O sonho da creche sem berços
Com espaços repensados e objetos desafiadores, Denise estimula nos pequenos a autonomia e a descoberta
POR: Patrick Cassimiro, Beatriz Vichessi e Maggi KrauseI magine um ambiente preparado exclusivamente para as crianças pequenas. Ao alcance da mão, dá para escolher e brincar com os objetos e usar a imaginação para fingir que são outras coisas. Passarelas e caminhos com corrimão na altura delas dão confiança para se movimentar pela sala e espelhos fazem com que explorem sua imagem. Sem berços, a creche deixa os pequenos à vontade para se deitar e levantar dos colchõezinhos espalhados pelo chão, sem ficar à mercê da "hora do soninho", imposta em muitas escolas.

Esse cenário incrível foi organizado por Denise Rodrigues de Oliveira, professora da EMEI Floresta Encantada, em Novo Hamburgo (RS). Ela reparava que na turma, de até 1 ano, as crianças queriam muito o colo, brincavam só com o que estivesse por perto e não tinham a curiosidade de explorar o ambiente. "Elas não interagiam entre si nem com os brinquedos. Não eram ativas e eu esperava isso delas", diz a educadora. Os berços incomodavam a educadora porque além de cercear a liberdade, apresentavam um risco: havia crianças que acordavam e tentavam descer sozinhas. Para mudar isso, Denise e uma colega de escola estudaram as teorias de Emmi Pikler (1902-1984), pediatra austríaca que se tornou a principal referência no trabalho com bebês. As ideias de Pikler se baseiam nos princípios de autonomia, movimento livre e foco na rotina e nos cuidados. Textos, fotos e vídeos estudados, a sala da creche foi alterada por completo, inclusive com brinquedos que a própria Denise construiu, como uma prancha com rodinhas que é empurrada pelo chão por quem engatinha.

O comportamento dos pequenos foi mudando. Aos poucos, passaram a interagir entre eles e explorar a sala. "O espaço proposto por Denise tem identidade, o que rompe com modelos comuns e estereótipos das creches", elogia Paula Zurawski, selecionadora do Prêmio Educador Nota 10. Pode parecer perigoso, mas a professora se cercou de alguns cuidados fundamentais para garantir a segurança dos pequenos: o chão, firme e forrado, não tem degraus; nada tem arestas ou pontas; objetos e brinquedos são formados por peças grandes, sem risco de ser engolidas. Além disso, tudo o que acontece na sala pode ser observado. Antes, os berços e suas grades impediam a visualização completa do ambiente.
Infelizmente, após a troca da gestão municipal em 2017, os berços voltaram de forma obrigatória. Denise trocou de escola, mas soube o que aconteceu. A Secretaria de Saúde de Novo Hamburgo resgatou uma lei de 1972, que obriga que as crianças de até 1 ano fiquem nos berços. Por enquanto, a antiga turma de Denise pode circular livremente pela sala, mas assim que um bebê mais novo for matriculado, ele vai ter de dormir em um deles. E só sair de lá quando algum adulto resolver pegá-lo no colo.
Fotos: MARCELO CURIA