Compartilhe:

Jornalismo

Miriam Skjorten. Foto: Rodrigo Ratier
Miriam Skjorten Professora emérita da Universidade de Oslo, na Noruega, pesquisa temas relacionados à inclusão há mais de 40 anos. Como consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), trabalhou em mais de 20 países

A Noruega, nação campeã em desenvolvimento humano, é também uma das líderes em inclusão. A começar pelo próprio entendimento do termo, que diz respeito à adaptação das escolas para atender às necessidades de aprendizagem de todos os alunos, não só dos que têm alguma deficiência. Na Educação Básica, dos 6 aos 15 anos, oito em cada 100 crianças recebem algum tipo de atenção especial, 96% delas em escolas regulares. Apesar disso, ainda há muito a evoluir. Na opinião de Miriam Skjorten, especialista em necessidades educacionais especiais (NEE), é preciso avançar na flexibilização dos recursos educacionais - do currículo às formas de ensinar, da avaliação às atividades extracurriculares. As conquistas e os desafios do país europeu para fazer com que todos aprendam juntos no mesmo ambiente podem inspirar nossa busca de soluções.


O que significa inclusão na Noruega?
MIRIAM SKJORTEN Seguimos os princípios das resoluções internacionais, sobretudo a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de 1990, e a Declaração de Salamanca, de 1994, onde apareceu pela primeira vez a palavra inclusão. Esses documentos defendem uma escola acessível para todos, centrada na criança, em que os recursos educacionais são adaptados para suprir as necessidades de cada uma. A inclusão se refere a esse processo de adaptação da escola para que todos encontrem os melhores meios para aprender. Portanto, não se trata de ajustar o aluno à escola, como se pretendia com a ideia de integração, mas o contrário.

A inclusão é só para alunos com deficiência?
MIRIAM Não. Incluir significa dar atenção a todos. A área de NEE - um dos pilares mais importantes da inclusão - enfoca grupos em risco de exclusão. Isso abrange crianças com deficiência mas não apenas elas: diz respeito também às que estejam com dificuldades sérias para aprender e que requeiram cuidado extra, ainda que por apenas um período. O que está por trás é o respeito à diversidade. Ela exige a diferenciação do ensino: se um estudante não consegue aprender, ele demanda outras estratégias pedagógicas.

Como esse trabalho funciona na prática?
MIRIAM Todo aluno com NEE tem direito a um plano de estudos individual, com objetivos, conteúdo e métodos específicos. Em geral, esse trabalho é feito na classe regular pelo próprio professor da turma, que é o responsável por todas as crianças. Nos casos das que precisam de assistente ou intérprete, o docente continua sendo o guia pedagógico. Não é um trabalho solitário: as equipes escolares contam com profissionais formados em NEE que discutem os planos de estudos individuais e as estratégias a ser adotadas. Como exceção, em algumas situações o ensino de braile e da língua de sinais pode ocorrer em centros de recursos espalhados pelo país, que também oferecem cursos para os pais.

É possível individualizar também a avaliação?
MIRIAM Na Noruega, temos a vantagem de não haver notas nos primeiros sete anos de escolarização. A avaliação é qualitativa, por meio de relatórios de desempenho e conversas cara a cara com os pais e a criança. Quando você está em um sistema avaliativo com notas, como no Brasil, é mais complicado porque elas implicam comparação. Dar a mesma nota para pessoas com desempenhos diferentes é injusto. Talvez seja possível conjugá-las com algum adicional que considere o esforço de cada estudante, de acordo com suas possibilidades.

Os professores noruegueses estão preparados para atuar com alunos com deficiência?
MIRIAM Ainda temos altos e baixos. Um professor é resultado de sua Educação e, para alguns, ainda é preciso mudar conceitos. Os centros de recurso oferecem formação em serviço e produzem material didático sobre deficiências e dificuldades de aprendizagem. E, no início da década de 1990, o currículo de formação de professores abriu mais espaço aos temas relacionados a NEE. A ideia é que todos devem aprender o fundamental sobre ensino inclusivo e sobre as possibilidades de ajuste de cada disciplina às necessidades da criança. Esses tópicos são abordados de maneira básica na graduação regular e vistos com mais profundidade na pós-graduação, que forma os especialistas.

A Noruega já chegou à inclusão plena?
MIRIAM Não. Mesmo aqui, a inclusão total ainda é um sonho. É preciso dizer que a escola inclusiva é uma situação ideal - e, justamente por isso, muito difícil de ser alcançada. Por isso, prefiro falar numa Educação em direção à inclusão, para enfatizar que se trata de um processo. Não basta o governo assinar uma lei. É uma trajetória bem longa, com muitos altos e baixos, alegrias, tristezas e frustrações no caminho. Aqui, ainda temos duas ou três escolas de Educação especial, apesar de a maioria ter sido fechada na década de 1990 e transformada em centros de recurso. Há também unidades especiais dentro de escolas regulares. Os alunos frequentam o mesmo pátio, o mesmo parquinho, mas ainda estudam separados. Não é uma situação ideal.

Todos os alunos podem ser incluídos?
MIRIAM O esperado é que sim, não importa a gravidade da deficiência. É importante que cada um tenha sua própria turma na escola regular e a visite pelo menos uma vez por dia, todos os dias, até o momento em que possa ficar em definitivo, se for o caso, ou nas atividades que conseguir acompanhar. É verdade que as crianças podem ter problemas neurológicos que torne impossível ficar numa turma grande durante um dia inteiro. Talvez elas precisem descansar, se deitar, receber oxigênio... Eu sei que é muito difícil para os professores, mas é importante insistir, porque a inclusão beneficia não apenas os alunos incluídos, mas toda a comunidade escolar.

Pode dar um exemplo desse benefício mútuo?
MIRIAM Muitos anos atrás, auxiliei uma pré-escola a receber uma criança que não falava e tinha síndrome de Down. Perguntei às demais como era ter aquele colega na sala. Surpresas, elas disseram: "É normal". Retruquei: "Mas ele não fala...". E elas: "E daí? Quando não gosta de alguma coisa, ele senta. Quando está muito feliz, ele gira, gira". O convívio era algo completamente natural para elas e importantíssimo para o menino. Certa vez, quando percebeu que a turma havia ido passear sem ele, o garoto se jogou no chão e começou a chorar. Mesmo sem palavras, foi uma reação muito clara ao abandono.

O que o Brasil pode aprender com o processo de inclusão norueguês?
MIRIAM Temos de lembrar que a Noruega é um país com apenas 5 milhões de habitantes e com forte tradição de envolvimento comunitário, o que facilita as coisas. Mas, mesmo aqui, tivemos décadas de transição rumo à inclusão. Trabalhei durante um período longo com crianças autistas em uma instituição especial. Após um tempo, não todas, mas algumas, ficavam na escola regular por duas horas e voltavam em seguida. Depois, ficavam talvez por dois dias. Hoje, felizmente, as condições são melhores. Se você pensar filosoficamente, não deveríamos ter esse tipo de escola. Mas a realidade de certos lugares ainda as exige. As dificuldades para o professor regular são consideráveis. As turmas podem ser grandes, há muitas crianças para cuidar e às vezes o docente não é capaz de dar algo positivo para todas elas. O importante é seguir avançando e mudar o modo de trabalhar. Acho que ajuda bastante ver a inclusão como uma espécie de turma multisseriada, onde o desafio é dar conta da diversidade para o aprendizado.

A inclusão está avançando no mundo?
MIRIAM Sim, mas seu progresso depende de vontade política para diminuir a quantidade de escolas de Educação especial e construir um sólido sistema de apoio ao educador. Professores não deveriam trabalhar sozinhos, mas em grupos em que possam discutir o que e como fazer para que cada um aprenda o máximo que conseguir. Quando um aluno precisar de ajuda, é na escola inclusiva adaptada às suas necessidades que ele deve se sentir em casa.

continuar lendo

Veja mais sobre

Relacionadas

Últimas notícias