Eles vão saber como opinar
Do Facebook ao vestibular, argumentar nunca foi tão importante. Conheça estratégias para garantir que seus alunos produzam bons textos
PorWellington SoaresPaula PeresPatrick Cassimiro
09/04/2017
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Jornalismo
PorWellington SoaresPaula PeresPatrick Cassimiro
09/04/2017
O paulista Marcelo Rocha, 18 anos, é conhecido entre os amigos pelos textos que publica em seu perfil no Facebook. O jovem usa a plataforma para propagar ideias sobre questões que o tocam: o movimento negro, a causa LGBT e as ocupações estudantis são alguns exemplos. "Às vezes, meus amigos até perguntam quando eu vou escrever sobre alguma coisa específica", conta. "É muito difícil ver certos comentários nas redes sociais, então, em vez de confrontos pessoais, eu prefiro opinar com argumentos."
Marcelo faz parte de uma geração de jovens que quer, cada vez mais, expor sua opinião nas redes. E todo mundo quer ouvi-los. Os principais exames de vestibular do país e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) avaliam os alunos pela elaboração de textos argumentativos, especificamente a dissertação, mesmo com seu formato pouco aberto a inovações. "Ao estabelecer esse gênero, os avaliadores focam sua análise em aspectos como a capacidade de relacionar e interpretar informações, o domínio linguístico e o conhecimento de mundo do candidato", explica Carlos Eduardo Canani, Educador Nota 10 de 2016 e coordenador de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação de Lages, em Santa Catarina.
"O professor precisa mostrar aos alunos que o que eles fazem no Facebook e o que eles fazem na escola são muito semelhantes", defende Fernanda Sbroggio, professora e mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Não é o que acontece. O ensino da argumentação, em geral, se resume a apresentar uma estrutura formada por introdução, argumentos e conclusão. Mas é possível fazer mais. Uma proposta é dada pelos pesquisadores Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly no livro Gêneros Orais e Escritos na Escola. Eles sugerem que, com base em um tema motivador, os alunos pesquisem e organizem um debate entre grupos da classe. A partir desse exercício oral e coletando os principais argumentos, a turma realiza uma primeira produção textual. O professor dá continuidade ao trabalho discutindo textos do mesmo gênero e encaminhando as aulas para os pontos fracos detectados nas atividades. Assim, todos se preparam para escrever, revisar e reescrever.
Nessas etapas, é possível destacar pequenos detalhes que fazem a diferença na sequência didática. Nas próximas páginas, damos dicas de como aproveitar ao máximo o planejamento, a produção e a revisão. Se realizadas com frequência, essas atividades ajudam a formar bons escritores.
O professor Arnaldo Gomes, de Garanhuns, no agreste pernambucano, busca nos noticiários o assunto para as aulas dos 8º e 9º anos da Escola Professora Giselda Vieira Belo. "Levo temas polêmicos que estão em discussão na sociedade, como doação de órgãos, pergunto o que sabem sobre aquilo e realizamos um pequeno debate", conta.
Depois da primeira discussão, os alunos pesquisam textos na internet, com a orientação do professor. "Nesse exemplo, eu queria que eles saíssem do senso comum 'doe órgãos, doe vida'. Fomos na sala de informática e buscamos sites que tivessem uma linguagem que eles pudessem compreender, como grandes portais de notícias, fugindo dos que não traziam boas referências", lembra.
Com os textos em mãos, o professor propunha questões que ajudavam os alunos a observar quais informações presentes neles serviriam de argumentos na hora de escrever: qual é a fonte desse dado? Ela é confiável? Qual é o argumento principal desse texto? Como o autor defendeu a ideia? Quais palavras ele usou que mostram o lado assumido? (Leia abaixo uma descrição dos principais tipos de argumentos utilizados em textos)
Em todas as situações de pesquisa, o professor orientou os alunos a tomar nota em seus cadernos dos argumentos que acharam mais interessantes, concordando ou discordando da ideia que queriam defender. "Antes de escreverem, eu pedi para eles consultarem suas anotações e fazerem um mapa conceitual." Os jovens registravam o argumento principal no topo da folha de papel e, abaixo, elencavam outros que se relacionavam com ele. "Na hora de escrever, os alunos já sabiam o que queriam falar e, por isso, o risco de perder o foco foi menor", explica Arnaldo.
O autor se baseia em um valor que ele e o leitor compartilhem. É um argumento com o qual o leitor se identifica facilmente. No caso da doação de órgãos, pode ser a importância de se salvar vidas.
Quando você tem duas situações que possuem características semelhantes, pode usar uma delas para chegar à conclusão da outra. Pode-se dizer que doar um órgão é como dar a chance de alguém nascer novamente.
O autor se baseia em uma informação para elaborar uma conclusão. No caso da doação, pode-se dizer que o aumento no número de casos de uma determinada doença (essa é a informação-base) exigirá que haja mais doadores.
O escritor pode se basear na opinião de algum especialista. A ideia se torna mais confiável quando dita por uma pessoa que estudou o assunto ou é respeitada por algum motivo. No tema proposto por Arnaldo, essa pessoa poder ser um médico ou um gestor público.
Analisar uma relação de causa e consequência pode ajudar a dar força à argumentação. Dizer que, caso ninguém doe órgãos, mais pessoas irão morrer pode soar como uma maneira eficiente de convencer o leitor.
O autor recorre a exemplos que reforcem seu ponto de vista, como um caso de uma família que doou os órgãos de um parente e ficou feliz ao saber que alguém sobreviveu graças a isso.
O conhecimento sobre os gêneros vem do consumo constante de bons modelos. Em Ibitinga, no interior de São Paulo, para as turmas do Ensino Fundamental 2 da EMEF Professor Benedito Teixeira de Macedo, ler e escrever é parte da rotina. A professora Rita de Cássia Bastos pede que, ao longo da semana, cada aluno acompanhe notícias e artigos sobre um tema que lhes interesse e leve à classe, na segunda-feira seguinte, um pequeno comentário posicionando-se.
Aspectos gramaticais podem ajudar. É o caso das conjunções, típicas desse gênero. Elas colaboram para construir argumentos e dar mais coesão ao unir diferentes ideias e estabelecer relações de comparação, oposição, causa e outras entre orações. Um aluno de Rita disse que não gostava de futebol, mas não conseguia explicar isso no texto. Com a ajuda da turma, levantou-se que o Brasil é o país do futebol, que quase todos gostam do esporte. A educadora, então, orientou o aluno a usar essa informação. "Mostrei que ele podia escrever que embora o Brasil seja conhecido como o país do futebol, ele pessoalmente não gostava do esporte, e daí seguir seu texto."
Em tempos de debates acalorados, também vale discutir o tom do texto e refletir: para convencer alguém é necessário um estilo menos inflamado, que convite o leitor ao diálogo.
Escritor, jornalista e colunista do jornal Folha de S.Paulo
"Para escrever meus textos, me baseio no repertório de leituras e pesquisas que desenvolvi sobre meus principais interesses durante a vida inteira. Acredito que ler variados formatos, autores e temas diferentes é o primeiro passo para escrever bem.
Se você quer desenvolver uma argumentação, é importante entrar em contato com muitos pontos de vista sobre um mesmo tema, até para formar a sua opinião. Sem uma opinião formada e uma ideia clara, não se argumenta com eficiência. O pensamento precisa estar claro para você antes de começar a escrever.
Um exercício válido é virar o 'advogado do diabo' do seu próprio texto. Ou seja: se colocar no ponto de vista oposto ao que você está defendendo, para tentar identificar os seus pontos falhos. Se você conseguir antecipar algumas dessas críticas, o resultado será mais sólido.
Na hora de passar para o papel, a importância da leitura volta a aparecer. Você pode até ter uma ideia e saber defendê-la quando conversa com as pessoas, mas a língua falada é uma e a língua escrita é outra. Quem sofre com esse abismo de ter uma ideia mas não conseguir passá-la para o papel, em geral, não tem as vivências de leitura para entender como aquilo pode ser traduzido.
Por fim, sem a reescrita, ninguém escreve bem. Infelizmente, não existe esse gênio que acerta um texto de primeira, de maneira espontânea. Eu sei que, para os jovens, reescrever dá uma certa preguiça. A gente pensa: 'Pô, mas eu já fiz isso!'. Mas não, você não fez. A cada reescrita o texto é sempre aprimorado."
Reescrita sem tédio
A leitura pelo docente ajuda quando o professor dá retornos. Carlos, coordenador pedagógico em Lages, sugere o uso de bilhetes autocolantes (veja dicas de como fazer os comentários no quadro abaixo). "É preciso indicar aos alunos o que está bom e o que não. Só um comentário ao final do texto não dá conta de tudo."
A professora Flávia Figueiredo de Paula Casa Grande, de Jardim Alegre, a 385 quilômetros de Curitiba, optou por uma estratégia diferente: a revisão feita pelo próprio autor. A EFM José Marti (Colégio Estadual do Campo), onde leciona, fica em um assentamento rural, e a questão da reforma agrária era muito cara aos alunos do 3º ano do Ensino Médio e foi escolhida como tema.
Os debates deixavam a sala em efervescência - os textos encontrados na internet tinham informações equivocadas - mas a produção escrita não contemplava a riqueza das discussões. Com um bom tempo reservado para a reescrita, ela sugeriu critérios para os estudantes analisarem seus textos. A introdução foi grifada de amarelo, a conclusão de azul e cada tipo de argumento de uma cor diferente. Cada jovem, então, observava sua produção. "Se faltasse a cor azul, então o texto precisaria ser reelaborado porque a conclusão é indispensável. Quando faltava uma cor que representava um tipo de argumento específico, eu perguntava: será que o texto consegue se sustentar sem ele, ou é necessário inseri-lo?", conta Flávia.
Para turmas mais novas, a sugestão de Carlos é que a atividade seja feita em duplas ou coletivamente. Também vale dar um destino às redações (como um blog, jornal escolar ou página do Facebook). Sabendo que haverá leitores reais, o engajamento é muito maior.
Consultoria: Carlos Eduardo Canani, Educador Nota 10 de 2016 e coordenador de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação de Lages (SC).
Foto: TOMÁS ARTHUZZI/Modelo: ANA CRISTINA MONATI/AGÊNCIA KIDS
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