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Jornalismo

Histórias que valem a pena ser contadas

Textos de memórias exercitam a criação dos alunos e os levam a valorizar a experiência dos mais velhos

PorMaggi KrauseMonise CardosoLucas Freire

07/10/2016

No parágrafo que você leu na página anterior, Jéssica relata, com muito prazer, as memórias de vida de seu avô, Domingos Lourenço. Mas nem sempre foi assim. "Não fiz nada além de ficar em casa ouvindo histórias de gente velha!", reclamou uma das alunas do 8º ano da Escola Municipal Suzana Albino França, em Lages (SC), diante da pergunta do professor sobre suas férias. E vários colegas fizeram coro com ela...

Carlos Eduardo Canini

 

26 anos
7 anos de docência
Educador Nota 10
Lages (SC)
Língua Portuguesa
8º ano
Projeto: Por um Fio de Memória

Surpreso com a forma negativa com que os adolescentes se referiam aos idosos, o professor Carlos Eduardo Canani optou por trabalhar com memórias literárias. O gênero literário estimulou nos jovens o gosto pelas histórias de família e revelou a complexidade da produção textual. "Durante a chamada, perguntei a cada um sobre a origem do sobrenome e dos antepassados. Pouquíssimos tinham alguma informação", conta ele, que encomendou uma pesquisa sobre sobrenomes e brasões de família. A primeira produção textual pedida à turma serviu para nortear as atividades seguintes. "A maioria delas não passava de relatos históricos resumidos, narrados em terceira pessoa", lembra o professor.

Memórias literárias são caracterizadas pela inserção na escrita de elementos da época ou do cenário retratado. Para proporcionar uma imersão no gênero, Carlos aproveitou o material do site das Olimpíadas de Língua Portuguesa e fez leituras coletivas de Memórias da Emília, de Monteiro Lobato, e Esta Força Estranha, de Ana Maria Machado. "O estilo cumpre seu papel quando coloca o narrador no presente olhando para o passado", explica Manuela Prado, professora de Língua Portuguesa do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10. A própria formação das memórias é um assunto fascinante. Autora da tese de doutorado O Discurso da Memória: Entre o Sensível e o Inteligível, a professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina Mariana Luz Pessoa de Barros detalha: "O doce que você come agora faz lembrar de como era a casa da sua avó. A memória é despertada pelo presente". Para que entendessem como captar essas sensações, Carlos repertoriou os adolescentes com entrevistas de revistas e jornais e orientou sobre tipos de perguntas: o modo de viver da época, as transformações da comunidade, casos marcantes.

Depois de captadas as narrativas, a transposição para o escrito, as revisões e reescritas resultaram em textos instigantes e com estilo, grande mérito do projeto (veja detalhes a seguir). O professor contou ainda com a ajuda de um amigo locutor de rádio para realizar um trabalho focado na oralidade. "A atividade permitiu treinar pausas e expressão de sentimentos na leitura", ressalta Carlos. No evento final, os alunos autografaram a coletânea de textos e suas famílias puderam ouvir os relatos em áudio. As duas versões fizeram reverência à história oral e ao registro escrito e ficaram, com certeza, marcadas na memória.

 

COMENTÁRIOS QUE APRIMORAM O ESTILO

 
 

A DELICADA PASSAGEM DO ORAL AO ESCRITO 

  • Transformar entrevista em texto
    Converter respostas de entrevista num texto de memória coeso é complexo. "As condições de oralidade são diferentes da escrita. Na primeira, a repetição ajuda a elucidar o que se diz. Na segunda, se torna cansativa", explica a selecionadora Manuela. O professor trabalhou tempos e modos verbais típicos do gênero e pronomes pessoais e possessivos para narrar em primeira pessoa.
     
  • Planejamento e revisão
    Minucioso, Carlos colou bilhetes adesivos com instruções, elogios e sugestões nos cadernos (acima). Após fazerem as alterações, os estudantes sentaram em dupla para ler o texto do colega, seguindo uma ficha de revisão: O título instiga o leitor?; É narrado em primeira pessoa?; Há erros de pontuação? "Para a turma, ficou evidente que a escrita é um processo. Não há como escrever uma boa memória literária sem realizar uma boa entrevista ou sem fazer uma edição criteriosa das informações recolhidas", afirma Manuela.
     
  • Referências e estilo
    Para trabalhar conotações e figuras de linguagem com a turma, Carlos se baseou no texto Memórias de Livros, de João Ubaldo Ribeiro. Na obra, os adolescentes notaram várias formas de se expressar a mesma coisa, a importância de pronomes e adjetivos e da descrição. "É tudo um grande desafio: contar a história dos outros, usar componentes literários e recursos linguísticos como metáforas, revisitar a época e trazer elementos temporais para o texto de memória", pontua Regina Andrade Clara, formadora das Olímpiadas de Língua Portuguesa.

Fotografia: Edu Lyra

Ilustração: Estúdio Rufus

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