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Jornalismo

Do universo de políticas públicas, o saneamento ocupa, ao mesmo tempo, o topo e a rabeira de duas listas de prioridades. Ponteia na lista de prioridades da vida em sociedade. Está diretamente ligado a melhores condições de saúde, ao consumo de alimentos seguros, ao impulso para as atividades econômicas do entorno, à preservação ambiental e até à Educação (a gente explica mais adiante). Ocupa a lanterninha, porém, no rol de prioridades dos parlamentares e gestores públicos. Sanear uma região custa muito caro, causa enorme transtorno durante as obras e pior - ao menos para quem depende do voto: não dá visibilidade, já que boa parte das realizações está, literalmente, embaixo da terra.

O lixo se acumula e atrai animais nos fundos da EM Sebastiana Cid Farias

Não é exagero falar em um direito invisível. A Constituição de 1988 o prevê, mas apenas em 2007 foi aprovada a Lei de Saneamento Básico, detalhando a cobertura dos serviços e estabelecendo regras para sua prestação. De acordo com essa lei, saneamento básico diz respeito à distribuição de água de qualidade, coleta de esgotos, manejo do lixo e da água das chuvas.

Não se trata, ainda, de um direito universal no Brasil. Em 2015, ano com dados mais recentes disponíves, eram 35 milhões de pessoas sem acesso à água encanada, 100 milhões sem esgoto coletado (só 43% é tratado) e 14 milhões sem coleta de lixo (depositado em lixões a céu aberto em dois terços dos municípios), segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.

O problema, claro, atinge também as escolas, e varia enormemente segundo a região do país (veja o mapa acima). Cerca de metade não é atendida por esgoto via rede pública. Uma em cada quatro não possui água encanada nem coleta de lixo.

Um retrato típico desse cenário de carências é a EM Sebastiana Cid Farias, em Nova Russas, município de 31 mil habitantes no sertão do Ceará. Como na cidade não há coleta de esgoto, os dejetos vão para uma fossa. Também não há coleta de lixo, e a solução da escola é queimá-lo em um buraco cavado nos fundos do prédio. Quanto à água, uma cisterna de 52 mil litros implantada pela comunidade com ajuda de uma ONG ameniza a seca de cinco anos que inutilizou o líquido da torneira, vindo de um poço profundo, como é comum no semiárido. "A salinidade não deixava cozinhar nem beber", explica a professora Gerlane Peres, que foi diretora da escola até o fim de 2016. "Tem criança que passava mal. O líquido era tão salgado que chegou a enferrujar o bebedouro", conta. A merenda só continuava sendo servida porque funcionários e educadores se organizavam para trazer água de casa, paga do próprio bolso.

Por que e como lutar pelo serviço

Como a gente adiantou, investir em saneamento melhora a vida em geral e a Educação em particular. Estudos recentes indicam que existe uma relação direta entre saneamento e aproveitamento escolar. "A ausência do saneamento impacta negativamente na saúde das crianças, que faltam ou abandonam a escola e avançam menos nos estudos", afirma a economista Juliana Scriptore, da Universidade de São Paulo (USP). Ao investigar essa relação em seu doutorado, a pesquisadora verificou que um aumento de 1% no acesso aos serviços de saneamento acrescenta 0,11 ponto porcentual na taxa de frequência escolar. Além disso, diminui 0,96 ponto porcentual na distorção entre idade e série no Ensino Fundamental.

Portanto, vale lutar por esse direito. O primeiro passo é conhecer a legislação. A mais importante sobre o assunto, como dissemos, é a Lei de Saneamento Básico. Ela traz as garantias essenciais do serviço e pode ser a base legal de sua demanda.

Na Escola Classe Monjolo, a mobilização trouxe uma fossa séptica adequada

Revestido por pneus, o encanamento leva dejetos aos tanques de purificação

O restante do caminho é complicado e costuma ser demorado. O responsável pela prestação de saneamento básico é o município, que pode fazer as tarefas diretamente ou transferi-las para uma companhia estadual ou uma empresa particular contratada. Portanto, exigir saneamento de qualidade é, basicamente, uma atividade de pressão sobre o poder público. Um agravante é que a pressão precisa se multiplicar por diversas instâncias.

Saneamento, afinal, não costuma ser tarefa de um único órgão, mas de vários. Os principais são a prestadora do serviço e a secretaria municipal encarregada da área. Ocorre que muitas vezes a solução não vem desses atores. Por isso, além de protocolar pedidos de providências nessas duas instâncias (veja algumas variações de acordo com o serviço abaixo), vale notificar ainda a entidade reguladora (uma novidade em muitos municípios, criada para fiscalizar a qualidade dos serviços) e, nos casos mais graves, o Ministério Público, que pode ser acionado para garantir que a Lei do Saneamento Básico esteja sendo adequadamente cumprida pelo estado.

A atuação no ambiente escolar propriamente dito tem alcance limitado. Ainda assim, não pode ser descartada. O que cabe a gestores e professores é conscientizar a comunidade sobre a importância do assunto e, se for possível, organizar ações de reivindicação. Foi a estratégia da Escola Classe Monjolo, em Planaltina (DF). Localizada na zona rural, a escola atende 156 alunos, muitos deles moradores de assentamento. Entre os problemas mais graves estava a presença de uma fossa comum, usada há mais de 70 anos. Toda vez que chovia, ela transbordava, aumentando a proliferação de baratas e mosquitos. Além disso, a fossa ficava ainda bem próxima de um córrego, o que trazia risco de contaminação. "Desde 2013 pedíamos uma fossa melhor à Coordenação de Ensino, mas não éramos atendidos", conta Cleusa Macedo, coordenadora pedagógica.

Na Monjolo, o terreno da antiga fossa está pronto para virar uma horta

Visibilidade para mobilizar a turma

Em 2016, a escola aproveitou uma premiação da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental do Distrito Federal (Abes-DF) para dar visibilidade ao assunto. O trabalho envolveu uma investigação das condições sanitárias da escola e de seu entorno. O uso da água surgiu como tema transversal em todas as disciplinas, do 1º ao 5º ano. Em Língua Portuguesa, os alunos escreveram sobre a situação da escola e de suas próprias moradias - a maioria vivia em assentamentos. Em Ciências, o estudo do ciclo da água teve como foco o córrego vizinho à escola. E, em Matemática, a produção de gráficos usou como base a quantidade de lixo produzido e o consumo de água.

O trabalho rendeu uma premiação de 2 mil reais. E mais importante: conferiu visibilidade à escola, que se fortaleceu para pedir uma nova fossa que resolvesse o problema. "Por anos, buscamos apoio e ninguém respondia. Agora, entidades nos procuram para dar palestras, fazer parcerias", comemora. O trabalho resultou na construção de um sistema de fossa séptica ecológica (considerada uma solução permanente para o esgoto em áreas pouco povoadas), financiada pela Coordenação de Ensino. O terreno da antiga fossa está pronto para ser transformado em horta pelos pequenos. Próximo passo: pressionar pela melhora na coleta de lixo e a no sistema de esgoto da região. Na luta pelo saneamento de qualidade, conseguir - e manter - a mobilização é fundamental.


Fotos: Wellington Macedo, Escola Classe Monjolo/Divulgação, Rodrigo Melo Custódio/Facundo Fotografia

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