O que aprendi com a pior aula que já dei
Felipe Bandoni fala sobre o dia a dia do professor
PorNOVA ESCOLA
06/04/2016
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
06/04/2016
Felipe Bandoni,
Professor de Ciências na Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Colégio Santa Cruz, em São Paulo
Que educador nunca deu uma aula da qual se envergonha? Eu me lembro de uma das minhas piores atuações em sala. Apesar do desastre, aprendi com isso e acho que vale a reflexão. Em 2009, comecei a trabalhar em uma escola nova. Enquanto planejava o que ensinaria aos alunos, soube que a Organização das Nações Unidas (ONU) havia declarado aquele o Ano Internacional da Astronomia, em homenagem aos 400 anos das observações de Galileu Galilei. Que efeméride fantástica para as aulas de Ciências! Não podia deixar isso de fora do curso.
Tratei de verificar que conteúdos poderiam se encaixar no assunto. Recorri ao livro didático e preparei atividades sobre os planetas do Sistema Solar e as fases da Lua. Quando chegou o momento de abordá-los, percebi que tinha pouco tempo. Decidi, então, organizar o que me pareceu uma boa aula expositiva, para dar conta de tudo o que havia planejado.
Em 90 minutos, discorri sobre os pontos que julguei importantes. Na pressa, dei pouca chance para os alunos participarem. Muitos dormiram durante a explicação. Só me dei conta da apatia da turma quando já tinha acabado de falar, e aí veio um sentimento de fracasso e de perda de tempo (meu e da classe). Transformei algo interessantíssimo em um conteúdo chato.
Enquanto os estudantes guardavam os materiais para ir embora, um deles se arriscou a perguntar: "Professor, mas e São Jorge? Está mesmo na Lua?". Com uma questão, o garoto conseguiu fazer algo que eu não fui capaz em uma aula inteira: despertar o interesse de todos.
Hoje, refletindo sobre essa experiência ruim, percebo que cometi, ao menos, dois erros. O primeiro foi priorizar os conteúdos em vez de me preocupar com o aprendizado. Uma decisão melhor teria sido escolher poucos tópicos e problematizá-los de forma mais profunda. Por exemplo, trocaria a descrição dos planetas do Sistema Solar, que fiz na ocasião, por explorar como os povos antigos faziam para classificar os pontinhos brilhantes do céu em estrelas ou planetas.
Refletindo sobre a aula desastrosa, pude elaborar atividades em que os alunos têm mais chances de aprender.
Meu segundo equívoco foi tentar ensinar algo sem saber o que os alunos pensavam sobre o assunto, o que me levou a uma abordagem inadequada. Não fazia sentido para aquela turma começar a aula pelo nome dos planetas. Iniciar por uma discussão sobre as imagens que se veem na Lua para depois nos aproximarmos dos conceitos científicos teria sido mais construtivo.
Mas, com os erros, nós, professores, também aprendemos. Passei a investir em propostas em que os estudantes expõem os conhecimentos e as dúvidas que têm sobre o tema para, só então, planejar o caminho a seguir. Dessa forma, os conteúdos específicos podem mudar a cada turma, enquanto os conceitos centrais não são perdidos de vista. Já houve ano em que estudamos se a Lua influencia os partos. Em outros, discutimos as viagens espaciais. Nos dois casos, porém, a ideia de gravidade era o foco.
Com a reflexão sobre essa aula desastrosa - e anos de investigação sobre como ensinar -, pude elaborar atividades em que os alunos têm mais chances de aprender. Disso posso ter orgulho.
Foto: Ramón Vasconcellos
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