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Jornalismo

Entrevista com Rosa María Torres del Castillo

Especialista equatoriana alerta que é preciso investir em mudanças estruturais no sistema educacional, tendo como foco prioritário a valorização da carreira docente e a aprendizagem dos alunos

PorRita Trevisan

01/09/2011

Rosa María Torres del Castillo. Foto: Marina Piedade
Rosa María Torres del Castillo

Em visita recente ao Brasil, a educadora Rosa María Torres del Castillo visitou uma escola pública. Conversou com os gestores, os professores e os alunos e assistiu às aulas. É assim que a diretora do Instituto Fronesis de Pedagogia e Comunicação, em Quito, gosta de colher impressões sobre a realidade. "Não aprendo sobre Educação só com livros. Gosto de conhecer o dia a dia das instituições educacionais e escrever sobre elas nos blogs que mantenho", diz.

Durante a entrevista para NOVA ES­­COLA, ela explicou os motivos que tem para se sentir tão descontente com o cenário atual do ensino. Para Rosa María, que já foi ministra da Educação no Equador e esteve à frente de cargos importantes em organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o que mais a impressiona é constatar que os avanços na área nos últimos 40 anos foram muito pou­cos. Ela também aponta alguns caminhos para renovar o cenário, especialmente no que diz respeito à realidade latino-americana.

É possível fazer um balanço da situação atual do ensino nos países da América Latina?
ROSA MARÍA TORRES DEL CASTILLO
A situação é muito preocupante. Desde a adolescência, estou envolvida com a questão e minha percepção é a de que os resultados alcançados em Educação são insatisfatórios e deveriam provocar a cólera da sociedade. Mesmo com todas as políticas implementadas, com todo o orçamento investido e com toda a atenção que dizem ser dispensada ao assunto, as mudanças efetivas são pouquíssimas. Para mim, estão se concretizando tendências ruins na América Latina.

Na sua opinião, quais são as prioridades para melhorar a situação?
ROSA MARÍA
A principal é investir em políticas continuadas com o objetivo de educar, e não só informar. Hoje, temos contato com muita informação, mas nem sempre ela se transforma em conhecimento. É necessário um olhar externo para a escola para fazer uma mudança efetiva no sistema e organizar um diálogo com a sociedade. A família, por exemplo, é um sistema de aprendizagem importantíssimo. Então, uma mudança na Educação precisa envolver a família. Da mesma forma, os meios de comunicação educam ou deseducam, embora muita gente não os veja assim. Pouco pode fazer o professor se a mídia educa as crianças no sentido contrário do desejado. Os sistemas políticos também são sistemas de aprendizagem e, se eles são corruptos e os cidadãos sabem disso e aceitam, educa-se na (e para a) corrupção. Nesse contexto, pouco pode fazer a escola com um programa de valores éticos. Quando falamos em prioridades, me parece fundamental romper com essa visão de que a Educação é feita só na escola e pensar na sociedade como educadora.

Há um esforço de colaboração entre os países latino-americanos, com tro­­cas de experiências educacionais. Esse intercâmbio não tem favorecido algum avanço na área?
ROSA MARÍA
A meu ver, há muitas instâncias de colaboração, formais e informais. No entanto, esse contato só tem permitido que as nações repitam os erros umas das outras. Além disso, creio que a interação real e verdadeira ainda seja pequena, embora estejamos na era das tecnologias. São muito raras as experiências de debate de conhecimento e não só de opiniões. Precisamos avançar. A palavra central, quando se fala em Educação, é mudança. Não acredito em melhorar a situação, mas em promover uma mudança estrutural séria. E o que vejo todos os países latinos fazendo é investir em estratégias somente para melhorar. Eles investem um pouco mais, capacitam um pouco mais, melhoram a infraestrutura um pouco mais, compram computadores um pouco mais, aumentam o salário dos professores um pouco mais... O modelo é o mesmo de 30 anos atrás e a pedagogia, que é o fundamental, não recebe a devida atenção. Assim, nada muda.

Há iniciativas em curso na América Latina que no futuro podem se concretizar como mudanças efetivas?
ROSA MARÍA
Todos os países estão fazendo a mesma coisa: investindo em avaliações nacionais, em provas que analisam exatamente as mesmas coisas e em rankings. É como se um copiasse o outro. O Chile começou e todos os demais o seguiram. Só que os chilenos fazem avaliações há 25 anos e não houve mudanças significativas. Isso mostra que os sistemas de avaliação, isoladamente, são ineficazes. Se não há medidas concretas para fazer frente a todos os problemas que essas provas mostram, nada muda. A maioria dos países tem provas nacionais. Alguns convertem os resultados em materiais de capacitação para os professores e classificam as escolas em rankings. Nada disso contribui para a qualidade do ensino. Essas provas também avaliam os docentes e isso só faz com que eles se sintam cada vez mais controlados. É um sistema punitivo. O que deve ser feito pelos docentes com a avaliação pode ser feito sem ela, que é capacitá-los. Na parte de infraestrutura, também não há nada que me chame a atenção. Investe-se em novas obras, mas elas seguem o modelo antigo. Os prédios parecem hospitais e não lugares destinados à aprendizagem. Há ainda outra tendência: as chamadas escolas de excelência. Acho esse tipo de solução elitista e discriminatória.

O que é preciso para formar bons professores?
ROSA MARÍA
Atualmente, o educador desejável não é aquele que ensina as respostas corretas, já que elas estão disponíveis na internet, em sites como a Wikipédia. A rede provê informação, mas nunca substituirá o papel de uma relação pessoal. É essencial formar pessoas que compreendam isso e avaliá-las levando isso em conta. Também julgo necessário valorizar a carreira docente. E isso não tem a ver só com investimentos. Defendo construir outra percepção social da profissão, com base em medidas de apoio à carreira. O Brasil tem tentado inovar, mas dá pouca atenção aos professores, que por sua vez têm uma carga de trabalho muito pesada. A educadora brasileira com quem conversei leciona 70 horas por semana. Assim, não há corpo nem mente que resistam. Nesse ritmo, o Brasil ficará sem educadores. Eles têm acesso a muito material, mas não têm tempo para lê-los, pois estão sempre em sala.

Como avaliar a aprendizagem dos alunos e o desempenho dos docentes?
ROSA MARÍA
A prova é como um termômetro, que informa a febre do paciente para o médico naquele momento. Mas isso contribui pouco para o processo de cura. O ideal é acompanhar o doente para ver o quadro geral, os outros sintomas e as causas. Na Educação, é igual. Os problemas de cada escola são diferentes e as avaliações externas não mostram isso. Para avaliar, é preciso acompanhar o dia a dia da escola. Não basta estar fora e simplesmente colocar o termômetro.

Muito se fala dos exemplos bem-sucedidos da Educação na Finlândia e em Cingapura. São modelos válidos para os países latino-americanos?
ROSA MARÍA
Há muito o que aprender com esses países, mas é preciso considerar que não podemos só transportar as experiências de um lugar para o outro. Os históricos são construídos culturamente e determinados por contextos, políticas e sujeitos únicos. Os modelos que funcionam de verdade são sempre construções próprias. Finlândia e Cingapura têm bons resultados em provas como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), mas é preciso considerar que os sistemas educacionais deles foram construídos durante muitos anos, de acordo com a cultura local. Na Finlândia, por exemplo, há níveis altíssimos de desenvolvimento humano e isso é inimitável, tanto que outros países com bom nível de desenvolvimento humano, econômico e social, como os Estados Unidos, não têm uma Educação tão boa. No entanto, ao comparar a Educação da Finlândia com a da América Latina, fica claro que aqui se faz exatamente o contrário. Lá, ser professor é ter muito prestígio e um salário digno, trabalhar em uma única escola o dia todo e ter tempo para estudar, preparar as aulas, interagir com os colegas, atender os estudantes e conversar com os pais.

O Brasil é o país mais rico da América Latina e investe 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em Educação. A meta prevista no Plano Nacional da Educação (PNE), ainda em trâmite, é atingir 7%. Esse porcentual é um dos fatores que fazem o país ainda ter problemas na área?
ROSA MARÍA
Minha experiência mostra que não há relação direta entre um investimento maior na área e resultados melhores. Ter mais dinheiro é bom e ajuda muito, mas não é o suficiente. Tudo depende de como se gasta a verba disponível. No Brasil, neste momento, percebo que o foco é investir em levar computadores para as escolas. Vejo um risco nisso. Algumas, por exemplo, estão recebendo equipamentos e não têm tomadas! Ou seja, é um grande investimento sem planejamento. Por outro lado, imagine que um país destine só 3% do PIB para o sistema educacional, mas que pague muito bem os professores. Esse porcentual provavelmente renderá resultados superiores do que os de outra nação que destina mais dinheiro à compra de materiais, por exemplo. Fui ministra de Educação no Equador e minha prioridade era pagar bem os educadores. Por causa disso, nunca pude comprar um laptop em minha gestão. Percebo que na maioria dos países latinos o investimento é maior no que resulta em visibilidade política, e não em pessoas, mas elas são o fundamental. Minha ideia de ensino de qualidade não passa tanto pela questão da infraestrutura. Se há, ótimo. Porém o fundamental é a relação pedagógica.

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