Isto também é desenho
Conheça técnicas para ampliar o repertório da turma para além das representações figurativas e cheias de estereótipos
PorBeatriz VichessiFernanda Salla
09/08/2017
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Jornalismo
PorBeatriz VichessiFernanda Salla
09/08/2017
Com o tempo, a desenvoltura com que crianças da Educação Infantil e do início do Fundamental desenham parece desaparecer. Não são poucos os casos de alunos dos anos finais que, em tarefas de desenho, retrucam com: "Não sei desenhar". Isso acontece porque, quanto mais avançam na escolaridade, mais resistentes ficam e tendem a depreciar suas produções. "Quando crescem, eles querem fazer algo mais real ou próximo do que conhecem como desenho convencional", diz Valéria Pimentel, coordenadora da área de Arte da Escola Verde Que Te Quero Verde, em São Vicente, no litoral de São Paulo.
Esse pensamento não nasce sozinho, mas surge da própria história da arte no Brasil. "Por aqui, tivemos influência da arte europeia, do classicismo francês, que valorizava o realismo", explica Evandro Nicolau, professor de desenho e educador do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). Daí surgiu o mito de que todo mundo precisa desenhar como o artista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), popular por suas ilustrações detalhadas e realistas
Na verdade, artistas que fogem do real são muito comuns. Um exemplo é o francês Paul Cézanne (1839 1906), um dos maiores pintores do fim do século 19. No livro Tarsila Cronista, organizado por Aracy Amaral, a artista brasileira - conhecida também pelos seus desenhos pouco realistas - conta que Cézanne nunca foi aceito no salão oficial de Paris porque "o júri recusava expor obras de pintores que não soubessem desenhar".
Nas aulas de Arte, é importante não supervalorizar a representação do real e focar na ampliação do conceito de desenho, mostrando que ele vai muito além do que é feito com lápis e papel. "Há inúmeras formas de desenhar, muitas técnicas podem ser empregadas. A artista Edith Derdyk, por exemplo, desenha com linhas no espaço", diz Rosa Iavelberg, professora da Faculdade de Educação da USP. Observe, à direita, a produção de uma turma da escola Verde Que Te Quero Verde. É um desenho feito em uma instalação. Para alcançar essa produção, a professora Gecimare Carvalhal apresentou para a turma várias instalações de artistas contemporâneos, assinadas pelas brasileiras Beatriz Milhazes, Edith Derdyk e Regina Silveira, e o indiano-britânico Anish Kapoor. Mostrar vídeos e imagens do processo criativo desses e outros artistas ajuda a turma a entender como o percurso acontece. "Há fotos que mostram o estudo de artistas de diversos movimentos, como relacionadas a Guernica, do cubista espanhol Pablo Picasso (1881-1973), e até obras que retratam aspectos do processo de criação, como Triple Self Portrait Postcard, do americano Norman Rockwell (1894-1978). Nela, aparece o artista fazendo um autorretrato com esboços do lado, imagens de outros artistas para referência e o espelho em que se vê", afirma Mirian Martins, professora da pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura e de Pedagogia da Universidade Mackenzie, em São Paulo.
Para que os alunos consigam recuperar a desinibição para desenhar, também é importante que seus trabalhos não sejam apenas avaliados como bonitos ou feios. Considerando que a arte é expressão, a ligação da produção com o autor e com o público é mais importante.
"Tem gente que nasce, sim, com mais habilidade para desenhar, mas isso é algo que pode ser conquistado por qualquer pessoa se a ela for dado espaço, material e chance de experimentar", defende Mirian. Por isso, é interessante também considerar o trabalho com as técnicas de desenho em sala. Vale investir em atividades que desafiem a classe a desenhar de forma mais objetiva. Entram em cena noções de perspectiva, proporção e luz e sombra, entre outros conceitos, tudo sempre respaldado na História da Arte, com exemplos de diferentes artistas e estilos. "Assim, a turma pode usar informações técnicas e referências diversificadas de representações e dos processos criativos estudados para fazer suas obras", diz Valéria. A ideia, novamente, não é deixar de lado a maneira própria de desenhar, mas também aprender a incorporar esses elementos a suas produções e, então, desenvolver um estilo próprio.
Os desenhos estereotipados - os homens-palitos, por exemplo - passam a ser problematizados. Os alunos geralmente recorrem a eles porque lhes falta repertório e referências e sobra medo. Quando podem experimentar, a escolha do que e como desenhar se torna mais intencional, e não pautada apenas pelas limitações que acreditam ter. "Em Matemática, espera-se que todos cheguem a um resultado único. Já na Arte, é esperado que cada pessoa alcance um resultado diferente, desde que esse resultado estabeleça comunicação com quem o vê", diz Evandro.
FOTOS TATIANA LAFRAIA/MAMUTE LAB
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