Há um legado das Olimpíadas para a Educação Física?
Notícias sobre os grandes eventos esportivos não têm motivado os professores a utilizar essa temática em suas aulas
PorNOVA ESCOLA
03/02/2016
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
03/02/2016
Autor de 28 livros, livre-docente em Pedagogia do Movimento, consultor do Instituto Esporte Educação e membro da Caravana do Esporte.
Desde que o governo brasileiro e as autoridades de nosso desporto comprometeram o país com a realização dos dois maiores eventos esportivos do planeta, a palavra legado, raramente utilizada fora dos círculos jurídicos e eclesiásticos, tornou-se frequente em noticiários, conversas e textos. Por mais que se desconheçam os compromissos firmados nos bastidores da organização dos gigantescos eventos, a justificativa que nunca faltou foi o sempre insuspeito legado deixado aos brasileiros pela Copa do Mundo de Futebol e pelas Olimpíadas. Em seus múltiplos significados apresentados nos dicionários, legado quer dizer que é transmitido às gerações que se seguem (Houaiss, p. 1.735) e missão confiada a alguém no caso, a nós, os brasileiros. É útil esclarecer que esse termo não está comprometido necessariamente com o bem. Ou seja, os campeonatos como os aqui comentados podem deixar legados tão benéficos quanto danosos, embora não saibamos exatamente quais sejam. Há anos falamos sobre Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas. Obras têm sido realizadas, pessoas são contratadas, empresas privadas e não governamentais foram organizadas e comissões de governos foram mobilizadas. Como resultado desse movimento, há legados que ficam, mas não temos o controle sobre a maioria deles.
Sabemos que o preparo das equipes para as Olimpíadas não aconteceu como deveria e que atletas competentes não foram formados, até porque isso não se dá de uma hora para outra. Quanto à Copa do Mundo, a performance de nossos craques em campo foi vexaminosa e já foi criticada o suficiente. O caso vai além: o futebol brasileiro não melhorou sua qualidade, o número de praticantes não aumentou e as notícias sobre o evento incluíram escândalos envolvendo dirigentes brasileiros. Mas por ser demais pretencioso discutir o legado deixado por esses acontecimentos para o povo de maneira geral, quem sabe possamos fazê-lo somente no restrito universo das aulas de Educação Física.
Não sabemos como o tema foi tratado nas aulas da disciplina durante e após a Copa do Mundo. Talvez novas práticas tenham ocorrido por iniciativa de algumas escolas. Porém, como saber, se não nos chegaram informações de que isso ocorreu? Se porventura existiram essas iniciativas como pesquisas e discussões sobre os eventos, textos e exposições , elas motivaram a reflexão e deixaram legados na consciência. O que fica, no entanto, dependerá do modo como foram orientados os trabalhos.
Quanto às Olimpíadas, suponho que também ocorrerão casos isolados, que esse tema dominará noticiários e conversas de parte da população, e que ganhos financeiros serão contabilizados. Mas não deveríamos nos conformar apenas com eles.
Nas escolas, propostas interdisciplinares teriam um campo fértil e motivador de estudos se tomassem as Olimpíadas como tema norteador. Quanto os alunos poderiam aprender sobre a geografia dos países envolvidos nos jogos? E sobre a história das Olimpíadas? A Educação Física poderia promover encontros esportivos adaptando as modalidades dos Jogos Olímpicos para a realidade da escola. A Matemática ou a Língua Portuguesa poderiam ser mobilizadas. Belos trabalhos de comunicação poderiam ser feitos pelos estudantes em torno desse grande evento. No entanto, a exemplo de Olimpíadas passadas, talvez isso não ocorra. Só que desta vez teremos os jogos no Brasil e seremos o centro das atenções mundiais. Será que perderemos mais essa oportunidade?
A Educação Física escolar, a área da qual mais me ocupo, mudou muito nos últimos 30 anos, e para melhor. Isso não significa que nada houvesse de aproveitável antes do início dessa transformação. O trabalho de professores que atuaram até a década de 1970, como Inezil Pena Marinho, Oswaldo Diniz Magalhães e Darcymires do Rêgo Barros, entre outros, deixaram legados que favoreceram bastante o movimento de reinvenção da Educação Física nos anos 1980, quando ela ainda tinha práticas disciplinadoras e autoritárias. De lá para cá, surgiram diversas faculdades, foram escritos centenas de livros e milhares de artigos, e uma nova ideia sobre o papel da disciplina escolar espalhou-se pelo Brasil.
Muitas das propostas observadas em sala de aula mostravam que uma nova geração de professores e professoras entendiam que a Educação Física não tinha como foco apenas melhorar a saúde e o comportamento dos alunos. Mesmo sem deixarem de ser importantes, saúde e disciplina perderam o protagonismo que ocupavam anteriormente. A Educação Física se despiu do jaleco e da farda. Ela se tornou uma disciplina como as demais, que teria a responsabilidade de formação de indivíduos para a vida em sociedade, e que reivindicava cidadania para eles dentro e fora do espaço escolar. Nessas aulas, o esporte passou a ser visto como educacional, que se adapta à escola, ao adolescente e à criança, ao contrário de ser uma espécie de tirano que só aceitava aqueles que se rendessem a ele, em sua forma sofisticada de alto rendimento.
Nas minhas andanças pelo Brasil, tenho sido gratificado com a apresentação de belíssimas aulas. Elas são, na sua maioria, mas não exclusivamente, obra de jovens professores. No entanto, não noto que estejam preocupados com os grandes eventos esportivos. Eles têm dado preferência para outros assuntos, como meio ambiente, gênero, motricidade, cooperação, esporte educacional, jogos populares e percepção corporal.
Passam-me a impressão de que não vale gastar o tempo de aula com Olimpíadas e campeonatos de futebol, dado o desgaste que esses assuntos sofreram nos últimos tempos, principalmente após as denúncias sucessivas de corrupção na área do esporte de rendimento. Percebo, e lamento, no contato com eles, que as notícias que nos chegam sobre os grandes eventos esportivos não têm motivado os professores mais talentosos a utilizar essa temática para darem suas boas aulas.
O governo brasileiro e as autoridades do desporto assumiram o risco de sediar a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas no Brasil, deixando a nós o entendimento sobre seu legado. Em breve, as Olimpíadas serão realizadas e seus efeitos fcarão, desde que saibamos identifcá-los e usufruir deles. E no universo da Educação Física da escola, qual o legado deixado por esses eventos? De que forma professores estão trabalhando ou não esses temas?
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