Como garantir a continuidade das políticas públicas
Para que as políticas não sejam interrompidas a cada mandato, são necessários o compromisso pela continuidade e a vigilância da população
PorRodrigo RatierCamila Monroe
01/10/2010
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Jornalismo
PorRodrigo RatierCamila Monroe
01/10/2010
Nas eleições deste ano, o bordão "Educação é prioridade" foi, provavelmente, o mais bradado pelos candidatos em busca de uma vaga nas Assembleias Legislativas, no Congresso ou nos Executivos estaduais e federais. O problema é que, com raras exceções, o discurso não ia além do lugar-comum de sempre: valorizar o professor, melhorar a qualidade do ensino, recuperar a infraestrutura da rede. Ok, todos de acordo quanto a isso. Mas pouco se falou sobre o que de fato interessa: propostas concretas para enfrentar os obstáculos e evoluir.
Tratar a Educação como prioridade significa ir além das generalidades do horário político. Requer preparo e conhecimento profundo do assunto (não é admissível, por exemplo, que um quarto dos projetos de lei na área da Educação no Congresso defenda a criação de disciplinas, ignorando necessidades mais urgentes). Também pede coragem para romper com comportamentos tão tradicionais quanto nocivos, como a ideia de que o novo governo só se inicia no dia 1º de janeiro.
Por muito tempo, os três meses que separam as eleições da posse eram caracterizados por uma inércia administrativa. Felizmente, a gestão pública está amadurecendo. Hoje, um governante não pode se dar ao luxo de iniciar o mandato sem conhecer, em detalhes, as virtudes e as debilidades da rede.
A importância de continuar as ações do governo anterior
Para isso, é fundamental que as equipes que chegam e que saem aproveitem o chamado período de transição para construir um retrato das tarefas a cumprir. No debate que marcou o início das comemorações dos 25 anos da Fundação Victor Civita (FVC), em setembro, autoridades políticas apresentaram um panorama das maiores necessidades das cinco regiões brasileiras (veja o quadro abaixo). A mesma diversidade de desafios se manifesta em cada estado, cidade, bairro e escola. Entender as especificidades de cada um deles é um requisito fundamental para avançar.
O debate da FVC assinalou ainda a importância de romper com outro péssimo costume: a interrupção de ações do governo anterior quando a oposição toma posse. Em Educação, soluções eficazes demoram décadas para dar resultado. No terreno da avaliação da aprendizagem, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado no primeiro mandato do governo Lula, não existiria sem seu precursor, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), criado em 1990 e reestruturado na administração de Fernando Henrique Cardoso. No setor de financiamento, o mesmo vale para a relação entre Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e seu antecessor, o Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Vale ainda citar a Lei do Piso Salarial, finalmente sancionada em 2008 (após tramitar entre Congresso e Planalto desde 1989). Essas conquistas - que, aliás, devem ser aprofundadas - só viraram realidade porque foram encaradas como políticas de Estado (comprometidas com o organismo político-administrativo que se mantém eleição após eleição) e não de governo (sujeitas aos humores e às conveniências dos vencedores do pleito).
Um país, muitos desafios
Conhecer a fundo os problemas locais é uma obrigação dos governantes. Abaixo, tarefas urgentes em cada região
Norte
Universalizar o acesso à escola, levando Educação às regiões e comunidades mais isoladas na floresta Amazônica.
Nordeste
Investir em Educação de Jovens e Adultos (EJA) para reduzir os índices de analfabetismo, os maiores do país.
Centro-oeste
Ampliar o controle social da Educação. Só o fortalecimento da pressão popular pode melhorar a qualidade das escolas.
Sudeste
Levar a qualidade a todas as escolas, acabando com o absimo entre as "ilhas de excelência" e o restante da rede.
Sul
Fortalecer o Ensino Médio, em que as taxas de evasão ainda são altas e os professores menos preparados.
Para perseguir a qualidade, não se pode abrir mão da fiscalização
E todos nós também temos uma missão: vigiar os passos dos governantes (ajuda pouco ficar revoltado com a situação das escolas em casa ou na sala dos professores durante o cafezinho). A esse respeito, uma notícia ruim e uma boa. A ruim é que tem faltado conhecimento e disposição para utilizar os mecanismos de controle existentes. A emenda 29 da Constituição, estabelecida em 1998, garante ao eleitor comum o acesso a qualquer documento público. Também determina que as Assembleias Legislativas tenham ouvidorias, que registrem reclamações e informem sobre seu andamento. O site da Corregedoria Geral da União (CGU), por sua vez, mantém o Portal da Transparência, com relatórios sobre a destinação dos recursos federais em todo o país. São, entretanto, direitos e serviços pouco difundidos - assim como os Conselhos Municipais de Educação (CMEs), colegiados que reúnem representantes da comunidade escolar e da sociedade civil para decidir os rumos da Educação de cada cidade. Apesar de sua importância, uma em cada três não tem CMEs ativos.
A boa notícia é que a pressão popular funciona. Na Bahia, a campanha Chapada e Semi-Árido pela Qualidade na Educação começou, em 2004, a supervisionar as ações dos políticos em 22 cidades. Desde então, os índices da região melhoraram significativamente - a taxa de evasão escolar, por exemplo, caiu para menos da metade. O segredo foi propor (e acompanhar a execução) de um termo de compromisso com metas, assinado antes das eleições pelos candidatos. Estratégia semelhante foi utilizada neste ano na Carta Compromisso pela Garantia do Direito à Educação de Qualidade, uma iniciativa de entidades sociais que conjuga prioridades gerais com metas concretas, que podem ser fiscalizadas. Olho vivo dá resultado. Assumir nossa parcela de responsabilidade é o caminho para que a Educação seja uma prioridade.
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