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Jornalismo

Romero Britto na escola: sim ou não? Levantar essa bola é receita certa para arranjar confusão entre os educadores. Toda pergunta binária é polêmica por natureza. Mas essa tem alto potencial para respostas apaixonadas. "Claro que sim! É o artista brasileiro mais conhecido, tem um trabalho lindo e alegre", defenderá a maioria. "De jeito nenhum! Nem por cima do meu cadáver com cara de gatinho e coração colorido no rosto", dirá algum crítico de sua obra.

Romero Britto,

Victory, 2005.

Acrílico sobre tela,

91,4 cm x 60,9 cm

O alvoroço tem origem em um outro quiproquó: a confusão que existe entre gosto pessoal, aspectos artísticos e critérios pedagógicos. Definir o que é cada uma dessas coisas pode ajudar a dar uma resposta serena e embasada para a pergunta que abre esta reportagem. Essa é a contribuição que pretendemos trazer aqui.

Para começar, o óbvio: o recifense Romero Britto é um sucesso mundial. Seu trabalho pode ser visto em espaços tão diferentes quanto a principal casa de shows da Alemanha e uma caneca de cerveja feita no Brasil. Seu trabalho tem o mérito de se comunicar com o gosto popular. O segredo? Cores vibrantes, texturas geométricas, contornos grossos e figuras de flores, corações e animais. Esse conjunto passa uma mensagem de amor, esperança e alegria, como o próprio artista explica em entrevista exclusiva a NOVA ESCOLA (leia abaixo). Portanto, uma Educação que dialoga com a realidade dos alunos e de seu entorno não pode ignorar Britto.

 

Sucesso de público, fracasso de crítica

Sua produção é tão famosa quanto controversa - e aí já estamos falando de critérios artísticos. Quem defende o pintor costuma mencionar influências do cubismo, sobretudo de Pablo Picasso, e de artistas da Pop Art, como Andy Warhol e Roy Lichtenstein. A maioria dos especialistas, porém, diz que as comparações são imprecisas.

Picasso é um artista multifacetado, um experimentador por natureza, que transitou pela pintura figurativa e pelo impressionismo antes de fundar o cubismo. Já a Pop Art é essencialmente um movimento que revela as técnicas industriais, muitas vezes usando de sarcasmo para abordar o consumo desenfreado. "O pop não são as cores, o apelo popular e os temas publicitários. Ele é uma provocação disso. E como Britto só abraça o consumo sem questionamento, não pode ser enquadrado como discípulo desse movimento", argumenta o artista plástico e cientista social Frederico Filippi, especialista em Estética da Arte.

E não é só uma questão de atitude. Para boa parte dos artistas plásticos, curadores e galeristas, suas obras também ficam devendo nos critérios propriamente artísticos - escolhas aleatórias de cor, que não trazem ganho plástico à tela, e estampas pobres (veja uma análise comparativa entre quadros de Britto e de Lichtenstein mais abaixo). O artista, porém, diz não se importar com as críticas. Cita colecionadores famosos e o indiscutível êxito de público como prova de qualidade.

 

Foto: 15 GEOFFREY CLEMENTS/GETTYIMAGES

 

Para os pequenos, referência antiquada

A escola, claro, não é sua sala de estar nem uma galeria de arte. Isso significa, primeiro, que o gosto pessoal não pode ser o fundamento de escolha dos artistas que você vai apresentar para a turma. Os aspectos artísticos importam, mas também não embasam, isoladamente, a decisão. Os critérios que pautam a seleção de um artista para o currículo precisam considerar as contribuições que ele traz para o ensino da disciplina e a ampliação do repertório cultural de crianças e jovens. Entramos, agora, no terreno da Educação.

Nessa área, a maior parte dos especialistas concorda que Romero Britto não atende às necessidades do moderno ensino da Arte, apoiado num tripé que inclui leitura de obras (apreciação), análise sobre teoria e história da arte (contextualização) e fazer artístico (produção).

Vamos por partes. "A apreciação fica prejudicada pois seu trabalho é uma simplificação de imagens, cores, traços", diz Rejane Coutinho, professora da pós-graduação em Arte e Educação na Unesp, em São Paulo. Quanto à contextualização, ela afirma que há pouco diálogo da obra com as condições de produção, a história do autor ou as características da sociedade em que ela foi gerada: "Britto foca no palatável, sem propor reflexão".

Por fim, em relação à produção, a dificuldade é a ausência de um percurso criador robusto. Como sua obra quase não varia (veja em britto.com/portuguese), os alunos têm poucos elementos para entender a evolução de seu trabalho. "A obra de um artista deve revelar as experimentações que ele fez, as técnicas que incorporou em sua trajetória e o que se tornou marca de sua poética", exemplifica Rosa Iavelberg, professora da Faculdade de Educação da USP.

Há, ainda, um problema pior - e esse não é culpa do artista. Na maioria das escolas, sua obra serve de base para tarefas de copiar, colorir, preencher o contorno e treinar coordenação motora. É uma concepção ultrapassada do ensino de Arte. "São atividades mecânicas e pouco desafiadoras. Não desenvolvem a imaginação das crianças, não permitem que se apropriem do processo criativo e desconsideram seu universo simbólico", afirma Rejane. O foco deve estar em conhecer referências e explorar materiais que sirvam de base para as produções dos estudantes.

 

Para os maiores, um ponto de partida

Isso não significa que Romero Britto deva ficar fora da escola - ele já está lá, estampado em incontáveis muros e cadernos. O ideal, então, é partir disso para apresentar outros exemplos ricos e diversos que ajudem na formação do gosto. Se a intenção é discutir o uso de cores, há artistas brasileiros, alguns contemporâneos, como Beatriz Milhazes, e outros já históricos, como Alfredo Volpi, que podem referenciar um trabalho de ampliação de gosto e repertório.

As obras de Britto ainda podem ser ponto de partida para uma introdução à História da Arte. Vale mostrar pintores de estética mais positiva, de Henri Matisse a Marc Chagall, de Wassily Kandinsky a Joan Miró. Outro caminho, por oposição, é discutir a arte que evoca sentimentos diferentes. As representações do movimento pelo gotejamento de tinta como fez Jackson Pollock. Ou os horrores da guerra pela Guernica, de Picasso, uma das obras mais conhecidas do cubismo.

Britto tem lugar, ainda, em outro debate valioso: os modos de produção, venda e consumo de obras de arte. Pode-se abordar os mecanismos de criação de um nicho de mercado que não é especializado em arte e suas estratégias de marketing - presentear celebridades com quadros é uma delas. Seriam essas as mesmas usadas por outros artistas contemporâneos? Na idade adequada, a reflexão sobre o trabalho do recifense pode ir além do "adoro" ou "detesto". E a escola cumpre sua função de ensinar a pensar sobre a Arte.

 

Foto: ALEXANDER TAMARGO/GETTYIMAGES

"Picasso também foi criticado"

ROMERO BRITTO

Pintor, escultor e serígrafo. Considerado o artista plástico brasileiro mais popular da atualidade. Vive em Miami, onde mantém um estúdio-galeria.

ROBERTO STUCKERT FILHO/WIKICOMMONS

Para Britto, desaprovação à sua obra é fruto de desetendimento, ignorância e inveja

 

Muitos especialistas consideram que sua obra não deve ser parte do currículo de Arte porque acrescenta pouco ao repertório dos estudantes. Como você responde a isso?

ROMERO No meio das artes, no fim das contas, tem muito desentendimento, muita ignorância e muita inveja. Tem pessoas que realmente acham que minha arte não vale nada. Mas, além de ser um grupo muito pequeno, são pessoas que nunca dedicaram um tempo para me conhecer, para ver meu trabalho de perto e discutir minha arte comigo. É importante ressaltar que na História da Arte muitos artistas, como Picasso, foram criticados. Teve um período que sugeriram ao Papa que a Igreja não fizesse trabalhos com Michelangelo. Mas no final do dia é o público que decide. No meu caso, eu tenho um grande público, muita gente que gosta da minha arte.

 

Mas você diria que sua obra também possui um público especializado?

Há grandes colecionadores de arte que gostam do meu trabalho. Por exemplo, o Carlos Slim (empresário mexicano, dono da sétima maior fortuna do mundo) e a Eileen Guggenheim (presidente do conselho da Academia de Arte de Nova York), que é sobrinha-neta da Peggy Guggenheim (1898-1979, uma das maiores mecenas do século 20).

 

A que você atribui esse sucesso?

As pessoas falam que minha arte traz inspiração, desperta interesse e curiosidade. Acho que o motivo do sucesso é também pelo fato do meu trabalho ser muito alegre e trazer sentimentos bons. Então deve ser isso.

 

Você sabia que muitos professores trabalham suas obras em sala de aula?

É uma grande honra ser fonte de inspiração para as crianças e saber que colaboro para despertar o valor da arte e da criatividade.

 

O que você considera que o ensino de Arte deveria abordar?

É importante que a arte em geral seja ensinada. O que acontece é que, muitas vezes, os artistas se expressam de maneira negativa e os jovens não têm nenhum interesse em ver coisas negativas porque as pessoas querem coisas boas na vida. Mas há outros artistas que também têm a arte interessante, colorida, inspiradora e que pode levar alegria e motivação para todos nós.

 

Quais influências você teve na sua carreira?

Eu sempre gostei de artistas que têm a arte colorida, alegre e interessante, como Picasso, Matisse, Andy Warhol, Roy Lichtenstein e até Leonardo Da Vinci e Michelangelo, da Renascença. No Brasil, gosto de artistas como Francisco Brennand, Claudio Tozzi, Di Cavalcanti. O que eu acho importante é ter pessoas que sejam uma espécie de mentor, para dar uma certa direção para os jovens artistas e nas quais você possa se inspirar. No meu caso, me inspirei em vários artistas.

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