Qual é o peso da tradição na escolha do que ensinamos?
Felipe Bandoni fala sobre o dia a dia do professor
PorNOVA ESCOLA
04/02/2016
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
04/02/2016
Felipe Bandoni,
Professor de Ciências na Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Colégio Santa Cruz, em São Paulo
Em Ciências, é comum que nós, professores do Ensino Fundamental, abordemos certos conteúdos em anos específicos. Astronomia e meio ambiente são tratados no 6º ano, seres vivos no 7º, corpo humano no 8º, Química e Física no 9º. Em conversa recente com colegas, questionei: por que seguimos essa ordem?
Pensamos juntos em várias possibilidades. Será que o nível de complexidade dos assuntos é crescente? Essa organização começa com temas mais gerais e avança para os mais específicos? Seria uma questão de pré-requisitos? Não chegamos a uma resposta. É difícil justificar pedagogicamente a ordenação, há décadas presente na maioria dos materiais didáticos. Ao discutir isso com docentes de outras áreas, descobri que tradições semelhantes existem em todas as disciplinas.
Já tive a oportunidade de dar aulas para todas as turmas dos anos finais do Ensino Fundamental em uma mesma escola. Enquanto fazíamos o planejamento anual, uma colega que lecionava Língua Portuguesa disse que no 9º ano eram mais produtivos os trabalhos em que temas mais abstratos serviam como mote para práticas de leitura e escrita. Ela atribuía isso ao término do segmento, período de várias transições e muito emblemático para os alunos. Nas palavras dela, esse era o momento de abordar assuntos que "abriam os horizontes". Várias produções de estudantes comprovavam a tese, que também se sustentava em teorias sobre o desenvolvimento cognitivo. Com base nessa discussão, transferi os conteúdos relacionados à astronomia tópico que leva a pensar sobre a imensidão do Universo e justamente abre horizontes para a última série.
No final do trabalho, a coordenadora pedagógica e eu avaliamos a decisão como acertada. Em anos seguintes, fiz outras alterações no planejamento e vi que o aproveitamento das turmas era Qual é o peso da tradição na escolha do que ensinamos? cada vez melhor. Além disso, ao refletir sobre as possíveis mudanças, consegui justificar minhas escolhas e adquiri muito mais clareza dos objetivos que pretendia atingir com os alunos.
Toda essa experiência leva a pensar não somente na ordem em que costumamos apresentar os conteúdos aos alunos mas também propõe um questionamento mais amplo, sobre os motivos que nos levam a eleger cada tópico.
Façamos um exercício, respondendo às seguintes questões: Quais conteúdos que ensinamos foram selecionados de modo consciente? Quais argumentos justificam a seleção deles? Que temas não têm justificativa? Será que esses últimos se mantêm no planejamento apenas por inércia?
Penso que refletimos pouco sobre nossas escolhas e frequentemente as defendemos com justificativas frágeis como: "Aprender o tópico X ajuda a explicar muitos fatos do cotidiano de alunos do ano Y", "O assunto fornece um contexto interessante para desenvolver determinada habilidade"; e "Discutir o tema é uma oportunidade de desenvolver o senso crítico". Raramente aprofundamos esses argumentos. Assim, corremos o risco de ligar o piloto automático e deixar de pensar nos reais objetivos por trás de cada tópico.
Agora, esse debate está ganhando dimensão nacional com a elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que buscará trazer uma lista de conteúdos essenciais para cada etapa da Educação Básica. Será que conseguiremos justificar pedagogicamente cada item presente nela? Ou eles constarão appenas por força da tradição?
A responsabilidade por pensar nisso também é de todos nós, professores, tanto agora, analisando o texto disponível no site oficial da iniciativa (basenacionalcomum.mec.gov.br), quanto depois, continuando a refletir sobre as escolhas e adaptando-as para garantir o melhor aos alunos.
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