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Jornalismo

A Educação fez isto se transformar nisto

Há 50 anos, Singapura e Brasil eram parecidos. Mas só por lá o ensino virou prioridade. Entenda por que eles deram o salto e nós não

PorRodrigo RatierJacqueline Hamine

04/02/2017

Crédito: GETTYIMAGES/ JOHN PRATT

O PAÍS: Singapura

 

Área

  • 710 km2 (metade da cidade de São Paulo)

População

  • 5,1 milhões
  • Brasil: 200 milhõesBrasil

IDH

  • 0,91 (muito alto)
  • Brasil: 0,75 (alto)

PIB por pessoa

  • 52,9 mil dólares
  • Brasil: 8,5 mil dólares

Principais atividades

  • Indústria de tecnologia, finanças, produtos químicos e turismo

Primeiro foi a Finlândia, agora é a vez de Singapura. Os holofotes do mundo da Educação iluminam, outra vez, um país bem diferente do nosso. O atual campeão de todas as áreas do Pisa é minúsculo - tem território equivalente à metade da cidade de São Paulo - e milionário - o PIB por pessoa é o terceiro maior do mundo, atrás de Catar e Luxemburgo. Portanto, é justo perguntar se não é modismo olhar para um lugar que, à primeira vista, não tem nada a ver com a gente.

Mas nem sempre foi assim. O cenário do ensino no pequeno arquipélago e no nosso país continental já foi bem parecido. "Detestei estudar na rede pública de Singapura. Naquela época - a década de 1970 -, a Educação era péssima", afirma Lin Goodwin, professora do Teachers College da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, que cresceu na ilha. "Ninguém queria ser professor e os que estavam em sala de aula eram ruins, a ponto de dar informações erradas." Em 1959, ano de sua independência da Grã-Bretanha, Singapura era apenas uma cidade portuária - seu porto era responsável pela geração de 70% de suas riquezas. O sistema escolar era para poucos, segregava etnias (chineses, malaios e indianos) e tinha má qualidade. Em 1960, a taxa de analfabetismo batia nos 47%. No Brasil, no mesmo ano, era menor: 40%.

Meio século se passou e bem... Brasil e Singapura hoje ocupam extremos opostos da qualidade do ensino. Os asiáticos são a locomotiva das avaliações internacionais, nós estamos nos últimos vagões. Por lá, o analfabetismo desceu a 3%, por aqui, estamos estacionados nos 8% desde 2011. Novamente, é justo perguntar por que eles conseguiram dar o salto na Educação - e nós não.

Os modernos arranha-céus tomaram o lugar das construções simples

Crédito: GETTYIMAGES/ ANUCHIT KAMSONGMUEANG

O pulo do tigre

O SISTEMA ESCOLAR

Total de escolas

  • 352
  • Brasil: 183 mil

Professores

  • 31 mil
  • Brasil: 2,1 milhões

Alunos

  • 434 mil
  • Brasil: 47,6 milhões
 
FONTE: MEC E MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DE SINGAPURA (2015). NÚMEROS DA EDUCAÇÃO BÁSICA (INCLUI ESCOLAS MISTAS, QUE OFERECEM FUNDAMENTAL E MÉDIO OU MÉDIO E SUPERIOR). 

 

O INVESTIMENTO

Valor por aluno/ano

  • 8.170 dólares
  • Brasil: 4.318 dólares
 
FONTE: BANCO MUNDIAL E MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DE SINGAPURA (2015) E EDUCATION AT A GLANCE 2016. INVESTIMENTO POR ALUNO EM DÓLARES PPP (AJUSTADOS PELA PARIDADE DO PODER DE COMPRA). CÁLCULO PRÓPRIO PARA OS VALORES DE SINGAPURA, COM DADOS DE CONVERSÃO DO BANCO MUNDIAL (2014).

Para começar, é preciso reconhecer que tamanho é documento. A ilha tem apenas 434 mil alunos na Educação Básica. O Brasil tem 110 vezes mais. "É mais fácil manobrar um caiaque que um navio de guerra", costumava dizer Lee Sing Kong, ex-diretor do Instituto Nacional de Educação (NIE, na sigla em inglês), a única instituição de formação de professores do país. Também não dá para ignorar o avanço econômico impulsionado por multinacionais de tecnologia, produtos químicos, transporte, finanças e turismo. Entre 1961 e 2013, a soma das riquezas produzidas em Singapura aumentou 390 vezes, perante 145 vezes no Brasil. Um PIB que cresce significa maior arrecadação e, por consequência, mais dinheiro irrigando o sistema escolar. Resultado: o valor investido por aluno é quase o dobro do gasto por aqui.

Mas isso é só uma parte da história. A turma da Educação também fez a lição de casa, tão básica quanto difícil: eleger o ensino como prioridade por um longo período - e cumprir a promessa. Na verdade, Singapura não tinha muita escolha. Como seu território não possuía qualquer recurso natural, o governo decidiu investir numa outra riqueza: as pessoas. "Desde a independência, era consenso de que a Educação seria o único caminho possível para o desenvolvimento", explica Lin.

As boas notícias não vieram de cara. Ao contrário, demoraram décadas para aparecer (veja mais na linha do tempo abaixo). O investimento inicial em construção de escolas e recrutamento de professores foi seguido pela valorização da carreira. Uma reforma turbinou a formação em serviço e concedeu um grande aumento salarial, equiparando a docência a outras profissões de nível superior. Atualmente, cada professor na ativa tem direito a 100 horas de cursos por ano. Um recém-formado começa ganhando o equivalente entre 3.600 reais e 4.700 reais.

Salas simples, sem pirotecnias tecnológicas, são a tônica do sistema
Foto: GETTYIMAGES/ ROSLAN RAHMAN/EQUIPA

UM LONGO CAMINHO

A evolução da qualidade demorou e dependeu de reformas estruturais

 

SOBREVIVÊNCIA (anos 1960 e 1970)
Período de rápida construção de escolas e recrutamento massivo de professores, com foco no atendimento e não na qualidade. A ideia era formar trabalhadores para a nascente manufatura de exportação, baseada em baixo custo e trabalhadores pouco especializados.
EFICIÊNCIA (anos 1980 e 1990)
Para qualificar a mão de obra, o governo cria três tipos de formação: acadêmica, politécnica e de treinamento técnico. A separação por rotas era decidida pelo desempenho acadêmico, o que gera críticas por marginalizar os alunos com mais dificuldade.
HABILIDADES (anos 2000)
A economia do país migra para a indústria de tecnologia. A Educação responde com um currículo focado no desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico, com autonomia para os professores. A mudança é a mais relevante para a qualidade atual.
VALORES (anos 2010)
Reforço aos valores "necessários para o século 21", como consciência social, autorregulação, decisão responsável e trabalho coletivo. A função do professor passa a ser desenhar desafios para o aprendizado e ajudar os alunos a encontrar soluções.
Fonte: INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (NIE)/DIVULGAÇÃO

A formação de professores é exclusiva do Instituto Nacional de Educação (NIE)

Foto: INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (NIE)/DIVULGAÇÃO

Economia, uma influência fundamental

Outras mudanças atingiram o currículo, que passou a ser permanentemente atualizado, e o modelo de Educação, que migrou de um padrão conteudista tradicional (o combo disciplina rígida + cultura de provas + extensa lista de conteúdos, comum nas nações asiáticas) para o ensino baseado em competências, com foco em procedimentos de pesquisa, raciocínio lógico, liderança e trabalho em grupo. A transformação atendeu, inicialmente, à guinada econômica do país. Na virada para o século 21, o governo desejava atrair negócios de inovação e tecnologia e, para isso, precisava de trabalhadores mais qualificados. Mas as mudanças têm sido aprofundadas com base na constatação de que um currículo mais maleável e um sistema escolar menos estressante melhoram o engajamento dos alunos. O questionário do Pisa 2012 registra 81% de estudantes satisfeitos com a escola em Singapura. É um índice superior ao dos vizinhos de alto desempenho, como Coreia do Sul (65%), Japão (67%) e Xangai, na China (69%). Agora, um novo movimento chamado Teach Less, Learn More (ensine menos, aprenda mais) prega a redução do currículo para abrir espaços livres na rotina escolar. São momentos para ouvir os alunos e incentivá-los a cultivar o pensamento crítico - algo curioso num Estado rígido como Singapura. O país não é uma ditadura clássica, pois as eleições são consideradas livres por observadores internacionais. Mas o mesmo partido está no poder desde a independência, há casos de censura e a oposição costuma sofrer processos milionários por difamação, o que põe a liberdade de expressão em risco.

Foto: INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (NIE)/DIVULGAÇÃO

Uma carreira cobiçada

OS INDICADORES

 

Posição no Pisa

  • 1o lugar em Leitura, Matemática e Ciências
  • Brasil: 59o em Leitura, 66o em Matemática e 63o em Ciências (entre 70 países)

Taxa de analfabetismo

  • 3,2%
  • Brasil: 8,3%
 
FONTE: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
DE SINGAPURA, OCDE E IBGE (2014).

Os resultados invejáveis, porém, não seriam possíveis sem um sistema capaz de atrair, selecionar e reter os melhores profissionais. Em Singapura, apenas os 30% melhores alunos do Ensino Médio podem pleitear uma vaga na formação de professores. Em seguida, uma rigorosa entrevista elimina cerca de 50% dos candidatos. Quem passa pelo funil é recompensado. Os graduandos recebem bolsa durante a faculdade, e os melhores alunos ganham curso de mestrado (o que eleva o salário de partida para entre 6.900 reais e 7.800 reais).

Já na ativa, os melhores profissionais são convidados a formar colegas em diferentes níveis - na própria escola, na região e no instituto de formação de professores, ministrando disciplinas e sugerindo modificações no currículo nacional. Tudo isso sem abandonar a sala de aula (eles seguem lecionando com carga reduzida). "É impressionante a velocidade para identificar os destaques. Por isso, o sistema avança muito rápido", diz Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann, mantenedora de NOVA ESCOLA. A qualidade vem basicamente desse conjunto de ações. O país não exagera na tecnologia, não trabalha com material apostilado nem com bônus por desempenho. Aumentos de salário estão ligados a mudança de cargo ou ao tempo de serviço.

Apesar de estarem no topo do Pisa, os singapurenses acham que ainda há muito por fazer. "Em 2015, quando visitei o país e conheci o ministro da Educação, a primeira coisa que ele me disse foi que precisávamos conhecer o trabalho de Xangai, na China?, afirma Denis. A postura humilde é uma boa inspiração para o Brasil (veja no quadro abaixo outras sugestões simples que poderiam ser aplicadas por aqui). O resto é a típica receita do não milagre. "Nossa visão é de longo prazo. Construímos o futuro olhando para as experiências do passado e sempre em conjunto. Isso significa que formação de professores, escolas e Ministério da Educação precisam caminhar juntos", afirma Tan Oon Seng, atual diretor do NIE. Ao conceber o professor como eixo das mudanças, a ilha conseguiu alavancar sua Educação. Talvez a gente possa fazer o mesmo por aqui.

 

DÁ PARA FAZER AQUI E AGORA

Quatro soluções de baixo custo que podem ser aplicadas no Brasil

Bolsa para alunos

A formação de professores é gratuita e todos os estudantes recebem bolsa (60% do salário inicial). Aqui, isso ocorre em menor escala com o Pibid e na formação de policiais.

Valorização do gestor

Em Singapura, cada novo gestor é recebido pelo primeiro-ministro. Por aqui, dá para pensar em cerimônias com prefeitos, governadores ou secretários.

Redução do currículo

É a tendência do movimento Teach Less, Learn More e, por aqui, um caminho para a Base Nacional. Mas é preciso aproveitar o espaço com atividades que motivem os alunos.

Da sala à faculdade

Quatro quintos do currículo de formação são dedicados às didáticas e à gestão de sala. E os melhores da Educação Básica são chamados para lecionar na universidade.

Sistema de mentoria 

Todo professor iniciante recebe a ajuda de um mentor durante um ano. Os mais experientes auxiliam nos desafios que a teoria não consegue prever por completo.

Futuros professores em aula na faculdade: bolsa para todos os alunos
Foto: INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (NIE)/DIVULGAÇÃO

 

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