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Jornalismo

Novos tempos, velhas opressões

A presença de negros cresceu em locais antes exclusivos de poucos e brancos, como as universidades, mas estamos longe da igualdade

PorGustavo HeidrichMonise CardosoLarissa Darc

01/11/2016

Preconceito sofrido pelo palhaço negro do século 19 é real no Brasil de hoje

A proposta do meu editor para resenhar Chocolate foi: quais práticas racistas de 2016 serão inconcebíveis daqui há 100 anos, assim como as do filme - que se passa no século 19 - parecem inaceitáveis hoje? Respondi: não dá. Sou negra e o que vi ao assisti-lo foram cenas que ainda fazem parte do nosso cotidiano.

Estrelado por Omar Sy, e baseado em uma história real, o longa conta a saga de Rafael Padilha, ex-escravo que se tornou o primeiro artista circense negro da França. Ele vai dos simplórios picadeiros aos grandiosos teatros de Paris. Ainda que os cenários mudem com o sucesso, Chocolate é sempre o bufão em posição inferiorizada, que apanha em cenas de humor para fazer rir.

Pulemos um século: quem seria Rafael Padilha hoje, no Brasil? A presença de negros cresceu em locais antes exclusivos de poucos e brancos, como as universidades, mas estamos longe da igualdade. Em espaços de poder, negros ainda são confundidos com serviçais ou tratados com desdém. Para justificar, ouvimos frases como "Não sou racista, namoro uma negra" ou "Até tenho amigos negros". Elas reforçam que as relações inter-raciais não são naturais, e que, portanto, deveriam ser reconhecidas como louváveis. 

Se hoje ver um negro tomando pontapés no circo nos provocaria escândalo, os estereótipos da "mulata tipo exportação" e do negro alcoólatra ou assaltante continuam na TV. Eles refletem - e reforçam - o que a sociedade atribui como características dos afro-brasileiros. Contribuem para reforçar um imaginário de racismo disfarçado nas aparências (o mito da "democracia racial"), mas concreto na vida real. Para que o status do Rafael Padilha do próximo século mude, é preciso passar da representatividade para a proporcionalidade. Mesmo com as cotas, só 46% dos estudantes negros e pardos estão nas universidades - entre os brancos, são 71%. As práticas racistas mudaram, mas a estrutura que mantém brancos em cima e negros em baixo permanece. 
 

  • Chocolate, Roschdy Zem, 114 minutos. Em DVD, por 79,90 reais 

 


EXPOSIÇÃO

Genética surreal 

As modificações genéticas escondidas nos alimentos, animais e nos próprios seres humanos são a inspiração para as obras da australiana Patricia Piccinini. Misturando tecnologia e biologia, as esculturas despertam a curiosidade para a história da evolução e os limites éticos de um futuro em que a engenharia genética seja parte do cotidiano. Apesar do estranhamento inicial que causam, obras como O Tão Esperado (foto) são afetivas e nos convidam ao contato com nossas origens primitivas.

  • ComCiência, CCBB de Belo Horizonte, até 9/1, todos os dias, exceto terças, das 9 às 21 horas, grátis. Agendar visitas monitoradas pelo tel. (31) 3431-9440

 


LITERATURA

Criolo em família

Os 70 poemas da professora Maria Vilani, mãe do rapper Criolo, são uma homenagem emocionante às mulheres. Agitadora cultural no Grajaú, em São Paulo, ela retomou os estudos apenas aos 40 anos.

  • Penteando a Vida, Maria Vilani, 110 págs., 38 reais 

 


INTERNET 

O universo de Steven 

Temas complexos como morte,  sexualidade e autoestima povoam as histórias bem- -humoradas de Steven Universe.  A animação para a faixa de 10 anos acaba de chegar à Netflix. É mais uma criação de Rebecca Sugar de A Hora da Aventura.

  • Steven Universe, primeira temporada, 52 episódios. Disponível na Netflix (netflix.com/br) 

 


Fotos: Divulgação

 

 

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