Muito além da cor da pele
Dividir nossa espécie em raças é um equívoco. A ciência mostra que a origem de cada um nunca está na cara, e sim nos genes
PorMaggi Krauseleonardo de sáRafael Castro
23/11/2017
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Jornalismo
PorMaggi Krauseleonardo de sáRafael Castro
23/11/2017
No formulário de matrícula, em pesquisas como o Censo e até em livros didáticos aparece a categorização de raça: branca, preta, parda, amarela e indígena. Por trás dela, não existe nada de científico. Apenas uma pequena parcela dos nossos genes contêm informações sobre características perceptíveis a olho nu. Prova disso é que a espécie humana tem 60% em comum, geneticamente falando, com uma mosca. Dá para imaginar, então, que a cor da pele ou a textura do cabelo são modificações muito pequenas no DNA.
O estudo do material genético hoje nos permite compreender melhor as origens e a evolução da espécie humana. É o que acontece, por exemplo, ao observar a ancestralidade das pessoas que ilustram esta reportagem. Até o século 16, o isolamento das populações atrasava a miscigenação. Por isso, em cada continente, as pessoas tiveram uma incidência recorrente de determinados grupos de genes. É com base na presença ou na ausência desses genes que se estima as origens de um indivíduo. "A maioria dos brasileiros possui uma ancestralidade tripla, vinda de diferentes continentes", conta Fabrício Santos, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mis- tura de ameríndios, africanos e europeus, o brasileiro é o povo mais diverso do mundo, segundo o geneticista mineiro Sérgio Pena, que durante 25 anos pesquisou nossas origens. Ele costuma dizer que, por baixo da pele, somos todos igualmente diferentes. Hoje é comprovado que as mais de 7 bilhões de pessoas que vivem no mundo são únicas em seus genomas.
A constatação de que um indivíduo branco pode ter em seu material genético informações de sua origem africana reforça o descabimento da divisão em raças que levou a processos de dominação e justificou guerras. O conceito tem implicações sociais e está na origem do racismo. Segundo a Declaração das Raças da Unesco, publicada em 1950: "Raça é menos um fenômeno biológico do que um mito social, que tem feito um mal enorme no plano moral e causou sofrimentos incalculáveis". Vale explicar aos alunos, nos anos finais do Fundamental, como a Biologia contribuiu para o mito e como está acabando com ele.
Até a década de 1960, a observação de características físicas e morfológicas (os fenótipos) era a única maneira de se estudar as variações entre os indivíduos. "As diferenças entre os grupos presentes em cada continente existem e são perceptíveis", pondera Tábita Hunemeier, pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Só que quanto mais se estudava, mais se percebia a infinidade de variações possíveis. "Há tantas diferenças graduais entre os indivíduos dentro de um mesmo grupo que essa variação entre os grupos não pode ser classificada como raça." Segundo a pesquisadora, a cor de pele é um bom exemplo de graduação: a quantidade de melanina presente na pele varia tanto que e é impossível dizer a partir de qual tonalidade alguém seria branco ou negro.
Na análise do DNA, as porcentagens dos genes apontam para as regiões de origem de nossos ancestrais
O artista britânico Marcus Lyon queria investigar a identidade brasileira. Para ele, nossa ligação com os ancestrais é frágil. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitos se dizem afro ou ítalo-americanos. Ele percorreu o Brasil, clicou 104 pessoas, gravou o sotaque e analisou o DNA para traçar a origem delas. O projeto (www.marcuslyon.com/artworks/somosbrasil) inclui um app: ao passar o celular sobre o retrato (como as imagens nesta página), você escuta o depoimento. Para os alunos, é um modo bacana de mostrar a diversidade de tipos e culturas do país.
Com o aprofundamento das pesquisas sobre genética, na segunda metade do século 20, descobriu-se que somos únicos porque, na constituição de nosso fenótipo, além do meio em que vivemos, há um fator determinante: o genótipo. Ele é formado pelo conjunto de genes que carregamos, ou seja, pela totalidade do nosso DNA. Cada um de nós tem 50% do DNA do pai e outros 50% da mãe. Eles herdaram essa mesma proporção de seus pais, e assim por diante. "Quanto maior a miscigenação, mais diversos nossos materiais genéticos", explica Rodrigo Mendes, professor de Biologia e coordenador de Ciências da Natureza do Colégio Móbile. Por essa razão, a diversidade é ainda maior do que se imaginava, tornando impossível a classificação em grupos e foi isso que derrubou de vez o antigo conceito de raças.
Mas, se toda vez o formulário repete aquela mesma pergunta, como desenrolar isso na aula? Rodrigo evita respostas prontas e deixa os alunos levantarem as contradições em torno do tema. "Mostro que o problema é não se ter critério objetivo para definir a raça de alguém. O preconceito não está associado a um tipo de DNA e sim ao modo como a sociedade enxerga cada pessoa."
Imagens: MARCUS LYON
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