Mais zen antes de começar a aula
As técnicas de meditação vêm ganhando espaço nas escolas. Conheça as experiências de quem apostou nessa novidade
09/04/2017
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Jornalismo
09/04/2017
O sinal soa no pátio. Em meio a gritos e gargalhadas das crianças, as professoras tentam reunir suas turmas. Ao chegar à classe, no entanto, a agitação desaparece gradualmente à medida que as luzes do ambiente diminuem. Os alunos sentam em suas carteiras e fecham os olhos. "Inspirem... expirem", a professora Fátima Pacheco Quevedo conduz um exercício de respiração por dez minutos. O objetivo é relaxar o corpo e focar a atenção no tempo presente. Essa cena faz parte da rotina diária do CMEB Camilo Alves, em Esteio, região metropolitana de Porto Alegre, desde o início de 2016. Ela exemplifica a prática do mindfulness, ou atenção plena (leia mais abaixo). A iniciativa chegou à escola pelas mãos de Isabel Cristina Souza, psicopedagoga do Centro Municipal de Educação Inclusiva da prefeitura da cidade, com a intenção de reduzir o estresse dos professores. Deu tão certo que foi estendida aos alunos. "Não adianta fazer um projeto de meditação sem cuidar do bem-estar dos educadores. Por isso, iniciamos o trabalho com eles", explica Isabel.
As técnicas de atenção plena desembarcaram nas escolas brasileiras no embalo do sucesso no Reino Unido, na Austrália e nos Estados Unidos. Na terra da rainha, em 2015, um grupo do parlamento, depois de avaliar os potenciais benefícios do mindfulness, requisitou a três escolas de referência que desenvolvessem modelos de ensino para ser replicados na rede. O relatório apontou que, além de melhorar o desempenho dos estudantes, a meditação pode ajudar na construção de competências socioemocionais, como perseverança, resiliência, confiança e colaboração. Meditar melhora o gerenciamento de capacidade cognitivas e emocionais. Por isso, quem consegue manejar seus sentimentos e está aberto a entender o outro se torna mais colaborativo.
Pensando em aliviar a rotina de estudos estafante do Ensino Médio, a professora Claudiah Rato inseriu exercícios de meditação na Educação Física do Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro. Desde 2012, ela criou a Meditação Laica Educacional - método que faz parte do programa de formação da instituição, aberto a professores de todo país. Roberta Pereira Batista dava aulas para o 4º ano na Escola Municipal Waldick Cunegundes Perreira, em Queimados, região metropolitana do Rio de Janeiro, quando começou a fazer o curso de Claudiah. "A primeira etapa é ficar quieto na frente da turma, com o semblante feliz e receptivo, para que eles percebam o silêncio e se acalmem", explica Roberta. Para conseguir a atenção da turma, ela precisou de longos 80 minutos. Os alunos fizeram de tudo: teve gritaria, xingamentos, desenhos na lousa e até uma briga. Em vez de perder a paciência, a professora manteve-se impassível. O que aconteceu depois foi surpreendente. "Fui até a porta para fechá-la e consegui ouvir os meus passos. Conversei com os alunos dez minutos e todos estavam concentrados e atentos. Nunca tinha falado por mais de três minutos sem ser interrompida", lembra. Depois de cinco sessões, os resultados já eram visíveis, a turma estava mais calma e envolvida no aprendizado.
Atenção na respiração
De olhos fechados, Laura deixa de lado a inquietação da escola e se concentra
"Fico tranquila e relaxada. Parece que é melhor para aprender e fazer as atividades quando a gente medita antes."
LAURA DE ANDRADE CAYE,
aluna do 3º ano do CMEB Camilo Alves, em Esteio (RS)
A concentração é um benefício comumente relatado pelos professores, além da redução de casos de indisciplina, o aumento da empatia e a melhora na relação aluno-professor. Estudos também têm mostrado que a prática estimula a plasticidade cerebral. Por causa disso, os neurônios desenvolvem novas conexões e o resultado é o aprimoramento da memória, da atenção e, por consequência, da aprendizagem.
Especialistas da The Royal College of Psychiatrists (Academia Real de Psiquiatria, em tradução livre), da Inglaterra, acompanharam por um semestre 522 jovens (entre 12 e 16 anos) de 12 escolas secundárias que participam do programa Mindfulness in Schools. Os dados mostraram que os alunos expostos à meditação apresentaram menos sintomas de depressão e estresse e maior sensação de bem-estar em comparação com jo vens sem esse treinamento. Uma revisão de mais de 200 artigos científicos, conduzida por pesquisadores do Canadá e dos Estados Unidos, atestou a eficácia do mindfulness também no controle do estresse e da ansiedade.
Ricardo Monezi, professor do departamento de neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que a redução no estresse se dá pela regulação na produção de hormônios como o cortisol, a adrenalina e a noradrenalina. "Eles são responsáveis pelo estresse negativo, que atrapalha no aprendizado." Meditar ajuda na sincronização das ondas cerebrais. "A criança sai do piloto automático. E o cérebro dela recebe o convite para conhecer o mundo de forma diferente." Como resultado, características como abstração e criatividade são amplificadas.
Em 2014, o grupo de Neuropsicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) analisou o rendimento de alunos que meditam usando o método criado pela psiquiatra Anmol Arora, fundadora da Mahatma Paz nas Escolas, que oferece kits de meditação gratuitos. Inspirada na meditação transcendental (leia abaixo), a técnica consiste em repetir, durante cinco minutos, cinco mantras de paz. Depois de três meses, os alunos do 5º ano de escolas públicas de Gramado e Porto Alegre apresentaram avanço em atividades como planejamento e velocidade na assimilação de conteúdos.
Entre os tipos de meditação, estes são os mais usados nas escolas.
Mindfulness é a técnica criada pelo professor americano Jon Kabat-Zinn, da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, na década de 1980. Ele desvinculou a meditação de tradições religiosas ou filosóficas e analisou a prática sob a ótica da ciência.
Em 1958, o indiano Maharishi Mahesh Yogi trouxe ao Ocidente a prática de aquietar a mente com ajuda de mantras. Entre os benefícios estão o descanso profundo, a diminuição do estresse e o estímulo cerebral.
Diante de tantos benefícios, você pode estar ansioso para começar o mais rápido possível a meditar com seus alunos. Calma, respire. Os especialistas alertam que a meditação pode agravar quadros de transtornos severos, como a depressão. Já James Reveley, professor da Universidade de Wollongong, na Austrália, entende a meditação nas escolas como uma sutil medicalização do ensino. "Aprender a tornar-se consciente é uma forma de delegar ao jovem a responsabilidade moral de aumentar seu bem-estar emocional", argumenta. Diferentemente da tradição budista, em que a meditação tem como objetivo a libertação individual, a versão escolar teria a finalidade de controle para maximização e eficiência.
Em Esteio (RS), Fátima e Isabel orientam os exercícios de meditação no início das aulas
Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colunista de NOVA ESCOLA, também faz uma ressalva quanto ao uso no combate à indisciplina: "A meditação não pode servir só para acalmar e se tornar um mecanismo de controle". É preciso reconhecer que a prática não é antídoto para aulas chatas e currículos distantes dos interesses dos jovens. "Para ser efetiva, a meditação deve estar inserida dentro de um contexto amplo, em que se repense a organização das escolas."
"Os alunos passaram a acreditar no próprio potencial e nós começamos a fazer mais atividades em grupo."
FÁTIMA PACHECO QUEVEDO, professora do CMEB Camilo Alves
Para Alcione Marques, vice-coordenadora do Cuca Legal, projeto de capacitação para o ensino de competências socioemocionais, a euforia deve ser combatida. "É um recurso interessante, mas, se for apresentado como solução para tudo, não vai funcionar", pondera. Por isso, antes de começar, questione o objetivo de ensinar os estudantes a meditar e verifique se o problema é de atenção ou de falta de estímulo. Sua escola busca outras formas de lidar com a indisciplina ou usa a meditação apenas para contorná-la? Analisando as respostas, você encontrará o caminho.
Fotos: MARCELO CURIA
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