá conta das especificidades da Educação rural. O decreto, de 2010, define a concepção do Estado sobre a modalidade (a população do campo tem direito a uma Educação que contemple as especificidades da vida na zona rural) e trata da garantia do direito à Educação Básica e Educação Superior no campo. Ainda prevê ampliar o investimento no sistema público de Educação no campo e a ampliação e a qualificação da oferta. No entanto, o Decreto em si não é a solução. A transformação só vai ocorrer de fato com a implementação real das políticas que ele aborda e com o desenvolvimento de ações de formação.

Quais as principais características da escola do campo brasileira?
MÔNICA
A escola rural vai além da localização geográfica. Ela recebe sujeitos cuja organização social se dá pelo trabalho no campo. Embora por definição ela seja a instituição que está no espaço rural, nas áreas assim definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a identidade dela não tem a ver somente com o lugar. Por isso, a escola precisa ter um currículo adequado aos saberes e às necessidades dos estudantes. É claro que a questão da localização é fundamental, a ponto de estarmos lutando para ampliar o número de unidades nas áreas rurais. Ainda assim, não há como desconsiderar que há escolas em mais de 4,5 mil municípios no perímetro urbano com menos de 20 mil habitantes cujos alunos são camponeses.

Em qual etapa de ensino a modalidade carece de vagas?
MÔNICA
A maior parte das escolas rurais só oferece os anos iniciais do Ensino Fundamental. A etapa seguinte e o Ensino Médio são muito negligenciados. Em 2005, foi realizada a Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária em 5,1 mil assentamentos brasileiros. Encontramos 8.679 escolas. Dessas, 75% ofertavam do 1º ao 5º ano. Somente 25% ofereciam do 6º ao 9º ano, e apenas 4%, o Ensino Médio. É bom ressaltar que essa desproporção não existe só nas áreas de reforma agrária. É uma realidade do meio rural. Os alunos que moram na zona rural e querem completar o Ensino Médio têm de ir para as escolas localizadas na zona urbana, que não estão de acordo com os princípios que já mencionei.

A infraestrutura das escolas rurais também preocupa?
MÔNICA
Infelizmente, sim. A maioria dos prédios é bastante precária. Dar condições de funcionamento às instituições é importante para garantir minimamente os processos de ensino e aprendizagem. Faltam energia elétrica em 15% das escolas, bibliotecas em 89% e laboratórios de Ciências em 99%! Melhorar a estrutura é um dos eixos que compõem o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo), lançado em março deste ano.

O que mais o programa agrega?
MÔNICA
De iniciativa do governo federal, ele tem quatro grandes eixos. Além da infraestrutura, contempla formação de educadores, gestão e práticas pedagógicas e Educação profissional e tecnológica. O segundo eixo acolheu o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo). O Pronacampo foi construído com a participação de movimentos sociais e sindicais e por isso é tão importante. A discussão gerada por esses grupos culminou nas políticas que regulamentam as licenciaturas em Educação do campo, que oferecem aos professores a formação adequada.

Há algum princípio não contemplado pelo Pronacampo?
MÔNICA
Ele incorporou os princípios da Educação do campo em alguns aspectos, mas em outros ainda está distante deles. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), por exemplo, é um dos projetos agregados que necessita ser revisto. Embora exista uma discussão sobre a concepção de campo e a respeito de que tipos de profissionais são necessários para construir um modelo de desenvolvimento para o meio rural, os cursos do Pronatec não estão adequados à proposta da agricultura camponesa. Eles foram pensados segundo a lógica das grandes monoculturas, quando deveriam estar ligados à sustentabilidade e à agroecologia. Precisamos refletir sobre como a Educação pode fortalecer um modelo que permita a permanência das pessoas no campo. Abaixo a ruralidade de espaços vazios! Queremos que o campo tenha gente capaz de diversificar a produção e com automia em relação à própria inserção no mercado.

É possível encontrar casos em que a Educação mudou a vida em comunidades rurais?
MÔNICA
Sim, conheço pessoalmente muitos deles. Tive orientandos de mestrado cuja trajetória de escolarização se deu graças a políticas como o Pronera. Sei também de diversos trabalhadores rurais que fizeram cursos técnicos de enfermagem e hoje trabalham em assentamentos e ainda de outros que cursaram agroecologia e produzem alimentos saudáveis para vender nas cidades. No Assentamento 25 de Maio, em Madalena (a 184 quilômetros de Fortaleza), três egressos do curso de Pedagogia da Terra ajudaram a conquistar escolas de Ensino Médio, que hoje atendem oito municípios da região, com uma proposta adequada à população do campo. Esse é um grande mérito.

Veja mais sobre

Últimas notícias