Da submissão à performance
O corpo negro era representado, mas não era protagonista. Apresente à turma a geração de artistas que está mudando isso
PorMaggi KrauseLucas Magalhãesleonardo de sá
23/11/2017
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Jornalismo
PorMaggi KrauseLucas Magalhãesleonardo de sá
23/11/2017
Um vídeo mostra uma mulher negra, vestida de branco, cercada por utensílios de metal. Ela esfrega uma caneca de alumínio com o próprio cabelo. Bombril é o nome da obra, realizada pela artista visual Priscila Rezende. E o que esse vídeo tem a ver com o quadro Limpando Metais, do pintor Armando Martins Vianna (1897-1992)?
Refletir sobre essa questão é uma boa maneira de provocar a turma a compreender qual papel os corpos negros exerceram em diferentes momentos da história e da arte no Brasil.
O óleo de Armando Martins Vianna se enquadra em um primeiro momento. No período colonial, quadros - quase todos de pintores estrangeiros como Albert van der Eckhout (1610-1665) e Jean-Baptiste Debret (1768-1848) - retratavam o cotidiano escravocrata, com personagens negros em papéis secundários. Somente com o Modernismo eles tomariam o primeiro plano, sendo retratados em quadros sobre trabalho, miscigenação e racismo. São dessa época obras famosas como O Trabalhador de Café, de Cândido Portinari (1903-1962), e A Negra, de Tarsila do Amaral (1886-1973). Porém, sua participação ainda se limitava ao trabalho como modelos.
Nas décadas que se seguiram ao Modernismo, as artes visuais passaram por uma revisão de linguagem e questionamento de suportes (a tela, a escultura, a arquitetura). Surge, então, a performance. Nela, o artista se vale de dança, teatro, e música para falar de questões políticas e sociais. "O corpo é a matéria artística e o meio de expressão", explica Roberto Conduru, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É nesse contexto que se encaixa a performance de Priscila. Ao mesmo tempo, se observa mais participação dos negros na arte. O corpo deixou de ser apenas retratado para ser protagonista.
Quando comparamos as duas obras presentes nas páginas anteriores, fica evidente a diferença entre o papel do corpo negro nos dois momentos: de mero retratado a criador e protagonista da obra. "Ao abordar na escola as temáticas raciais, precisa ficar claro que o contato entre africanos, indígenas e europeus não foi equilibrado, harmônico ou pacífico", explica Carla Ribeiro, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Isso significa que os alunos precisam compreender que a ausência de artistas negros durante o período colonial é também reflexo da relação que o país desenvolveu com seus escravizados. Essa mesma relação gerou as desigualdades que são criticadas nas obras contemporâneas.
Para quem leciona Arte, o tema é um belo desafio, mas pode ser trabalhado a partir dos anos finais do Ensino Fundamental. Para começar, apresente obras em que o corpo negro apareça de diferentes formas (como os exemplos citados no texto e as produções das artistas sugeridos nas fotos acima). Pinturas, esculturas, fotos e vídeos devem ser observados e descritos no caderno pelos alunos, para que depois possam fazer comparações e discutir entre eles sobre os momentos artísticos em que cada peça de arte foi composta, sobre os clichês de cada época identificáveis na obra, sobre a autoria e sobre a presença ou não de uma crítica no trabalho das artistas.
Depois, mostre e discuta as diferentes formas de expressão artísticas com os estudantes. A performance, por ser menos conhecida do que as outras, merece atenção especial. Marisa Szspigel, professora da Escola da Vila, em São Paulo, explica: "É preciso introduzir a ideia do corpo como suporte e da efemeridade das obras". O tema pode parecer sensível aos educadores, mas costuma ter boa aceitação pelos jovens. "A linguagem corporal, por ser muito presente no cotidiano dos estudantes, é entendida de modo mais natural por eles do que pelos adultos", diz ela.
Ao serem desafiados a realizar uma apreciação crítica de obras tão diversas, os alunos aumentam sua compreensão sobre as linguagens artísticas e estabelecem relações entre a Arte e outras disciplinas, como História e Geografia.
Imagens: ARMANDO M. VIANNA, ACERVO MUSEU MARIANO PROCÓPIO / DIVULGAÇÃO, GUTO MUNIZ, ROSANA PAULINO/DIVULGAÇÃO e CRIOULLA
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