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Jornalismo

 

Na performance Bombril, Priscila Rezende revisita o quadro Limpando Metais, de Armando Viana acima

 

ROSANA PAULINO
Bastidores, 1997 A artista e pesquisadora é um dos nomes de maior destaque da arte contemporânea. Nessa série, intervém com bordados em retratos de mulheres negras para explicitar a violência que sofreram.

Um vídeo mostra uma mulher negra, vestida de branco, cercada por utensílios de metal. Ela esfrega uma caneca de alumínio com o próprio cabelo. Bombril é o nome da obra, realizada pela artista visual Priscila Rezende. E o que esse vídeo tem a ver com o quadro Limpando Metais, do pintor Armando Martins Vianna (1897-1992)?

Refletir sobre essa questão é uma boa maneira de provocar a turma a compreender qual papel os corpos negros exerceram em diferentes momentos da história e da arte no Brasil. 

O óleo de Armando Martins Vianna se enquadra em um primeiro momento. No período colonial, quadros - quase todos de pintores estrangeiros como Albert van der Eckhout (1610-1665) e Jean-Baptiste Debret (1768-1848) - retratavam o cotidiano escravocrata, com personagens negros em papéis secundários. Somente com o Modernismo eles tomariam o primeiro plano, sendo retratados em quadros sobre trabalho, miscigenação e racismo. São dessa época obras famosas como O Trabalhador de Café, de Cândido Portinari (1903-1962), e A Negra, de Tarsila do Amaral (1886-1973). Porém, sua participação ainda se limitava ao trabalho como modelos.

Nas décadas que se seguiram ao Modernismo, as artes visuais passaram por uma revisão de linguagem e questionamento de suportes (a tela, a escultura, a arquitetura). Surge, então, a performance. Nela, o artista se vale de dança, teatro, e música para falar de questões políticas e sociais. "O corpo é a matéria artística e o meio de expressão", explica Roberto Conduru, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É nesse contexto que se encaixa a performance de Priscila. Ao mesmo tempo, se observa mais participação dos negros na arte. O corpo deixou de ser apenas retratado para ser protagonista.

Quando comparamos as duas obras presentes nas páginas anteriores, fica evidente a diferença entre o papel do corpo negro nos dois momentos: de mero retratado a criador e protagonista da obra. "Ao abordar na escola as temáticas raciais, precisa ficar claro que o contato entre africanos, indígenas e europeus não foi equilibrado, harmônico ou pacífico", explica Carla Ribeiro, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Isso significa que os alunos precisam compreender que a ausência de artistas negros durante o período colonial é também reflexo da relação que o país desenvolveu com seus escravizados. Essa mesma relação gerou as desigualdades que são criticadas nas obras contemporâneas.

RENATA FELINTO White Face and Blond Hair, 2012 Artista visual, ela faz ironias sobre a negritude e identidade. Nessa performance, sai às ruas com maquiagem branca e peruca loira para denunciar a imposição dos padrões de beleza.

Comparar e estimular o olhar crítico

Para quem leciona Arte, o tema é um belo desafio, mas pode ser trabalhado a partir dos anos finais do Ensino Fundamental. Para começar, apresente obras em que o corpo negro apareça de diferentes formas (como os exemplos citados no texto e as produções das artistas sugeridos nas fotos acima). Pinturas, esculturas, fotos e vídeos devem ser observados e descritos no caderno pelos alunos, para que depois possam fazer comparações e discutir entre eles sobre os momentos artísticos em que cada peça de arte foi composta, sobre os clichês de cada época identificáveis na obra, sobre a autoria e sobre a presença ou não de uma crítica no trabalho das artistas.

Depois, mostre e discuta as diferentes formas de expressão artísticas com os estudantes. A performance, por ser menos conhecida do que as outras, merece atenção especial. Marisa Szspigel, professora da Escola da Vila, em São Paulo, explica: "É preciso introduzir a ideia do corpo como suporte e da efemeridade das obras". O tema pode parecer sensível aos educadores, mas costuma ter boa aceitação pelos jovens. "A linguagem corporal, por ser muito presente no cotidiano dos estudantes, é entendida de modo mais natural por eles do que pelos adultos", diz ela.

Ao serem desafiados a realizar uma apreciação crítica de obras tão diversas, os alunos aumentam sua compreensão sobre as linguagens artísticas e estabelecem relações entre a Arte e outras disciplinas, como História e Geografia.

Imagens: ARMANDO M. VIANNA, ACERVO MUSEU MARIANO PROCÓPIO / DIVULGAÇÃO, GUTO MUNIZ, ROSANA PAULINO/DIVULGAÇÃO e CRIOULLA

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