A História como disciplina está presente nos currículos desde o século 19. No caso da Educação brasileira, a introdução dos conhecimentos históricos no ambiente escolar guarda relação com o Colégio Pedro II, instituição pública fundada em 1837 na corte do Rio de Janeiro, cuja criação está relacionada ao projeto de formação de uma elite nacional e ao propósito de implementação de uma civilização nos trópicos com perfil branco, europeu e cristão. Importante assinalar que, à época, o programa pedagógico do Pedro II serviu de modelo para outras instituições de mesmo nível, que eram incentivadas a copiá-lo.
Tratava-se de um projeto político e cultural do Estado monárquico vigente, para o qual a formação escolar dos jovens da elite brasileira ganhava relevo. O modelo civilizacional europeu, principalmente o de matriz francesa, inspirava a orientação pedagógica desse projeto. A criação de uma instituição de ensino secundária que ofertasse uma formação humanista, como era o propósito do Colégio Pedro II, foi entendida como um modo de viabilizar o Estado nacional.
Qual a relação da disciplina com esse projeto? Beatriz Boclin Marques dos Santos, em estudo sobre o currículo de História no Colégio Pedro II, escreveu que a disciplina "teria um importante papel na consolidação do Estado nacional: o de contribuir para forjar a nacionalidade brasileira. Nesse sentido, construir uma História nacional era fundamental ao processo de formação de uma identidade brasileira" (2001: p. 51).
Outras pesquisadoras, como Circe Bittencourt e Arlette Medeiros Gasparello, se debruçaram sobre o período de criação da disciplina de História no Brasil. Elas trataram da construção de uma narrativa histórica escolar para a qual a produção de uma identidade nacional, ou de uma "Pedagogia da nação", foi fator fundamental e materializado nos manuais escolares escritos, muitos deles, pelos professores do Colégio Pedro II.
O século 19 também foi o período no qual a História se afirmou como ciência e como conhecimento legítimo, originando uma escola que ficou conhecida como positivista ou historicista, no interior da qual o documento escrito, uma vez submetido ao crivo da crítica historiográfica, era entendido como a fonte principal dos estudiosos. De forma sintética, podemos dizer que uma concepção de tempo linear, progressivo, e uma História política, militar e factual, resumem o que viria a ser chamado de uma História tradicional.
Impacto nas aulas atuais
O objetivo deste artigo não é recuperar a trajetória da disciplina de História nem fazer uma análise da historiografia positivista. Pretendemos indicar traços de permanência de certa tradição à qual devemos atentar ao trabalhar o conhecimento da área em sala. Isso porque a força dessa "tradição inventada" (Hobsbawm & Ranger), como podemos denominar o modelo de narrativa histórica surgido no momento da criação da escola moderna no Brasil, persiste e resiste, apesar das várias propostas de reformas curriculares que caracterizam a escola brasileira moderna.
A tradição originada no Colégio Pedro II e a escola histórica positivista, questões sumariadas anteriormente, são fundamentais para entender o porquê do ensino de História no Brasil ser metodologicamente atrelado a uma História factual, linear e progressista e, por outro lado, comprometido com uma perspectiva elitista e conservadora de compreensão do que vem a ser nossa identidade nacional, no interior da qual a história dos grandes personagens, dos heróis brancos construtores da nação, foi elevada ao status de conhecimento verdadeiro e único sobre nosso passado. Sobre uma matriz cultural diversa, caracterizada pela presença e pelo encontro de povos ameríndios, europeus e africanos, buscou-se construir uma narrativa de passado único, homogênea, na qual nossa diversidade era vista como um problema que precisava ser superado.
Nessa concepção, o conhecimento histórico é entendido como "o passado" e chamado a justificar os desejos do presente, na perspectiva de construção de uma futura sociedade. Ou seja, ele ganha importância no debate político, social e cultural no tempo de sua produção, e é usado como arma a qual se recorre para legitimar projetos de país, nação e organização social. Isso permite constatar que nenhuma História é neutra.
Esse breve resumo sobre a disciplina de História não deve ser entendido como meramente ilustrativo, e sim como indicativo da construção de uma cultura disciplinar, parte de uma cultura escolar, no interior da qual os professores atuam e são produzidos como profissionais, seja aderindo ou resistindo às práticas socialmente disseminadas, seja atualizando práticas.
Entre as várias atualizações dessa "tradição inventada" nos dias atuais, escolhemos duas para aprofundar a discussão e questionar.
Cientes das dificuldades de mudar práticas escolares culturalmente enraizadas, trabalhamos com a tese de que toda tradição, justamente por ser inventada, pode ser reinventada. Nesse sentido, resolvemos questionar primeiro a construção da História como conhecimento do passado servindo ao presente e, no caso da História do Brasil, contestar, em segundo lugar, um passado único, homogêneo, de matriz branca, cristã e europeia. Dessa forma, defendemos que os professores da disciplina ou os educadores polivalentes - que trabalham com esse conhecimento nos anos iniciais do Ensino Fundamental - tenham como preocupação em suas aulas colocar em dúvida a construção de uma narrativa histórica atrelada a um projeto de nação não condizente com a maioria da população brasileira, seja no passado ou nos tempos atuais.
Para isso se tornar realmente uma prática formativa para os estudantes, é fundamental que a História seja vista como um conhecimento construído na relação com o tempo do sujeito produtor desse conhecimento. É necessário e indispensável questionar a falsa ideia de que a História enquanto conhecimento trata do passado, quando, em verdade, trata-se de um questionamento dos homens sobre o seu presente.
A afirmação de que a História nutre-se do tempo presente nos obriga a perguntar sobre qual História interessa à sociedade brasileira ensinar dentro das escolas do país. A busca de uma resposta para essa questão exige que se façam críticas ao eurocentrismo e à perspectiva nacionalista, cívica e moralista, que estruturou a narrativa histórica escolar vigente.
Conhecimento dinâmico
Marc Bloch (1886-1944), grande historiador francês que morreu fuzilado pela Gestapo (a polícia secreta do estado alemão durante o regime nazista), por causa de sua participação na resistência francesa, narra um interessante episódio no livro Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Ele descreve que, ao chegar a Estocolmo, na Suécia, com outro grande historiador de início do século 20, o belga Henri Pirenne (1862-1935), ouviu dele: "O que vamos fazer primeiro? Parece que há uma prefeitura nova em folha", para emendar na sequência: "Se eu fosse antiquário, só teria olhos para as coisas velhas. Mas sou historiador. É por isso que amo a vida" (Bloch, 2001, p. 65).
Bloch, ao comentar o episódio em questão, escreveu: "Essa faculdade de apreensão do que é vivo, eis justamente, com efeito, a qualidade mestra do historiador" (2001: p. 65-66). Na sua leitura, renunciar a olhar os homens, as coisas ou os acontecimentos ao seu redor, ou não ter gosto por isso, pode ser atitude de um útil antiquário.
Esse episódio nos auxilia na reflexão sobre a disciplina de História na relação com a sua ciência de referência, a História, assim como nos ajuda a problematizar práticas escolares contemporâneas. Dialogando com eventuais apropriações e leituras do narrado acima, podemos refletir sobre algumas questões. Uma delas, que considero importante, é perguntar se ao trabalharmos o conhecimento histórico de forma descontextualizada e numa perspectiva positivista de construção do conhecimento, não estamos apresentando aos nossos estudantes uma leitura do passado com gosto de antiquário, de coisas velhas, dando sentido ao senso comum dos alunos quando reclamam: "Por que aprender sobre o que já passou?".
A história de uma sociedade diversa
Na perspectiva segundo a qual o conhecimento histórico produzido é uma escolha do pesquisador na relação com o tempo dessa escolha, podemos introduzir a pergunta: "Qual conhecimento histórico interessa às gerações do presente?".
No diálogo crítico com a concepção de identidade nacional produzida pelas elites brasileiras do século 19, nos dias atuais se impõe a necessidade de negação e superação do eurocentrismo, assim como o questionamento da matriz branca e cristã que ainda está presente nas práticas escolares e na própria literatura histórica didatizada, ou seja, nos livros escolares.
Como escreveu Rebeca Gontijo, da negativação de nossa diversidade cultural, vista como problema pelas elites brancas no Brasil imperial, passamos nesse contexto de início do século 21 para um quadro no qual a nossa origem social multiétnica é vista como nossa qualidade, como um patrimônio sociocultural. As leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que tratam da inclusão da História e da cultura africana, afro -brasileira e indígena no currículo das instituições de ensino, são exemplos das novas exigências da sociedade brasileira.
Na atualidade, o ensino de História é chamado a responder às exigências de uma sociedade que vem se descobrindo diversa e plural, e que pretende dialogar com seu passado, em busca da contribuição de todas as culturas na construção do que somos hoje, enfim, a compreender a construção histórica de nossa identidade, contribuindo para a valorização da diversidade e sendo instrumento de combate ao racismo e a todo preconceito.
Para encerrar essas breves reflexões, cito novamente Marc Bloch, por acreditar que devemos tornar o conhecimento histórico algo significativo para os nossos alunos, seja quando escolhemos os caminhos metodológicos pelos quais trilhar, seja pela eleição do tema que iremos tratar. Escreveu Bloch: "Todo livro de história digno desse nome deveria comportar um capítulo ou (caso se prefira), inserida nos pontos de reflexão da exposição, uma série de parágrafos que se intitulariam Como posso saber o que vou lhes dizer? Estou convencido de que, ao tomar conhecimento dessas confissões, inclusive os leitores que não são do ofício experimentariam um verdadeiro prazer intelectual. O espetáculo da busca, com seus sucessos e reveses, raramente entedia. É o tudo pronto que espalha o gelo e o tédio" (2001: p. 83).
Ensinar História nas escolas não é ensinar historiografia. Mas, independentemente disso, não podemos lecionar sem iniciar os estudantes na arte do fazer histórico e na arte da desconfiança de todo e qualquer conhecimento que lhes seja apresentado pronto e acabado. Ele inevitavelmente gera desinteresse e tédio em relação à experiência do homem no tempo.
Resumo
No Brasil, a História como disciplina escolar nasceu atrelada ao projeto político das elites do Império e a serviço da criação da identidade nacional, que se pretendia branca, cristã e europeia. Influenciada depois pelo positivismo, desenvolveu-se como conhecimento entendido como verdadeiro, com uma concepção de tempo progressivo e linear. Inventava-se, assim, uma tradição disciplinar, com a qual este texto dialoga para pensar as práticas escolares contemporâneas.
Referências bibliográficas
BLOCH, M. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BITTENCOURT, C. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
GASPARELLO, A.M. Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da escola secundária brasileira. São Paulo: Iglu, 2004.
GONTIJO, R. Identidade nacional e ensino de História: a diversidade como "patrimônio sociocultural", in: ABREU, M.; SOIHET, R. Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
Foto: Victor Malta