Inovação: o que vai ajudar a mudar sua aula
Conheça o cardápio de novas metodologias que colocam o aluno no centro e o professor, ativo como nunca
PorRodrigo RatierPedro AnnunciatoAlice Vasconcellos
04/02/2017
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Jornalismo
PorRodrigo RatierPedro AnnunciatoAlice Vasconcellos
04/02/2017
Aula expositiva, livro didático, provas. Era assim, bem tradicional, a forma de trabalho de Eric Freitas Rodrigues, professor de História na EMEF Emílio Carlos, no Rio de Janeiro. "Não me sentia satisfeito. Era difícil manter o interesse dos alunos e poucos tinham rendimento satisfatório", conta ele. A virada veio em 2014, quando ele conheceu um grupo de pesquisadores que propôs uma experiência. Em vez de puxar lousa na frente da sala, ele deveria preparar materiais - vídeos, textos e imagens - para a turma explorar por conta própria. Em seguida, em pequenos grupos e com a intervençao do professor, o conteúdo seria discutido. Por fim, a turma responderia a um quiz, questionário online que permitiria um diagnóstico para determinar os próximos passos.
O fim dessa história está nas páginas seguintes, junto com outras que mostram como a forma de ensinar e aprender está mudando. Em todas, as dificuldades existiram - no caso de Eric, só havia oito computadores, sem acesso à internet, numa turma que chegou a ter 40 alunos. Mas não impediram a inovação. Essa palavra, aliás, costuma ser mal compreendida, vista como um sinônimo de tecnologia. Não é. "De nada vale colocar uma lousa digital na sala e a aula prosseguir como era antes. A inovação deve ser muito mais metodológica do que tecnológica", explica Lilian Bacich, doutora em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo (USP) e uma das pesquisadoras que orientou o trabalho de Eric.
"Inovar é perseguir o objetivo de melhorar as experiências de aprendizagem, os resultados acadêmicos e os projetos de vida dos estudantes por meio de soluções novas", conceitua Alfredo Hernandes Calvo, psicólogo da Universidade Pontifícia de Salamanca, na Espanha, e coordenador do projeto Escuela 21, referência em inovação escolar. Para ele, a inovação se sustenta em dois pilares: criatividade e resultado. Criatividade sem resultado é modismo, e resultado sem criatividade não dura muito tempo. Enquanto não surgem pesquisas em larga escala sobre as novidades, não dá para tirar conclusões definitivas. Mas o nítido aumento no engajamento dos alunos (uma constante nas metodologias selecionadas para esta reportagem) é um indício promissor. Afinal, alunos engajados aprendem mais.
Não é por acaso. Todas as novas formas de trabalho exigem um aluno mais ativo, que aprende pela interação com os colegas e cria projetos. Para o professor, a atuação também muda: o papel central passa a ser elaborar e orientar desafios de aprendizagem, em vez de apenas transmitir informações. Soa familiar? Sim, essas tendências têm relação com muito do que a Psicologia da Educação já sabia. Os estudos de Jean Piaget (1896-1980), o desenvolvimento do pensamento infantil e a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner são a inspiração de muitas inovações. "Hoje, a diferença fundamental está na ação do computador e do smartfone, que interagem de forma mais ativa que um brinquedo do tempo de Piaget. Mas as ideias dele sobre o aprendizado pelo estímulo e a figura fundamental do professor como orientador permanecem nas novas práticas", compara Lino de Macedo, professor aposentado do Instituto de Psicologia da USP.
Para resumir: há um caminho novo pela frente, mas apoiado em terreno sólido. E existem experiências que podem inspirar você a experimentar, com poucos ou muitos recursos. A seguir, NOVA ESCOLA traz uma análise de seis dessas metodologias, com suas vantagens, limites e dicas práticas para começar a aplicá-las.
O que é
Considerada uma modalidade de ensino híbrido, propõe literalmente uma inversão. Enquanto no modelo tradicional o professor usa a aula para explicar e dá lição de casa, na sala de aula invertida, ele grava o ponto em vídeo ou adota outros materiais digitais para o aluno explorar sozinho antes de vir para a escola, deixando o tempo de aula para tirar dúvidas, resolver problemas e construir projetos.
Vantagens
A otimização do tempo permite dedicar mais energia a atender cada aluno individualmente, ou em pequenos grupos, além de abrir espaço para a colaboração e o trabalho em equipe. Também proporciona um certo nível de personalização, uma vez que o estudante pode assistir às explicações no seu ritmo.
Pontos de atenção
Requer mais trabalho fora do período de aula - especialmente se a opção for gravar o próprio material. É necessário, ainda, garantir a infraestrutura para produzir e distribuir os vídeos pelo YouTube ou em pen drives, e para que todos os alunos possam assistir (acesso à internet, computadores etc.)
Primeiros passos para começar
- Avalie quais conteúdos pode ser mais faculmente adaptáveis (em geral, os que exigem mais tempo de explicação) e se há bom material já disponível na internet.
- Se a opção for produzir seus próprios vídeos, não improvise: faça um roteiro com as ideias principais que você vai abordar.
- Dê preferência a vídeos curtos.
Grau de inovação
Alto - Altera a dinâmica das aulas, que se tornam bem mais práticas.
Custo
Médio - Você vai precisar de uma câmera ou CDs para distribuir o material.
Caso real
Em 2007, ao assumirem as aulas de Química da Woodland Park High School, no Colorado, nos Estados Unidos, Aaron Sams e Jonathan Bergmann notaram que o índice de faltas era alto. É que boa parte dos 950 alunos de Ensino Médio viviam em áreas rurais. Para ajudar os faltosos, eles começaram a gravar parte da aula dada em sala e postar na internet. A iniciativa agradou tanto que os docentes pensaram: por que não gravar todas as explicações para serem vistas em casa e aproveitar o tempo de aula em atividades mais interessantes? "Para quem não tinha computador, a escola conseguiu equipamentos para empréstimo", contou Aaron. Nos resultados, o desempenho de estutantes com bom rendimento não se alterou, mas o de alunos com maior dificuldade melhorou consideravelmente.
O que é
Também chamada de "aprendizagem mão na massa", é essencialmente prática. Os alunos podem construir circuitos elétricos, robôs e o que mais a criatividade permitir, aplicando técnicas manuais e recursos computacionais. Montando protótipos (modelos para teste), desenvolvem habilidades que vão além do currículo convencional, como lógica de programação ou manuseio de ferramentas, de martelos a impressoras 3D.
Vantagens
Além de aplicar conteúdos de Ciências e Matemática, estimula a criatividade, o trabalho em grupo e a autonomia, já que os alunos têm liberdade para escolher no que trabalhar.
Pontos de atenção
Como, em geral, os projetos não são necessariamente ligados ao currículo, a tendência é que a metodologia funcione como um complemento no contraturno ou em projetos específicos. Além disso, exige um laboratório (na escola ou um parceiro) ou, ao menos, algumas adaptações na sala de aula e a aquisição de algumas ferramentas, o que pode custar caro.
Primeiros passos para começar
- Se o projeto exigir programação ou robótica, busque parceiros ou guias na internet, como o computacaonaescola.ufsc.br.
- Inicie com algum projeto já etstado. O site Porvir traz casos inspiradores em bit.ly/podcasts-maker.
- Preveja espaço na grade horária.
- Aproveite os FabLabs, espaços com infraestrutura para a prototipação. Você poderá encontrá-los em redefablabbrasil.org.
Grau de inovação
Alto - Integra disciplinas e traz conteúdos novos para a aula.
Custo
Alto - Há propostas mais baratos, mas equipamentos como impressoras 3D não saem por menos de 1.400 reais.
Caso real
O Colégio Bandeirantes, em São Paulo, implementou em 2016 uma abordagem diferene no ensino de Ciências, em que a aprendizagem mão na massa tem um papel fundamental. É o programa Steam (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática, na sigla em inglês). Trata-se de uma reorganização do currículo em que os conteúdos de várias áreas são trabalhados de forma integrada na metodologia maker. Uma das propostas foi a construção de um carrinho que deveria alcançar certa velocidade. Para isso, cada grupo teve que utilizar cálculos, conceitos de Física e criatividade para construir protótipos com materiais simples, como madeira e fios. A avaliação leva em conta não apenas a produção final, mas a participação ativa.
O que é
Significa usar dispositivos móveis, como tablets, celulares e notebooks. Mas não pelo fato de estarem na moda e serem cobiçados pelos alunos, e sim por permitirem um aprendizado multimídia e que se estude em qualquer hora e lugar. A ideia é acessar recursos educacionais digitais e, no caso de aplicativos que coletem dados de desempenho, ter um diagnóstico individualizado de cada aluno ao executar uma tarefa para favorecer o planejamento das aulas seguintes.
Vantagens
Permite a personalização em diferentes situações, pois é possível adequar o ensino às necessidades de cada indivíduo. O professor pode, por exemplo, analisar rapidamente o desempenho em um aplicativo de testes e identificar quais pontos precisam de reforço.
Pontos de atenção
Introduzir jogos e apps por si só não é suficiente (ao contrário: podem ser uma indesejada distração). O aluno precisa aprender algo ? e de forma mais completa do que se apenas lesse um livro ou copiasse a lousa. E, embora dispositivos móveis sejam cada vez mais comuns (especialmente smartfones), nem todos os alunos têm acesso.
Primeiros passos para começar
- O curso gratuito sobre ensino híbrido (ensinohibrido.org) ajuda a pensar em quais momentos o uso de dispositivos móveis é mais eficiente.
Grau de inovação
Baixo - Em muiros casos, não muda o ensino tradicional.
Custo
Médio - Se nem todos os alunos tiverem dispositivos, a escola terá que fornecê-los.
Caso real
Para driblar a escassez de computadores e a falta de internet na escola, Eric Freitas Rodrigues, professor de História na EMEF Emílio Carlos, no Rio de Janeiro, levou os notebooks com o material gravado e dividiu a turma em grupos. Na falta de um (caro) aplicativo para o quiz, ele optou pelo Google Forms, ferramenta gratuita que permite criar formulários. Os alunos respondiam a testes diagnósticos, a partir dos quais Eric personalizava as aulas seguintes, usando os dispositivos móveis sempre que o conteúdo pudesse ser melhor ensinado com eles. Foi o caso das atividades para os alunos de alto rendimento, que complementaram o estudo do 1º Reinado no Brasil (1822-1831) por meio de análise de imagens de época no computador.
O que é
Muito ligada a Ciências, propõe que os alunos partam de um problema concreto para discutir um conteúdo (o caso real acima traz um bom exemplo). Esse problema, que pode ser proposto pela própria turma, é investigado por meio de procedimentos típicos do método científico, como formação de hipóteses, coleta de evidências e experimentação, com a mediação do professor. A prioridade é o estímulo ao raciocínio lógico, à argumentação e ao trabalho coletivo.
Vantagens
Ao se esforçar para entender o problema, pesquisar dados, formular e confrontar hipóteses, o aluno coloca suas estruturas de pensamento em conflito o tempo todo, o que gera um grande desenvolvimento de habilidades, como raciocínio lógico, no entendimento e resolução de uma questão.
Pontos de atenção
O problema proposto precisa ser significativo para os alunos, estar de acordo com os conhecimentos prévios da turma e, ao mesmo tempo, oferecer um desafio que exija esforço. Se o problema for muito difícil ou muito fácil, não haverá motivação.
Primeiros passos para começar
- Inicie pelo básico, sondando os interesses da turma e os conteúdos do ano letivo. Um bom problema deve contemplar as duas coisas.
- Não escolha um primeiro problema muito complicado. Você se arrisca a gastar muitas aulas e esquecer o resto do currículo ? ou a não resolvê-lo.
- Priorize problemas que permitam experiências concretas.
Grau de inovação
Alto - Abandona o modelo conteudista e foca em habilidades de raciocínio.
Custo
Baixo - Basicamente, só depende de uma mudança na maneira de planejar as aulas.
Caso real
Wanessa Pickina Silva Suzuki, professora de Ciências na CE Paulo Freire, em Londrina (PR), propôs aos alunos do 8º ano uma investigação sobre a presença dos microrganismos em vários ambientes da escola. A turma, então, fez uma lista de hipóteses sobre quais seriam os mais contaminados e, com a ajuda da docente, decidiu fazer experimentos. Os alunos coletaram material utilizando cotonetes e o depositaram em um substrato que fornecesse alimento, e descobriram que caldo de carne com gelatina incolor funcionaria bem. Também debateram sobre onde deixar as amostras para descansar. Por fim, registraram os resultados. ?Foi quando pude ver quanto avançaram na capacidade de argumentar?, diz.
O que é
Ficou popular como o ?método dos post-its?, o que é um perigoso equívoco. O uso dos papéis adesivos é um meio e não um fim em si. É só um jeito simples e barato de organizar o pensamento que facilita a construção coletiva de soluções para um problema. Ele ajuda bastante em algumas etapas, como o brainstorming (cada ideia em um papel), na seleção das melhores soluções (basta descartar as menos votadas) e na hierarquização de prioridades (é só trocar a ordem dos post-its na folha em que estão colados).
Vantagens
Permite manter um processo organizado e, ao mesmo tempo, criativo e flexível, em que todos os alunos podem opinar com ideias, testar hipóteses e exercitar a capacidade de trabalhar coletivamente.
Pontos de atenção
O design thinking não é uma metodologia pedagógica, e sim uma ferramenta que pode ser apropriada pela escola ? seja em sala de aula, seja na sala dos professores (bit.ly/reuniao-dt) ? para organizar um projeto. Especialmente se houver necessidade de uma decisão ágil e o desejo de chegar a um produto final a partir da organização de tarefas.
Primeiros passos para começar
- O Instituto Educa Digital criou o site Design Thinking para Educadores (dtparaeducadores.org.br), com bom material.
- Outra boa fonte é a Criativos na Escola (criativosdaescola.com.br), que faz parte do movimento global Design for Change, encabeçado no Brasil pelo Instituto Alana.
- Nos processos de brainstorming, vale obedecer uma regra de ouro: não existe ideia ruim. Isso favorece a criatividade e ajuda todo mundo a arriscar soluções sem medo de críticas.
Grau de inovação
Médio - Trabalhar em projetos não é novidade, o que muda é a forma de fazê-los.
Custo
Baixo - Só necessita de materiais básicos de papelaria.
Caso real
Na EMEF Padre José Pegoraro, em São Paulo, os alunos queriam fazer um vídeo para resgatar a autoestima no bairro. O professor de Geografia Carlos Amorim se perguntava como ajudá-los quando conheceu o Design for Change, movimento que leva o design thinking para a Educação. O primeiro passo foi pedir que os alunos registrassem suas ideias em post-its. ?Combinamos que não era hora de criticar as sugestões. Quanto mais propostas, melhor?, diz. Em seguida, os adesivos agrupados por semelhança foram colados num papel Kraft. Depois, foi hora da análise das ideias: apenas os post-its com os temas mais votados pela classe sobreviveram. Sobraram dois: espaços de lazer e história. Num debate, os alunos optaram pelo último. Eles já podiam começar a produzir a obra Grajaú ? Onde São Paulo Começa.
O que é
Uma metodologia que utiliza a estrutura típica dos games ? fases, pontuação, recompensas ? para criar um itinerário de aprendizagem. Assim como nos jogos eletrônicos, os alunos se tornam ?personagens? que se movem em uma narrativa criada pelo professor e pela própria turma. Para avançar, é preciso cumprir tarefas desafiadoras até chegar ao ponto final, que pode ser um produto. A avaliação é substituída por um sistema de pontuações, gráficos e barras. Leitores de QR Code e realidade aumentada costumam ser utilizados.
Vantagens
A dinâmica dos games torna a aula mais divertida e estimulante, e costuma engajar os alunos. Além disso, a avaliação ganha um caráter mais transparente e menos punitivo, já que o erro ? o game over ? é parte do jogo, e sempre é possível tentar de novo.
Pontos de atenção
É uma metodologia muito complexa. Criar uma narrativa interessante que engaje os alunos e, ainda, dialogue com os conteúdos é uma tarefa árdua. Vale se inspirar em experiências comprovadas.
Primeiros passos para começar
- A gente recomenda que sua primeira experiência seja a adaptação de um jogo conhecido. O e-book gratuito Gamificação na Educação (bit.ly/ebook-gami) e o especial Tecnologia na Educação, do Porvir (porvir.org/especiais/tecnologia), trazem boas sugestões.
Grau de inovação
Alto - Transforma a lógica do ensino e as formas de avaliação.
Custo
Médio - Se envolver jogos eletrônicos, exigirá equipamentos.
Caso real
O exemplo mais ousado de gamificação vem de uma escola pública em Nova York, Estados Unidos. A Quest to Learn foi fundada pelo Institute for Play, que reúne desenvolvedores de jogos, e possui um currículo inteiramente baseado em jogos. Não há disciplinas. Em alguns casos, os estudantes assumem avatares que fazem parte da narrativa e precisam trabalhar juntos para superar cada etapa. Um dos jogos consistia em resolver um conflito entre fantasmas do Museu Americano de História Natural. Eles discutiam o que, de fato, tinha ocorrido na Guerra de Independência americana. Um fantasma tinha sido um escravo, outro um soldado e outro um proprietário de terra. Cada avatar assumia um ponto de vista, que possibilitava aos alunos analisar o conflito sob diversas perspectivas.
Fontes: Adelmo Eloy, coordenador de inovação do Instituto Ayrton Senna, Andreia Zompero, doutora em Ensino de Ciências pela UEL, Carol Pasquali, diretora de comunicação do Instituto Alana, Cristiana Mattos de Assumpção, coordenadora de Tecnologia Educacional do Colégio Bandeirantes, Elaine Pinheiro, CEO da Recode, Fernando Mello Trevisani, mestre em Educação matemática e novas tecnologias pela Unesp, e Leo Burd, pesquisador do Centro de Aprendizado Móvel do MIT
Consultoria: Lilian Bacich, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP
Ilustrações: Bruno Nunes
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