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Jornalismo

Ana Clara Mendonça Gonçalves tem 13 anos. Atualmente, é estudante do 7o ano da EM Irmã Catarina Jardim Miranda, na cidade de Senador Canedo, em Goiás. Sua relação com a Matemática não era das melhores. "Não fui estimulada a gostar da disciplina, e ainda tenho dificuldade em entender a diferença entre o dobro e a metade de um número. Faço confusão", conta.

Ela não está sozinha em sua angústia: Matemática é o nosso grande bicho-papão. Nada menos que 43% dos alunos consideram que esta é a disciplina mais difícil do currículo. Os dados são de uma enquete online exclusiva, realizada por NOVA ESCOLA em parceria com a plataforma Brainly, uma rede de aprendizagem colaborativa disponível em 35 países e acessada por 7 milhões de alunos por mês no Brasil. Nossa sondagem foi respondida por mais de 2.500 estudantes, quase todos do Ensino Fundamental 2 (96,6%).

Por que chegamos a esse ponto?

Primeiro, parece haver uma espécie de terrorismo em torno da Matemática. "Mesmo pensadores da Educação, quando vão dar um exemplo malsucedido, usam uma aula de Matemática. Nas novelas, os jovens sempre são retratados enfrentando problemas com algum conteúdo matemático. Você vive esse reforço amedrontador desde pequeno", afirma Mônica Mandarino, pesquisadora da Fundação Cesgranrio e uma das redatoras da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Segundo, o ensino atual privilegia conteúdos distantes da realidade dos alunos, focado em procedimentos repetitivos e decoreba de regras. "Aí, não tem jeito: a Matemática fica chata mesmo", diz Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
 

O X da questão

Esse quadro, porém, não ocorre ao longo de toda a escolarização. Nos anos iniciais, quando o foco está no conhecimento do sistema de numeração e nas quatro operações, a Matemática parece mais conectada com a vida real. "Há analogias com quantidades e objetos reais, como situações-problema que envolvem dinheiro", afirma Jussara de Loiola Araújo, professora do departamento de Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tudo muda a partir do 6o ano, quando o pensamento abstrato e a linguagem algébrica ganham espaço. Sua manifestação mais comum atende pelo nome de equação -- não à toa, conteúdo apontado como o mais difícil pelos estudantes, na fase das respostas abertas da sondagem encomendada por NOVA ESCOLA à Brainly.

Mesmo diagnóstico de outras investigações. As pesquisadoras Jane Correa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Morag MacLean, da Oxford Brookes University, na Inglaterra, entrevistaram 260 crianças para saber o grau de dificuldade que elas atribuíam às disciplinas. Os brasileiros apontaram Matemática como a mais complicada, sobretudo no início do Fundamental 2, quando entram no currículo a álgebra e sua representante mais temida, a equação. Esse é também um momento de queda de desempenho, como mostram os resultados da Prova Brasil. Se no 5o ano 35% dos alunos têm aprendizado adequado em Matemática, apenas 11% atingem esse nível no 9o ano (Língua Portuguesa também registra queda, mas não tão grande).

O X da Matemática, portanto, parece ser a busca por um sentido em seu aprendizado. Nas próximas páginas, apresentaremos alternativas para renovar o ensino da álgebra e um passo a passo para levar a turma a entender de vez as equações. Completa o especial uma reportagem sobre a cidade brasileira em que a Matemática é uma paixão. Pode ser - por que não? - um retrato de sua sala no ano que vem.

 

Nossa pesquisa exclusiva revela: 43% dos estudantes consideram Matemática a disciplina mais difícil do currículo.

 

Traduzindo a álgebra

Sete respostas para explicar essa linguagem matemática

 

1

A Matemática complica quando aparecem a abstração e a álgebra. O que são elas?

A abstração é a capacidade de pensar sobre coisas não necessariamente concretas e estabelecer hipóteses. Imaginar três pessoas com alturas diferentes, e determinar a maior, com base nas pistas de que a primeira é maior que a segunda, e a terceira é a menor de todas, é abstrair. A álgebra é uma linguagem criada para descrever esse e outros pensamentos matemáticos. Usando letras e números, podemos identificar as três pessoas como a, b e c. Se a > b e b > c, então, a > c. Ou seja, a pessoa a é a mais alta.

2

Qual o primeiro passo para aproximar a álgebra da turma?

Um bom conselho - que vale para a Matemática como um todo - é redobrar a atenção com a linguagem, que muitas vezes precisa ser "traduzida" para a fala. A palavra "propriedade" para um matemático pode representar algo diferente de "propriedade" para uma criança de 8 anos. Isso deve ser discutido em sala. Não custa nada, também, retomar frequentemente o significado do jargão da área. "Quando falamos em raiz quadrada de um número Y, estamos descobrindo quanto vale a medida do lado de um quadrado que tem a área de valor Y", explica Greiton Toledo de Azevedo, Educador Nota 10 de Matemática em 2016.

3

Tudo precisa ter um paralelo com situações reais?

Depende. Não precisa concretizar objetos, como no Fundamental 1 (levar tampinhas para dividir entre a turma, fazer dinheiro de mentira para pagar contas etc.). Mas trazer um contexto real sempre ajuda. "Ninguém inventou nada que não fosse para resolver um problema real, e isso deve estar na aula", explica Mônica, da Fundação Cesgranrio. É possível, por exemplo, utilizar a álgebra para explicar o sistema de cobrança de aplicativos como o Uber.

4

Listas de exercício funcionam?

Não são imprescindíveis. "Vale mais trabalhar o raciocínio que a técnica - que é o foco da repetição. É preferível mostrar poucos exercícios, diferentes entre si, que ajudem o aluno a desenvolver competências múltiplas", argumenta Nílson José Machado, professor da Faculdade de Educação da USP.

5

Como evitar que a álgebra vire um apanhado de fórmulas?

O importante é explicar, no início, de onde elas vêm, mostrando passo a passo o raciocínio que dá origem a elas. "Muitos professores pulam essa fase justificando que os alunos a acham difícil e entediante. É um erro. Aí, sim, a Matemática se torna sem sentido", defende Jussara de Loiola Araújo, da UFMG. Outra providência é propor atividades em que o aluno experimenta resoluções diferentes e vai identificando regularidades. Se toda vez é necessário somar os lados de um polígono qualquer para descobrir seu perímetro, como é possível descrever essa operação de uma maneira genérica, que sirva para todos eles? "A generalização pela fórmula vai chegar como consequência desse desafio. Dar a fórmula no início impede esse processo", explica Marcelo Viana.

6

Qual o tipo de atividade mais recomendado para engajar os alunos?

Os especialistas costumam dizer que tudo o que conhecemos hoje na Matemática existe porque um dia alguém tinha um problema que precisava ser resolvido. Por isso, apresentar situações-problema é um ótimo caminho. Uma primeira tarefa para os alunos é o equacionamento - ou seja, "traduzir" o problema para a linguagem Matemática. "É uma competência fundamental, mais importante até do que realizar contas, que em alguns casos podem ser feitas com a calculadora", explica Nílson. Vale encontrar um assunto que engaje os alunos e pensar em possibilidades de relações do tema com a Matemática. "Uma professora do Ensino Médio pegou uma notícia sobre doação de pele e lançou o desafio: 'Quantos metros quadrados de pele um ser humano possui?'", exemplifica Jussara. A provocação fez os alunos pensarem sobre a área do corpo humano, sua relação com sólidos geométricos e a álgebra das fórmulas dessas áreas.

7

Como recuperar a turma que está se desinteressando?

O ideal é agir rápido. Ao perceber as dificuldades que os alunos estão enfrentando, prepare diferentes estratégias de ensino daquele mesmo assunto já nas aulas seguintes. Para Marcelo Viana, do Impa, a aula imediata à que o professor percebe que a turma está começando a se perder no conteúdo ou já se perdeu deve ser radicalmente diferente. "Leve os alunos para outro ambiente, faça uma visita a um lugar que pratique Matemática, mostre como o seu objeto de estudo é vivo", aconselha. Se os alunos têm lacunas de conteúdos mais sérias, às vezes pode ser necessário voltar algumas casas e fazer atividades de revisão ou combinar aulas de reforço com a escola. "Avançar na construção de conceitos matemáticos sem pré-requisitos básicos só vai deixando os alunos cada vez mais desesperados", defende Mônica Mandarino.

 

Equações sem medo

Dois craques no tema propõem um passo a passo descomplicado

Descrevendo o raciocínio

A folha desamassada nesta reportagem mostra a resolução de um exercício feita pela aluna Débora Lígia Ferreira, 13 anos, usando a ideia da balança em equilíbrio que aprendeu com seu professor, Greiton. Com base em um problema que funciona como uma charada, a aluna descreve todo o seu pensamento algébrico até chegar ao resultado final: interpretação, identificação da incógnita, escrita da equação e caminho da resolução.

"Vocês já resolvem equações desde o Ensino Fundamental 1", provoca Andréia Silva Brito, professora da EEEFM Carlos Drummond de Andrade, em Presidente Médici, a 412 quilômetros de Porto Velho. Diante do estranhamento da turma de 7o ano, ela desafia: "Qual é o número que, somado com 8, dá 12?" Depois de alguns ruídos e discussões, a turma logo chega ao resultado 4. Então, Andréia repete a questão na lousa, transformando-a em equação à medida em que vai escrevendo no quadro:

Qual o número (X) que, somado a 8 (+ 8), dá 12 (= 12)? X + 8 = 12.

Assim, os alunos já ficam sabendo o que é o X (pelo menos nas equações): ele é a incógnita, um símbolo que representa um valor a ser encontrado quando temos um problema a ser resolvido. Esse estranhamento dos alunos é natural e compreensível, segundo Andréia. "A álgebra é uma nova linguagem. Aprendê-la é como se alfabetizar pela segunda vez. Assim, é compreensível não aprender logo de cara", argumenta.

Equações, por sua vez, são maneiras algébricas de resolver problemas matemáticos. Problemas de ordem prática - e bem antigos, por sinal, como ensina Alessandro Jacques Ribeiro, da pós-graduação em Ensino e História das Ciências e da Matemática da UFABC, no artigo A Noção de Equação e Suas Diferentes Concepções. Por volta do ano 2000 a.C., os babilônios já desenvolviam um sistema de símbolos que serviam como incógnitas para resolver equações de ordem prática, relacionadas à agricultura e à divisão de terras.

Andréia e Greiton Toledo de Azevedo, Educadores Nota 10 de Matemática nos anos 2008 e 2016, respectivamente, têm ideias muito semelhantes sobre como devem ser as boas aulas de equações. Eles nos conduzem por uma sequência de sugestões para abordar o conteúdo, que pode começar pela contextualização histórica que você acabou de conhecer, e segue pela apresentação da álgebra, essa estranha união de números e letras.

Do ponto de vista matemático, como adiantamos, a álgebra é uma linguagem que permite generalizar fenômenos e indicar recorrências. Por exemplo, a observação dos números pares. "Sabemos que eles podem ser divisíveis por 2, enquanto os ímpares não podem. Então, qualquer número par pode ser representado por 2n", explica Greiton. Nesse caso, n está representando qualquer número inteiro (todos os números naturais, positivos e negativos, além do zero).

Outra característica é que a álgebra é uma linguagem que só aceita sentenças declarativas, que podem ser classificadas em verdadeiras ou falsas. Isso significa que, a princípio, não dá para escrever perguntas - a menos que a gente encontre algum tipo de "ponto de interrogação".

As incógnitas e equações entram nesse momento. "Elas são a invenção matemática para fazer indagações", brinca Nílson José Machado, da USP. Qual é o número que, somado com 5, dá 14? Na linguagem matemática, o mais próximo que conseguimos escrever dessa pergunta é usar um elemento desconhecido, o X, para identificar o que não sabemos, e fazer a afirmação X + 5 = 14. Pronto: o conteúdo já se tornou mais familiar e abriu possibilidades de gerar significado. 
 

Duas questões: por que e como ensinar

Feita a apresentação inicial, é hora de atacar dois pontos fundamentais: por que devemos estudar as equações? Como isso deve ser feito? Faz sentido apostar nessa distinção porque até mesmo as dificuldades podem ser classificadas nesses dois grupos. Há quem não entenda, por exemplo, por que a cada resolução o X tem um valor diferente. Isso significa que a criança não compreendeu a função da incógnita. Outras têm problemas com a técnica de resolução: por que não somar letras com números? Ou por que um número positivo passa para o outro lado da igualdade negativo?

Para atacar a questão do "por que", um bom conselho é comparar o conteúdo a uma trama de mistério. "Achar o valor de X é como descobrir quem cometeu um crime", diz Marcelo Viana, do Impa. Outra dica é indicar que há várias formas de resolver o enigma. Ao contrário do que muitos pensam - e do que a maioria de nós aprendeu na escola -, não existe um processo único para resolver uma equação. "Há professores que ensinam uma técnica de resolução e invalidam todas as outras. Se no ano seguinte o aluno tem aula com um professor que ensina diferente, isso gera insegurança e reforça a ideia de que Matemática é difícil", diz Mônica, da Cesgranrio.

 

Na comparação com a língua, a equação é a forma que a linguagem matemática encontra para fazer perguntas.

 

Já o "como" resolver deve merecer atenção detalhada. O início é explicar o sinal de igual. Para Greiton e Andréia, a maneira mais comum é, também, a mais eficaz. É possível levar uma balança de dois pratos para a sala de aula, ou apenas desenhá-la na lousa. O importante é mostrar a ideia de que, para que o equilíbrio permaneça, tudo o que for feito em um prato precisa ser feito no outro. Na equação, o sinal de igual mostra lados equivalentes, então todas as operações que realizadas de um lado da igualdade devem ser repetidas do outro também.
 

A lógica por trás das regras

Nesse momento, a atenção redobra para encontrar o valor do X. Começam as infelizes "regrinhas", como "passe o número que está multiplicando o X dividindo para o outro lado", "organize todas as incógnitas de um só lado da igualdade", "na equação com frações, tire o MMC, faça a distributiva e depois cancele o denominador".

Em vez de jogá-las na lousa, vale discutir sua pertinência. Por exemplo: por que só podemos somar letras com letras e números com números? Para esclarecer essa confusão, o professor pode começar as equações usando outros símbolos, como frutas ou pesos, no lugar do X. A ideia é que as crianças percebam que o X representa o valor a ser encontrado. Em um problema que pretende descobrir o peso das melancias, é possível usar as próprias melancias para representar a incógnita. "Nesse caso, não faz sentido somar uma melancia com um número, ela só pode ser somada a outra melancia", explica Greiton.

 

Usar a imagem da balança para explicar a igualdade segue útil. O que acontece num prato deve se repetir no outro.

 

Outra grande confusão entre as crianças é entender quais são as operações opostas que devem ser feitas ao longo das etapas da equação. Por exemplo, na equação 2X + 6 = 10. Se quero achar o valor do X, preciso "tirar do caminho" tudo o que está atrapalhando. Se eu tenho o 6 que está me atrapalhando, preciso tirá-lo com -6, pois a operação inversa da soma é a subtração.

"Mas, se uma equação é uma balança em equilíbrio, se eu faço isso de um lado, preciso fazer do outro", explica Greiton. Traduzindo algebricamente, temos 2X + 6 - 6 = 10 - 6. Pelo menos no início, vale mostrar esse passo intermediário antes de simplesmente escrever na lousa 2X = 10 - 6.

Andréia ainda enfrentou a resistência dos alunos a uma etapa muito importante do trabalho: a subestimada prova real. Ou seja, quando você substitui o X pelo valor encontrado, faz as contas e verifica se a igualdade se mantém. Dá para dizer que a equação não está resolvida antes de cada um questionar sua própria solução - procedimento essencial no raciocínio científico.

A turma, porém, descobriu o Photomath, um aplicativo que escaneava e resolvia equações. Pode acontecer com você. Mais inteligente que proibir é refinar o desafio. Na hora de socializar a solução, peça para que cada aluno ou grupo explique o passo a passo. Retomando a metáfora do X como mistério, grandes detetives saboreiam a glória ao contar como desvendaram um enigma. Seus alunos podem se sentir assim ao detalhar como resolveram uma equação.


Consultoria: Greiton Toledo de Azevedo, mestre em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Educador Nota 10 de Matemática de 2016

Fotos: Ricardo Toscani

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