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Jornalismo

Na corda chinesa, duas ou mais pessoas pulam juntas com as cordas entrelaçadas

Três amigas animadas sincronizam os gestos para pular uma modalidade de corda: todas saltam em conjunto enquanto coordenam os braços para cima e para baixo. Em vez de cada uma portar sua própria corda, elas seguram uma ponta da sua e outra da colega. 

MARCOS

Pedagogo pela Uninove com pós-graduação em Educação Física Escolar pela Universidade Gama Filho.

"A especialização foi decisiva para repensar as práticas de ensino considerando as linguagens corporal, artística e cultural como recursoS DE APRENDIZAGEM"

Complicado? Pois Cássia Santana da Silva, 11 anos, Geovana Ferreira Santos, 12 anos, e Roseli de Fátima Souza Marques, 11, as protagonistas da foto acima, tiram de letra. Com Kayky Cardoso de Aquino, 12 anos, não é diferente. Os braços giram rapidamente, intercalando movimentos cruzados e paralelos, o rosto vai ficando vermelho e sorridente enquanto o garoto executa giros, parada de mão e flexão no chão ao saltar. Cenas assim se repetiam por todos os cantos nas aulas de Educação Física do professor Marcos Vilas Boas, da EMEF Plácido de Castro, em São Paulo. 

O docente elaborou uma sequência didática que ampliou o conhecimento dos alunos do 5º ano sobre as possibilidades da corda para além da brincadeira de criança. Eles tiveram contato com manobras do Rope Skipping, um esporte pouco conhecido no país, e criaram novas e ousadas formas de pular sozinhos ou em grupo. 

Altos, baixos, magros, gordinhos, ágeis ou mais vagarosos, cada um com suas características superou desafios e aprendeu movimentos novos - e complexos - ao mesmo tempo que ampliou o repertório corporal e o condicionamento físico. "O exercício com corda é democrático, pois permite que todos possam se superar ao seu modo", diz Marcos Santos Mourão, docente da Escola da Vila, em São Paulo, e selecionador dos projetos de Educação Física no Prêmio Educador Nota 10. A cada superação, eles se motivavam a fazer mais. 

A ideia do projeto surgiu depois que o professor observou o interesse da garotada, já que muitos se divertiam nos intervalos pulando corda. "Essa escolha vai ao encontro da necessidade de ampliar o ensino da área a fim de favorecer práticas culturais ligadas ao corpo que não estão necessariamente relacionadas a esportes convencionais", diz Caio Martins, coordenador do Instituto Esporte Educação, em São Paulo.

Com o auxílio de Marcos, os alunos realizaram movimentos complexos com a corda

Ao pesquisar o assunto, Marcos descobriu o rope skipping, originário dos Estados Unidos e que une elementos acrobáticos a diversas variações de movimentos de corda. Nele, a cooperação entre os atletas é essencial para o sucesso das manobras, outro ponto desenvolvido com a turma. Para se preparar para as aulas, o docente assistiu a vídeos na internet. "Ele também participou de treinos conosco para aprender na prática", conta Willians Augusto de Oliveira, um dos fundadores do grupo Pé de Mola, de São Paulo, difusor do esporte.

 

Pesquisa e prática 

Para começar, o professor partiu das brincadeiras de corda que a turma conhecia. Dos 33 alunos, 20 não sabiam nenhuma e 13 lembravam de algumas que envolviam cantigas, a exemplo de Salada, Saladinha e Suco Gelado (duas pessoas batem uma corda grande e outra pula no centro). Todos foram à quadra para experimentá-las. 

A partir daí, estabeleceu-se uma dinâmica que alternava a prática com momentos de pesquisa e sistematização dos aprendizados. Na sala de informática, os estudantes buscaram nos sites Território do Brincar e Mapa do Brincar jogos brasileiros com corda e os colocaram em ação. 

Marcos também apresentou duas brincadeiras  de outros países envolvendo cantigas: Teddy Bear, da Inglaterra, e a peruana Manzanita del Perú. Depois, a turma passou a fazer criações próprias, chegando a 12 variações dos movimentos vistos anteriormente. "Um dos objetivos era colocar os alunos como produtores de cultura corporal, não só reprodutores", justifica o professor. 

Depois, o educador passou para o rope skipping. Ele projetou um vídeo do esporte para a classe e o filme Jump in! (Paul Hoen, 85 min, produção para o canal de tevê Disney Channel), uma história de ficção com personagens que praticavam a modalidade. Em seguida, os estudantes debateram sobre o que tinham visto e as observações foram escritas no quadro.

 

De salto em salto 

Em quadra, cordas de diferentes tamanhos e tipos eram colocadas no chão (veja algumas delas no quadro abaixo), e os alunos divididos em grupos. Primeiramente, Marcos organizou os objetos para que os estudantes pudessem escolher entre três práticas de rope skipping: a single rope (corda individual), a double dutch (corda dupla holandesa, em que alguém salta entre duas cordas grandes, batidas alternadamente por outras duas pessoas) e a chinese wheel (roda chinesa, praticada pelas três amigas na foto do início desta reportagem).

Nas demais aulas, as possibilidades de manobras aumentavam à medida que as crianças dominavam movimentos e criavam outros. "Na corda individual, a gente pula com os dois pés juntos. Já na dupla, os pés são alternados", ensina Kamilla de Souza Abreu, 12 anos. Marcos Mourão ressalta que, apesar de a forma encontrada pela menina não ser o único modo de pular a corda dupla, ele é apropriado para fazer movimentos rápidos, conhecimento que a garota construiu com base na própria experiência. Durante as vivências, Marcos caminhava entre os alunos fazendo intervenções precisas para que  eles conseguissem alcançar novos conhecimentos, como fez Kamilla, e se desafiassem cada vez mais. 

Por vezes, ele mesmo demonstrava o movimento para repertoriar os estudantes e instigá-los a tentar. O Pé de Mola também foi convidado para fazer demonstrações na escola e interagir com os alunos, que, na ocasião, entrevistaram o grupo sobre a repercussão do esporte no país e como fazer determinadas acrobacias.

Para que os saberes desenvolvidos não se perdessem, após as experimentações, a garotada se reunia em torno de um cartaz para registrar cada modalidade pulada, com dicas (como os desenhos à esquerda). Para João Batista Freire, professor aposentado da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é necessário que o aluno tome consciência do ato físico. "Uma das formas de fazer isso é representar o movimento imaginando, desenhando, escrevendo e conversando sobre ele", afirma. Ele explica que, "à medida que os estudantes trazem a atividade física para o plano mental, ela se transforma em conhecimentos mais elaborados".

O grupo Pé de Mola mostrou acrobacias como pular quatro pessoas em conjunto
Vídeos com praticantes do rope skipping também ajudaram a repertoriar a turma
A aluna Julia  bateu corda com  o professor para  a colega saltar 

As crianças ainda levaram o esporte para outras turmas e instituições de ensino da região. Uma das pessoas que aprendeu com eles foi Julia Mendes Rocha, 13 anos, que tem limitações físicas decorrentes de paralisia cerebral e também estava do 5º ano. Seguindo os gestos dos colegas, ela bateu a corda para que outra menina pulasse e quer começar a se arriscar nos saltos. "É o que mais gosto de fazer na escola", diz Julia. Para isso, quem bate regula o movimento para adequá-lo ao ritmo da garota. "Não temo que ela se machuque, pois o Marcos me passou muita segurança. Fico feliz de vê-la brincar com as outras crianças", afirma Raimunda Nogueira, estagiária do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai).

Para Marcos Mourão, um dos grandes méritos do trabalho de seu xará é oferecer a todos acesso a diversas práticas corporais. "Em vez de simplificar as modalidades ou ir aumentando a complexidade delas, o professor propôs variadas situações reais para que todos pudessem se superar. Ele proporcionou uma imersão na cultura da corda, o que deu sentido à atividade", afirma. Com isso, o céu foi o limite: houve quem pulasse corda individual ao mesmo tempo que a dupla, outros se juntaram em até oito pessoas na chinesa e teve até alguns que ousaram nos saltos. Essas conquistas os motivaram a querer ainda mais. "O legal é poder sempre aprender coisas novas", resume Yan Fernando Barbosa da Silva , 11 anos.


Fotos: Silvia Zamboni

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