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Jornalismo

Agora, a aula é no banco da bike

Estudar sobre sustentabilidade e segurança no trânsito ajuda a aprimorar a pedalada

PorBeatriz Santomauro

29/07/2015

"No pátio da escola, temos de 300 a 500 bicicletas estacionadas diariamente, que são usadas pelos alunos para vir estudar", conta Antonio Marcos Diniz, professor de Educação Física do Colégio Estadual Gaspar Dutra, em Nova Santa Rosa, a 583 quilômetros de Curitiba. Como a cidade é plana, moradores de todas as idades adotam a bike como meio de transporte. Adepto da magrela, Diniz queria ampliar as experiências da garotada no pedal, mostrando a possibilidade de novos trajetos e incorporando noções de segurança no trânsito. Ele conta que muitos não usavam capacete, que, apesar de não ser obrigatório, é altamente recomendável. Pensando nisso, planejou aulas com as classes de 6º ao 9º ano que abrangeram reflexões sobre mobilidade urbana, modos mais sustentáveis de agir, a relação com o lugar em que se vive - e, claro, muito chão percorrido sobre duas rodas. 

As ruas de Nova Santa Rosa tornaram-se local de aprendizado sobre como andar de bicicleta.
Crédito: Eron Zeni

Para começar, com as turmas do 6º e 7º anos, o docente reservou três aulas para abordar a sinalização correta ao fazer uma conversão, quais normas e equipamentos precisam ser adotados pelo ciclista e de que forma ele deve se comportar no trânsito ou quando está em grupo (veja mais detalhes no quadro abaixo). A garotada chegou a analisar acidentes que já ocorreram em diferentes locais do país identificando as situações de maior risco, e discutiu sobre o aumento de ciclovias como uma forma de incentivar, com mais conforto e segurança, a bike como meio de transporte. "Os estudantes se mostraram muito interessados no assunto. Trouxeram informações de reportagens que leram para incluir na conversa com todos", afirma Diniz. 

As dez aulas seguintes foram realizadas nos arredores da escola: as turmas, com 30 alunos cada uma, saíram com as bicicletas na rua e percorreram, durante 30 minutos, um trajeto previamente apresentado. Com isso, precisaram encarar partes da cidade que nem todos conheciam e mãos de direção e trânsito variados, o que exigiu uma atenção redobrada em comparação àquele percurso feito diariamente por cada estudante entre a casa e a instituição de ensino. Quem não tinha bicicleta emprestou de um colega. 

Para garantir a segurança e compartilhar o uso das vias, o educador indicou que os adolescentes andassem em duplas ou trios, lado a lado, atentos para não tomar tanto o espaço dos carros. Deviam também manter uma distância segura dos que andavam mais à frente e atrás. Para visualizar todo o grupo, Diniz ficava no meio da garotada. Quando precisava passar orientações, ele utilizava um apito e, aos poucos, todos paravam e se reuniam. Nesses momentos, ele dizia frases como: "Vocês não foram claros na sinalização. É necessário estender os braços para mostrar aos demais qual será o movimento realizado", "Não estamos em uma corrida, isso não é competição", "Andamos juntos, então diminuam a velocidade para que todos acompanhem". Com isso, orientava a turma ainda na rua, não depois, para que os estudantes observassem as situações que precisavam ser melhoradas.

Sobre esse aspecto, Marcos Mourão, professor de Educação Física da Escola da Vila, na capital paulista, ressalta: "Os alunos precisam ser encorajados a se impor com segurança quando estão sobre a bicicleta, mesmo sendo os mais desprotegidos no trânsito". Dessa forma, é essencial discutir com a turma sobre a responsabilidade de ser ciclista. "Uma proposta tão divertida e aparentemente descompromissada, que é passear em grupo, precisa contar com bom senso. É preciso evitar altas velocidades e manobras inadequadas."

Segurança na cidade...

No asfalto, os alunos aprenderam a se comportar no trânsito sobre duas rodas.

Crédito: Eron Zeni

  • Mantenha distância segura em relação aos veículos à frente e na lateral
  • Estenda o braço para mostrar aos demais qual movimento você irá realizar, como numa conversão à esquerda
  • Respeite a sinalização
  • Não circule em vias de trânsito rápido
  • Nunca faça malabarismos no trânsito, como andar em uma roda só
  • Saia da bike para andar na calçada

Já com os estudantes de 8º e 9º anos da escola, os desafios foram outros. Nas aulas em sala, o professor discutiu segurança e comportamento, mas também deu foco em andar de bicicleta em superfícies diferentes do asfalto, a que os estudantes estavam habituados. Ele explicou sobre as peculiaridades da mountain bike - modalidade de ciclismo em que os atletas percorrem terrenos acidentados -, para então partirem para aulas práticas. Nelas, percorreram trilhas ao redor da cidade, onde a zona rural começa e surgem trechos de grama, cascalho e terra. "As aprendizagens são outras: os alunos precisam ter mais firmeza na direção, ficar atentos à largura variável da pista, ao tempo necessário para frear e à distância em relação aos colegas. Nesse momento, mesmo quem está acostumado a andar na cidade precisa se adaptar às diferenças", conta Diniz. 

Eduarda Eliza Altmann, 15 anos, é cadeirante e participou de quase todas as etapas do trabalho. "Ela possui uma cadeira de rodas motorizada. Pedi que os demais alunos mantivessem uma velocidade reduzida para que ela pudesse acompanhá- los no asfalto", conta Diniz. A única limitação foi a impossibilidade de Eduarda andar nas trilhas, mas esse obstáculo já tem data para ser superado. "Conseguimos uma bicicleta de dois lugares e ano que vem vamos colocá-la na garupa para também ter a experiência de andar em terrenos acidentados", conta o educador. 

Cerca de dez minutos antes de terminar a aula, as turmas voltavam à escola, guardavam seus equipamentos e se preparavam para o próximo compromisso. "Com essa sequência didática, percebi que os estudantes passaram a se relacionar de outra forma com a cidade, conhecendo bairros em que nunca tinham estado, sabendo o limite físico de cada um. Em relação à bicicleta, aprimoraram a forma de andar em diferentes contextos e pisos", comemora o docente.

... e na trilha

Os equipamentos de segurança não foram dispensados ao andar nos caminhos de terra.

Crédito: Eron Zeni

  • Utilize sempre os equipamentos de segurança, como capacete e luvas
  • Preferencialmente, vista roupas claras, para ficar visível aos demais
  • Use óculos de proteção para evitar que algo atinja os olhos durante o percurso, como pedregulhos
  • Se possível, use bermuda própria para ciclistas, que têm uma parte acolchoada e amortece o impacto do terreno

De lazer a opção de transporte
As bikes estão mesmo com tudo. Além das cidades pequenas, onde nunca deixaram de ser veículos importantes, elas agora ganham espaço em metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo. Inspiradas em exemplos de capitais europeias e da América do Norte, essas cidades investem na expansão de sua malha cicloviária. Para Mourão, o avanço da bicicleta justifica a abordagem dos temas relacionados à magrela nas aulas de Educação Física. "Na escola, podemos colocar foco nas práticas ainda não realizadas pelos alunos. Se eles utilizam a bicicleta como meio de transporte, é possível falar sobre lazer ou sobre os esportes de ação. Caso só a usem esporadicamente, podemos ressaltar sua função como locomoção", enumera o educador. 

Analisar como a bike se relaciona com o lugar em que se vive foi a opção da professora Nyna Taylor Gomes Escudero, que lecionou Educação Física para o 8º ano da EMEF Dona Jenny Gomes, na capital paulista, e hoje é formadora de professores na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Ao fazer um mapeamento no início da sequência didática sobre a utilidade da bicicleta, Nyna ouviu respostas como: "Ela serve para a gente se divertir", "Tem gente que usa para trabalhar", "Existe corrida de bicicleta" e "Ela serve para perder peso". As colocações foram a base para quatro eixos de investigação sobre as funções da magrela: ludicidade, trabalho, esporte e saúde. Cada um dos eixos foi investigado por um grupo, que apresentou os resultados para uma reflexão coletiva. 

A moçada que pesquisou sobre a relação com a saúde, por exemplo, visitou academias do bairro para entrevistar professores e alunos. Entendeu a diferença entre os treinos para aquecimento e resistência e listou as condições físicas necessárias para poder pedalar. Também percebeu a inserção da magrela na cultura pelo modo como ela é citada no culto ao corpo. "Com a constatação de que as academias têm mais mulheres do que homens usando a bicicleta, os próprios alunos entenderam que há uma relação entre esse fato e o discurso social de que as mulheres precisam perder peso", afirma Nyna.

Resumo

1. Sondagem inicial Verifique quais as formas de contato dos alunos com a bicicleta: quem não sabe andar ou a utiliza regularmente, e quais tipos de uso, para lazer ou transporte. 

2. Espaço para a teoria Discuta com os alunos sobre sinalização, segurança e regras de trânsito em diferentes contextos. Compartilhe notícias sobre uso da bicicleta. 

3. Exercício de possibilidades Se os alunos pedalam regularmente por alguns trajetos, mostre novos percursos e incentive a bike como lazer. Caso só a utilizem nas horas de folga, proponha o uso como transporte.

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