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Jornalismo

Para Alberto Carlos Almeida, só a escola garante uma sociedade ética

Para o sociólogo, mais tempo de estudo dará aos brasileiros valores mais nobres, essenciais para o crescimento do país

PorCristiane Marangon

23/11/2010

Alberto Carlos Almeida. Foto: Daniel Aratangy
Alberto Carlos Almeida
Ética, sexualidade e família são alguns dos temas tratados por Alberto Carlos Almeida - no livro A Cabeça do Brasileiro, um desdobramento da Pesquisa Social Brasileira (Pesb), em que o sociólogo investigou os atuais valores de nossa sociedade. As obras do antropólogo Roberto DaMatta e de seus seguidores, que afirmam ser o Brasil um país antiquado, serviram de base para o trabalho.

Nos tempos de graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Almeida lia os livros de DaMatta e pensava em provar que suas definições estavam equivocadas. "Com a pesquisa, vi que, na média, elas estão corretas", afirma. Durante cerca de três meses, em 2002, pesquisadores percorreram 102 municípios para entrevistar, em casa, 2 363 pessoas. A amostra revelou um retrato desolador no que se refere aos princípios do brasileiro.

Nesta entrevista concedida a NOVA ESCOLA, o coordenador do trabalho, que cursou mestrado e doutorado em Ciências Sociais, faz relação entre o pouco tempo de estudo do cidadão e os valores ruins que possui. "Para resumir a conclusão da pesquisa em uma frase, digo que só a Educação pode melhorar uma pessoa."

O que a pesquisa realizada sob sua coordenação revelou sobre os valores do povo brasileiro?
Alberto Carlos Almeida
No Brasil, há a idealização de que os pobres são bons e ingênuos, e os ricos, maus e espertos. No entanto, a pesquisa mostrou que pessoas menos favorecidas economicamente e que têm pouco estudo defendem o "jeitinho brasileiro" e a violência policial e confundem o espaço público com o privado - valores considerados arcaicos. Por outro lado, quem tem nível superior e compõe a parcela mais rica apóia valores sociais democráticos, essenciais para um país desenvolvido.

Que dados confirmam isso?
Almeida
Um princípio que pauta as relações humanas é a hierarquia. Esse aspecto ficou claro nas respostas à seguinte pergunta: o patrão diz ao empregado que a partir daquela data ele pode ser chamado pelo pronome de tratamento você. A maioria das pessoas menos favorecidas acha que o funcionário deve continuar usando o tratamento de senhor. Outra questão apontava que os moradores de um edifício liberariam o uso do elevador social aos trabalhadores do condomínio. Grande parte desse mesmo grupo disse que o certo seria continuarem utilizando o de serviço. Para eles, pessoas diferentes têm direitos e lugares distintos. No filme Tropa de Elite, por exemplo, há espectadores que aplaudem quando a polícia é violenta. A Pesb comprova esse comportamento medieval. As pessoas não apóiam que o bandido seja preso e julgado, com direito a defesa. Elas acham certo matá-lo independentemente de ele ser ou não culpado.

É possível que os entrevistados com mais instrução tenham dado respostas "ideais" em vez de ser sinceros?
Almeida
As perguntas foram feitas de maneira indireta, ou seja, representavam condições hipotéticas. Por exemplo: uma mãe que está com o filho doente conhece alguém que trabalha no posto de saúde e consegue passar na frente de outras pessoas. Você acha que o "jeitinho" está sempre certo, certo na maioria das vezes, errado na maioria das vezes ou sempre errado? Para chegar a esse formato, fizemos pré-testes perguntando se o sujeito furava a fila, se conhecia alguém que fazia isso e se ele era a favor dessa atitude. A resposta era sempre não. Então, concluímos que não poderíamos perguntar desse modo, pois todo mundo mentiria. Mesmo assim, vamos supor que quem estudou mais se policiou nesse momento. Isso revela que esses indivíduos prezam alguns valores, diferentemente dos que têm menor grau de instrução, que nem sequer cogitaram essa possibilidade.

Seu livro aponta a Educação como o caminho para reverter essa deteriorização dos valores democráticos.
Almeida
Sim. A melhoria educacional leva o povo a ter valores mais igualitários. As pessoas mudam seus conceitos, passam a ser contra a corrupção, se mostram críticas em relação à violência policial e exigem seus direitos. Resultado: a economia cresce com a produção de bens de maior qualidade, o mercado de trabalho e os empregos melhoram nesse cenário, o povo enriquece e o país se desenvolve.

Qual sua avaliação sobre o fato de políticos corruptos serem eleitos?
Almeida
Hoje, um condenado pela justiça é eleito pelo voto popular. Porém, à medida que o grupo formado por pessoas com Ensino Superior for aumentando, a tendência é que isso mude. Temos de ter paciência até que políticos como Renan Calheiros não estejam mais no poder. Isso ainda não acontece porque a sociedade não mudou o suficiente, mas vale lembrar que já foi pior. Atualmente, Paulo Maluf ou Orestes Quércia, por exemplo, não existem mais politicamente graças à melhoria educacional. Foi um processo bem lento, que demorou anos.

Há países que servem de referência para o Brasil por terem oferecido uma boa Educação à população e, com isso, se desenvolvido economicamente?
Almeida
A Coréia do Sul é o melhor exemplo. Em 20 ou 30 anos, nos ultrapassou porque concentrou esforços nisso. Por outro lado, os Estados Unidos, que têm o maior nível educacional do mundo, não servem como parâmetro para nós porque a distância que nos separa deles é abissal. Nenhum outro país chega perto deles, nem a Inglaterra nem a França. Grande parte da população americana adulta possui curso superior. No Brasil, a desigualdade é enorme nesse ponto.

Que estratégias devem ser adotadas para que nosso país avance?
Almeida
O primeiro passo é acabar com a evasão no Ensino Fundamental. Esse nível de ensino foi universalizado, mas os índices de abandono antes de sua conclusão ainda são altos. A segunda ação é garantir vagas no Ensino Médio. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que menos da metade dos jovens que têm idade entre 15 e 17 anos estão na escola. A terceira medida é acabar com a evasão nesse nível. Depois de solucionar esses problemas, é necessário fazer um esforço para que todos ingressem no Ensino Superior.

Isso deve levar muito tempo.
Almeida
Sem dúvida. Essas ações são de longo prazo - 30, 40 ou até 50 anos - e por algum tempo todos vão continuar com a sensação de que o país está uma grande bagunça. Não adianta ser impaciente. A solução é investir em todas as áreas da Educação. A Pesb evidencia valores ruins enraizados, que só mudarão com as novas gerações. Os brasileiros mais velhos, hoje, têm baixo nível de instrução. No entanto, os jovens estão estudando mais, o que indica uma tendência de melhoria no futuro.

Como formar valores na sociedade?
Almeida
Há quatro meios que atingem todos: a família, a religião, o mercado de trabalho e a escola. A família é conservadora e a tendência é que os filhos tenham os mesmos valores que os pais. A religião só revê princípios quando surge uma nova crença, o que demora para acontecer. Já a escola não é conservadora e está ligada diretamente ao mercado de trabalho, que tem dinamismo.

Em suas palavras, a escola não é conservadora. No entanto, ela é constituída por pessoas que prezam valores familiares e religiosos, esses, sim especialmente conservadores.
Almeida Sim, ela é feita por pessoas conservadoras, mas quando uma criança ingressa nela percebe que o mundo não é mágico nem composto de monstros e super-heróis, mas feito de coisas palpáveis. Ela aprende sobre a origem do mundo em Ciências e conhece as conquistas territoriais em História. Os conteúdos treinam o sujeito para pensar de forma cética. Ele continua acreditando em Deus, mas não deposita seu destino nas mãos dele. A escola ensina que cada um pode resolver os próprios problemas, sejam eles matemáticos, físicos ou de comunicação. E, quanto mais tempo de estudo, maiores as chances de conseguir um emprego numa grande empresa e, conseqüentemente, um salário melhor.

De que forma o mundo do trabalho influencia a formação de um jovem?
Almeida
Ele tem de se enquadrar em regras formais, com horário de entrada e saída, e passa a prestar contas a alguém, o que exige dele comportamentos legais. Enquanto isso, quem tem pior nível de Educação, como um vendedor ambulante, não tem regras preestabelecidas e leva a vida muito mais no "jeitinho".
Como nasceu o famoso jeitinho brasileiro e por que ele é tão valorizado?
Almeida
Seguir uma fila é uma regra informal, ou seja, não está escrita em algum lugar e desrespeitá-la ou furar a frente de alguém são ações que não prevêem prisão ou multa. Porém, quando as pessoas quebram esse contrato, estão dando um "jeitinho". É algo institucionalizado mais em alguns segmentos do que em outros. Por exemplo, para os que têm uma vida difícil, essa atitude acaba sendo algo facilitador e a prática costuma até ser motivo de orgulho.

E isso aparece também na escola?
Almeida
Sim. Quando as faltas de um aluno são abonadas para que ele não seja reprovado, por exemplo. Com essa atitude, o professor - que é uma referência para crianças e jovens e, por isso mesmo, deveria combater esse tipo de comportamento - passa a mensagem de que isso é aceitável, permitido.

De que forma a pergunta sobre o espaço público e o privado afeta o dia-a-dia de professores e alunos ?
Almeida
Em uma questão, há a afirmação de que cada um cuida do que é seu e o governo cuida do que é público e 74% dos entrevistados concordaram com isso. A crença é mais forte entre os que possuem pouco estudo. Quem tem maior grau de instrução acha que, se agir e pressionar, haverá uma reação e algo será feito para mudar um serviço ruim, por exemplo. Talvez isso explique a razão de pais de alunos de instituições estaduais ou municipais participarem menos do cotidiano escolar do que os das privadas.

A pesquisa aponta aversão ao homossexualismo. Isso ocorre com mais ênfase nas camadas mais pobres?
Almeida
O preconceito é forte em relação ao homossexualismo em qualquer camada social, independentemente do gênero. A pesquisa revelou índices altíssimos nesse quesito, inclusive nas regiões que possuem cidadãos com escolaridade mais alta, como Sul e Sudeste. Porém, ainda assim, quem tem um melhor nível de ensino aceita mais essa questão. Na pesquisa, 97% dos analfabetos se manifestaram contra o relacionamento amoroso entre homens. Entre os entrevistados com superior, o número caiu para 75%.

Alguns temas foram abordados na Pesb, mas não estão mencionados no livro, como o aborto e as drogas. Qual a visão do brasileiro sobre eles?
Almeida
Quem tem mais instrução é a favor do aborto. Sobre drogas, há duas perguntas a respeito da liberação como forma de combater o crime organizado. Os de maior escolaridade se mostram mais favoráveis a isso do que os demais. Qualquer uma das situações é politicamente incorreta, mas quem possui mais escolaridade têm valores menos tradicionalistas. Esse resultado não surpreende, já que mostra uma coerência com os outros dados obtidos na pesquisa.

 

 

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Contato
Alberto Carlos Almeida, alberto.almeida@ipsos.com.br

Bibliografia
A Cabeça do Brasileiro
, Alberto Carlos Almeida, 280 págs., Ed. Record, tel. (21) 2585-2000, 42 reais 

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