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Jornalismo

Atenção total à paisagem

O desenho de observação ajuda a superar formas estereotipadas

PorRaphaela de Campos Mello

26/06/2015

Aprimorar o olhar para enxergar construções e elementos naturais do entorno, com riqueza de detalhes, e desenvolver maneiras de reproduzir o que vê, ampliando o acervo gráfico. Esses eram os objetivos da professora Catarina Landim para o 5º ano da Escola Coopep, em Piracicaba, a 164 quilômetros de São Paulo. Ao elaborar e colocar em prática uma sequência didática sobre o desenho de observação do ambiente (leia plano de aula aqui), ela aumentou o repertório dos alunos para que exercessem a criatividade nas aulas de Arte e também fora delas. 

A docente já havia trabalhado anteriormente com os estudantes a observação e o desenho de árvores. Na ocasião, eles puderam desenvolver a percepção de texturas, formas, relevos e cores do ambiente e refletir sobre como representar tudo isso no papel. Foram apresentadas imagens de obras de artistas que retrataram a natureza de diversas maneiras, como Vicent van Gogh (1853-1890), Paul Cézanne (1839-1906), Claude Monet (1840-1926), John Constable (1776-1837) e Paul Signac (1863-1935), e realizadas saídas ao pátio da escola para que pudessem fazer produções com temas variados, como tipos de árvores, folhas, galhos, troncos e flores. 

Ao dar continuidade ao processo de aprendizagem, ela propôs um desafio maior: reproduzir o Rio Piracicaba, um marco da cidade. "No ano passado, o objetivo era chamar a atenção dos estudantes para os detalhes das plantas. Agora, o foco voltou-se para a paisagem como um todo, formando uma composição. A proposta era que eles representassem o cenário do entorno do rio e tentassem mostrar o movimento das águas, algo mais complexo do que desenhar objetos específicos e estáticos", relata Catarina.

Às margens do Rio Piracicaba, os alunos desenharam com lápis o que observaram  Crédito: Arquivo pessoal/Catarina Landim
Além das águas, construções e plantas do entorno também foram retratadas  Crédito: Arquivo pessoal/Catarina Landim

Como ponto de partida, a educadora pediu um desenho de memória do rio ou de outros elementos da natureza. "Nessa etapa, os resultados costumam ser parecidos entre si", conta a docente, que também tinha como metas que a meninada refinasse o traço e superasse representações estereotipadas. Segundo Elana Gomes Pereira, artista plástica e tutora da Fundação Itaú Social, a maneira simplista de retratar as coisas está diretamente ligada ao rol imagético de cada um. "Se a criança tem contato com ilustrações de baixa qualidade, vai desenhar assim." 

Catarina conta que é comum alguns estudantes dizerem que não sabem desenhar. Para vencer essa resistência, Elana propõe fazer intervenções para estimulá-los a persistir. "Sugerir que enfoquem algo específico da paisagem que querem retratar, oferecer um papel maior ou menor e disponibilizar materiais além do lápis, como giz de cera, são ações que podem deixá-los mais à vontade", lista a formadora.

 

Desenho ao ar livre 

O passo seguinte ocorreu fora da sala de aula, às margens do Rio Piracicaba. Em uma primeira fase, mais exploratória, a garotada tinha como missão prestar atenção em volumes e formas, nas paisagens construídas pelo homem e no fluxo das águas, refletindo sobre como mostrar tudo isso. "O princípio do desenho de observação é enfatizar as relações entre o real e o representado. Isso é extremamente importante como atividade de formação artística", afirma Suellen Barbosa, arte- educadora no Museu Afro-Brasil. 

Catarina orientou o olhar da garotada fazendo perguntas como: "O que distingue as folhas destas duas árvores?" e "Que diferença você nota entre o prédio espelhado e o de concreto?". Essas intervenções ampliam a experiência visual dos alunos. Nesse momento, era permitido aproximar-se ou afastar-se do objeto a ser retratado, mudar o ângulo de visão e fazer esboços imaginários, com os dedos no ar. "Ao trabalhar o desenho de observação, inevitavelmente se exercita a percepção de mundo", reforça Elana. 

Chega a hora da produção. Com prancheta e lápis em mãos, os estudantes escolheram um lugar confortável para desenhar o que viam. A professora orientou cada um a permanecer no mesmo local até o término da atividade, sem mexer muito a cabeça, para que o ângulo de visão não se alterasse. Segundo ela, é crucial não censurar o que surge e respeitar o ritmo de cada um. "No início, eles ainda estavam presos ao real e tentavam desenhar tudo nos mínimos detalhes. Depois, começaram a buscar novas formas de representar o que viam", relata Catarina. 

Suellen enfatiza a importância de distanciar os alunos dos preconceitos sobre o que é uma obra bela ou feia. A ideia é provocá-los para dar um passo além, sem impor limites estéticos. Assim, poderão criar outras coisas com base em um primeiro esboço feito por eles. Após a sessão de desenho, ela pediu que socializassem as produções para que todos comentassem. "A turma pôde compartilhar as dificuldades e descobrir muitas formas de registrar uma mesma cena ou objeto", afirma a educadora. 

Para aprofundar o que já havia sido conquistado pelas crianças e ampliar as possibilidades de representação do real, com técnicas e estilos variados, a professora apresentou obras de Joaquim Miguel Dutra (1864-1930) e do filho dele João Dutra (1893-1983), que pintaram o Rio Piracicaba de diversas formas. Catarina conta que, assim, elas puderam se identificar com os artistas e formar um repertório para suas criações. "É preciso que a seleção de referências não seja aleatória, mas tenha vínculo com o conteúdo e pertinência didática", alerta Elana. 

De volta à sala de aula, os estudantes escolheram a composição que consideraram mais interessante e, na sequência, usaram materiais diversos para finalizá-la, entre eles tintas, pigmentos naturais feitos com cúrcuma e urucum, areia, carvão vegetal e folhas secas. "É preciso garantir os recursos para que os alunos possam realizar aquilo que idealizaram artisticamente", diz Catarina. As imagens dos artistas, apreciadas por todos em etapa anterior, serviram como referência para que eles aperfeiçoassem as próprias obras. 

No decorrer da jornada pictórica, a docente observou quanto as crianças evoluíram no traçado e na gama de representações gráficas. "Aos poucos, elas trouxeram o que foi vivido para seus desenhos cotidianos. Assim, criaram repertório e passaram a ampliar suas possibilidades artísticas", comenta Catarina, para quem essa descoberta significa muito mais do que um aprimoramento técnico. "Conseguir desenhar o que antes parecia impossível é motivo de encantamento e estímulo a continuar aprendendo", destaca.

Na produção, se destaca a solução dada para representar o movimento das águas Crédito: Arquivo pessoal/Catarina Landim
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