A Educação fez isto se transformar nisto
Há 50 anos, Singapura e Brasil eram parecidos. Mas só por lá o ensino virou prioridade. Entenda por que eles deram o salto e nós não
PorRodrigo RatierJacqueline Hamine
04/02/2017
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Jornalismo
PorRodrigo RatierJacqueline Hamine
04/02/2017
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Primeiro foi a Finlândia, agora é a vez de Singapura. Os holofotes do mundo da Educação iluminam, outra vez, um país bem diferente do nosso. O atual campeão de todas as áreas do Pisa é minúsculo - tem território equivalente à metade da cidade de São Paulo - e milionário - o PIB por pessoa é o terceiro maior do mundo, atrás de Catar e Luxemburgo. Portanto, é justo perguntar se não é modismo olhar para um lugar que, à primeira vista, não tem nada a ver com a gente.
Mas nem sempre foi assim. O cenário do ensino no pequeno arquipélago e no nosso país continental já foi bem parecido. "Detestei estudar na rede pública de Singapura. Naquela época - a década de 1970 -, a Educação era péssima", afirma Lin Goodwin, professora do Teachers College da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, que cresceu na ilha. "Ninguém queria ser professor e os que estavam em sala de aula eram ruins, a ponto de dar informações erradas." Em 1959, ano de sua independência da Grã-Bretanha, Singapura era apenas uma cidade portuária - seu porto era responsável pela geração de 70% de suas riquezas. O sistema escolar era para poucos, segregava etnias (chineses, malaios e indianos) e tinha má qualidade. Em 1960, a taxa de analfabetismo batia nos 47%. No Brasil, no mesmo ano, era menor: 40%.
Meio século se passou e bem... Brasil e Singapura hoje ocupam extremos opostos da qualidade do ensino. Os asiáticos são a locomotiva das avaliações internacionais, nós estamos nos últimos vagões. Por lá, o analfabetismo desceu a 3%, por aqui, estamos estacionados nos 8% desde 2011. Novamente, é justo perguntar por que eles conseguiram dar o salto na Educação - e nós não.
Os modernos arranha-céus tomaram o lugar das construções simples
Crédito: GETTYIMAGES/ ANUCHIT KAMSONGMUEANGTotal de escolas
Professores
Alunos
Valor por aluno/ano
Para começar, é preciso reconhecer que tamanho é documento. A ilha tem apenas 434 mil alunos na Educação Básica. O Brasil tem 110 vezes mais. "É mais fácil manobrar um caiaque que um navio de guerra", costumava dizer Lee Sing Kong, ex-diretor do Instituto Nacional de Educação (NIE, na sigla em inglês), a única instituição de formação de professores do país. Também não dá para ignorar o avanço econômico impulsionado por multinacionais de tecnologia, produtos químicos, transporte, finanças e turismo. Entre 1961 e 2013, a soma das riquezas produzidas em Singapura aumentou 390 vezes, perante 145 vezes no Brasil. Um PIB que cresce significa maior arrecadação e, por consequência, mais dinheiro irrigando o sistema escolar. Resultado: o valor investido por aluno é quase o dobro do gasto por aqui.
Mas isso é só uma parte da história. A turma da Educação também fez a lição de casa, tão básica quanto difícil: eleger o ensino como prioridade por um longo período - e cumprir a promessa. Na verdade, Singapura não tinha muita escolha. Como seu território não possuía qualquer recurso natural, o governo decidiu investir numa outra riqueza: as pessoas. "Desde a independência, era consenso de que a Educação seria o único caminho possível para o desenvolvimento", explica Lin.
As boas notícias não vieram de cara. Ao contrário, demoraram décadas para aparecer (veja mais na linha do tempo abaixo). O investimento inicial em construção de escolas e recrutamento de professores foi seguido pela valorização da carreira. Uma reforma turbinou a formação em serviço e concedeu um grande aumento salarial, equiparando a docência a outras profissões de nível superior. Atualmente, cada professor na ativa tem direito a 100 horas de cursos por ano. Um recém-formado começa ganhando o equivalente entre 3.600 reais e 4.700 reais.
A evolução da qualidade demorou e dependeu de reformas estruturais
A formação de professores é exclusiva do Instituto Nacional de Educação (NIE)
Foto: INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (NIE)/DIVULGAÇÃO
Outras mudanças atingiram o currículo, que passou a ser permanentemente atualizado, e o modelo de Educação, que migrou de um padrão conteudista tradicional (o combo disciplina rígida + cultura de provas + extensa lista de conteúdos, comum nas nações asiáticas) para o ensino baseado em competências, com foco em procedimentos de pesquisa, raciocínio lógico, liderança e trabalho em grupo. A transformação atendeu, inicialmente, à guinada econômica do país. Na virada para o século 21, o governo desejava atrair negócios de inovação e tecnologia e, para isso, precisava de trabalhadores mais qualificados. Mas as mudanças têm sido aprofundadas com base na constatação de que um currículo mais maleável e um sistema escolar menos estressante melhoram o engajamento dos alunos. O questionário do Pisa 2012 registra 81% de estudantes satisfeitos com a escola em Singapura. É um índice superior ao dos vizinhos de alto desempenho, como Coreia do Sul (65%), Japão (67%) e Xangai, na China (69%). Agora, um novo movimento chamado Teach Less, Learn More (ensine menos, aprenda mais) prega a redução do currículo para abrir espaços livres na rotina escolar. São momentos para ouvir os alunos e incentivá-los a cultivar o pensamento crítico - algo curioso num Estado rígido como Singapura. O país não é uma ditadura clássica, pois as eleições são consideradas livres por observadores internacionais. Mas o mesmo partido está no poder desde a independência, há casos de censura e a oposição costuma sofrer processos milionários por difamação, o que põe a liberdade de expressão em risco.
Uma carreira cobiçada
Posição no Pisa
Taxa de analfabetismo
Os resultados invejáveis, porém, não seriam possíveis sem um sistema capaz de atrair, selecionar e reter os melhores profissionais. Em Singapura, apenas os 30% melhores alunos do Ensino Médio podem pleitear uma vaga na formação de professores. Em seguida, uma rigorosa entrevista elimina cerca de 50% dos candidatos. Quem passa pelo funil é recompensado. Os graduandos recebem bolsa durante a faculdade, e os melhores alunos ganham curso de mestrado (o que eleva o salário de partida para entre 6.900 reais e 7.800 reais).
Já na ativa, os melhores profissionais são convidados a formar colegas em diferentes níveis - na própria escola, na região e no instituto de formação de professores, ministrando disciplinas e sugerindo modificações no currículo nacional. Tudo isso sem abandonar a sala de aula (eles seguem lecionando com carga reduzida). "É impressionante a velocidade para identificar os destaques. Por isso, o sistema avança muito rápido", diz Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann, mantenedora de NOVA ESCOLA. A qualidade vem basicamente desse conjunto de ações. O país não exagera na tecnologia, não trabalha com material apostilado nem com bônus por desempenho. Aumentos de salário estão ligados a mudança de cargo ou ao tempo de serviço.
Apesar de estarem no topo do Pisa, os singapurenses acham que ainda há muito por fazer. "Em 2015, quando visitei o país e conheci o ministro da Educação, a primeira coisa que ele me disse foi que precisávamos conhecer o trabalho de Xangai, na China?, afirma Denis. A postura humilde é uma boa inspiração para o Brasil (veja no quadro abaixo outras sugestões simples que poderiam ser aplicadas por aqui). O resto é a típica receita do não milagre. "Nossa visão é de longo prazo. Construímos o futuro olhando para as experiências do passado e sempre em conjunto. Isso significa que formação de professores, escolas e Ministério da Educação precisam caminhar juntos", afirma Tan Oon Seng, atual diretor do NIE. Ao conceber o professor como eixo das mudanças, a ilha conseguiu alavancar sua Educação. Talvez a gente possa fazer o mesmo por aqui.
Quatro soluções de baixo custo que podem ser aplicadas no Brasil
Bolsa para alunosA formação de professores é gratuita e todos os estudantes recebem bolsa (60% do salário inicial). Aqui, isso ocorre em menor escala com o Pibid e na formação de policiais. |
Valorização do gestorEm Singapura, cada novo gestor é recebido pelo primeiro-ministro. Por aqui, dá para pensar em cerimônias com prefeitos, governadores ou secretários. |
Redução do currículoÉ a tendência do movimento Teach Less, Learn More e, por aqui, um caminho para a Base Nacional. Mas é preciso aproveitar o espaço com atividades que motivem os alunos. |
Da sala à faculdadeQuatro quintos do currículo de formação são dedicados às didáticas e à gestão de sala. E os melhores da Educação Básica são chamados para lecionar na universidade. |
Sistema de mentoriaTodo professor iniciante recebe a ajuda de um mentor durante um ano. Os mais experientes auxiliam nos desafios que a teoria não consegue prever por completo. |
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