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Jornalismo

A professora Dafne Aracéli mudou a dinâmica das aulas de espanhol quando notou que, em vez de participarem ativamente, os alunos mostravam desinteresse pela matéria. "Nós trabalhávamos muito com o livro didático e a turma vivia reclamando que a aula era muito chata", lembra ela. Ao buscar estratégias para contornar essa situação, Dafne esbarrou em um problema comum aos professores de Língua Estrangeira: a pouca quantidade de material disponível a preços acessíveis. "Comecei então a fazer meus próprios jogos para levar para a sala. Os alunos se interessaram não só em jogar mas também pela maneira como eu os tinha criado", conta. 

Ela viu na curiosidade da garotada uma oportunidade e decidiu desafiar a turma a também construir os próprios jogos. Foi uma vacina contra a desmotivação, opção respaldada por especialistas. "Os jogos criam entusiasmo sobre o conteúdo. Animam os educandos a se expressar, agir e interagir nas atividades lúdicas", afirma o pesquisador Jonathas de Paula Chaguri no artigo O Ensino do Espanhol com Atividades Lúdicas para Aprendizes Brasileiros (disponível em abr.ai/Jogos-Espanhol).

Do ponto de vista linguístico, também há vantagens em utilizar esse tipo de brinquedo. Nas situações em que o destinatário de uma produção de texto está claro e é real (há jogadores de verdade, que precisam entender como funciona o jogo), o envolvimento dos estudantes tende a ser maior. "Quando os alunos utilizam o idioma num contexto social, o vocabulário e as necessidades gramaticais servem a um propósito específico. Podemos contextualizar melhor como a língua funciona", explica Adélia Evangelista de Souza, consultora didática de espanhol. Aspectos como a correção gramatical, o respeito às características dos gêneros textuais e a clareza das sentenças formuladas pela turma passam a ter muito mais importância para a garotada. 

No caso de Dafne, a sequência começou com a divisão das classes em grupos de até seis alunos. A proposta era que cada um elaborasse um jogo qualquer. Em termos de conteúdo, a ideia era fazer com que as turmas revisassem tópicos já estudados. "O primeiro desafio era retomar esse tema escolhido e se certificar de que todo o grupo o dominava", conta a professora. Quanto aos procedimentos, a ideia era contemplar processos de escrita e de revisão de texto. Para isso, Dafne estabeleceu outra especificidade: além das peças, cada jogo deveria ter também instruções ? que seria o gênero privilegiado de estudo. "Discuti com eles algumas características das orientações de jogos que eles já conheciam em português. Expliquei que a mesma organização textual servia para o espanhol?, lembra ela. 

O primeiro passo foi a montagem de um "pré-jogo", uma espécie de croqui do que os jovens imaginavam que seria a produção final. A turma se debruçou sobre divertidas criações de tabuleiro e cartas. Por ter trabalhado com alunos de diversas séries, a professora já imaginava que o nível de dificuldade envolvido nos jogos de cada turma seria bastante diferente.

 

  

Do vocabulário à gramática

 Com os alunos do 6º ano predominaram os jogos de memória, que trabalhavam com vocabulário. O 7º apresentou um Super Trunfo dos Animais, que ainda envolvia vocabulário, mas exigia mais pesquisa. "A turma precisou quebrar a cabeça para pensar como organizar as informações nas cartas para que os jogadores as encontrassem rapidamente. Já no 8º, os alunos preferiram jogos de tabuleiro que exploravam regras gramaticais".

A análise da primeira versão focou aspectos específicos da língua. No jogo da memória, a turma se certificou de que as palavras se referiam aos objetos desenhados e se a grafia estava correta. Mesma coisa para o Super Trunfo, com a diferença de que havia mais dados para checar: medidas de tamanho e peso, por exemplo. Na leitura das regras, a professora identificou um problema recorrente: muitos grupos lançaram mão de tempos verbais que não eram próprios do gênero. "Eles estavam mais acostumados a lidar com o presente e o passado simples. No Super Trunfo, por exemplo, vi construções como yo embarajo las cartas e yo escojo una carta", conta. A providência foi discutir sobre o modo imperativo e a voz passiva, dois tempos mais adequados para instruções. 

O jogo como prova prática 

A reflexão deu origem a uma nova versão que já seria testada pelos outros grupos. Esse é um momento essencial: a hora de jogar é quando a produção textual é colocada à prova. As instruções seriam suficientes para que todos entendessem o que deveria ser feito? 

Nas classes de Dafne, os colegas identificaram problemas que os autores não haviam observado. As dificuldades, agora, estavam mais relacionadas à clareza das regras e aos problemas de jogabilidade. Num jogo de tabuleiro em que o desafio era acertar a conjugação de um verbo para seguir adiante, os jogadores questionaram os colegas: por que verbos conhecidos e de fácil conjugação valiam a mesma pontuação que outros, mais distantes do português ou irregulares e, portanto, com conjugação mais desafiadora? "Depois de uma rápida discussão, eles decidiram alterar as regras, dando uma pontuação maior para os verbos mais complexos", recorda Dafne.

Os grupos fizeram, então, uma terceira versão. Dafne também propôs um questionário em que os alunos marcaram, por exemplo, quantas vezes precisaram solucionar dúvidas de colegas sobre o material criado por eles. "A garotada viu na prática a importância do cuidado com a produção textual. Afinal, os outros grupos dependiam de instruções precisas para conseguir jogar", conta. Eles observaram os avanços em cada versão, identificaram dificuldades e vibraram com as soluções que conseguiram pôr em jogo. O portunhol ficou mais perto do espanhol.


Ilustração: Leandro Lassman

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