Cadê o sapo que morava na lagoa?
A abordagem interdisciplinar possibilita estudar o anfíbio como indicador ambiental
PorPaula PeresBruna EscaleiraJacqueline Hamine
03/09/2015
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Jornalismo
PorPaula PeresBruna EscaleiraJacqueline Hamine
03/09/2015
Esta é uma reportagem de Ciências ou de Geografia? É das duas disciplinas. Quando um assunto inclui conhecimentos de mais de uma área, o professor pode aproveitar para desenvolver novas formas de abordagem, de modo menos compartimentado. "A proposta é olhar para um tema, que é sempre um recorte da realidade, e pensar quais disciplinas dão conta de analisar seus vários aspectos", diz Julia Andrade, coordenadora educacional da Átina Educação, em São Paulo.
Aqui, o mote que permite essa conexão são os anfíbios. As crianças têm imagens de sapos, rãs e pererecas muito fortes em suas mentes, seja pelas histórias de contos de fadas, seja pelo repertório de expressões e músicas populares, como "temos de engolir alguns sapos" ou "o sapo não lava o pé".
As características desses animais queridos por uns e temidos por outros possibilitam relacionar conteúdos das duas disciplinas previstos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Em Ciências, o estudo das espécies e suas características faz parte do bloco temático Ambiente e Seres Vivos. Já em Geografia, a análise do meio ambiente, das transformações humanas na paisagem e dos biomas brasileiros é sugerida na divisão Natureza, Lugar e Paisagem.
A polivalência do educador também favorece a interdisciplinaridade. Para Jorge Barcellos da Silva, professor de Didática do Ensino da Geografia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o docente dos anos iniciais do Ensino Fundamental deve perceber o mundo como um lugar dinâmico, em que os saberes de diferentes áreas se misturam. Luisiana Carneiro, doutora em Biodiversidade Vegetal pelo Instituto de Botânica de São Paulo, explica que os PCN já trouxeram essa orientação. "A ideia é buscar o melhor de cada disciplina para ajudar os alunos a utilizar esses conhecimentos num contexto cotidiano ou propor a resolução de uma situação-problema."
Apesar das recomendações, há uma grande dificuldade de trabalhar fazendo intersecções entre as áreas. "Talvez isso aconteça porque nós também aprendemos na escola a pensar dentro dessas 'caixas'. É custoso atuar de uma maneira diferente daquela que nos acostumamos", sugere Julia.
Ciclo de reprodução revisitado
Que tal, então, olhar para a natureza somando os conhecimentos sobre os seres vivos e a relação deles com o lugar em que vivem? A Biogeografia traz exatamente essa proposta: estudar o meio ambiente e as conexões entre relevo, clima, hidrografia, fauna e flora de uma região. "Quando discutimos em sala de aula como as transformações do espaço interferem na natureza e nos seres vivos, estamos trabalhando a Biogeografia", diz Suely Gomes, professora da Escola de Aplicação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
No estudo dos anfíbios, os saberes de Biologia e Geografia estão interligados de tal maneira que fica difícil delimitar o que pertence a cada disciplina. As fêmeas desses tipos de animais botam os ovos na água. Os filhotes nascem, em forma de girino, e vivem em meio aquático. Quando estão maiores, já na fase adulta, passam para o terrestre. Esse tradicional ciclo de reprodução, que é abordado nas aulas de Ciências, dá pistas de por que sapos, rãs e pererecas são considerados bons indicadores ambientais.
"Esses animais estão suscetíveis tanto às alterações no meio aquático quanto no terrestre", explica Léo Ramos Malagoli, doutorando em Anfíbios pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Portanto, quando observamos que a diversidade de sapos que havia em um local está diminuindo, devemos ligar o sinal de alerta. "Se o ambiente está íntegro ou o mais próximo disso, haverá uma diversidade maior de espécies", diz Léo. Se não está bom para os sapos, é um indicador para observarmos também a nossa qualidade de vida.
Ações do homem sobre os ecossistemas em que vivem os anfíbios, como a poluição de rios e lagos ou o desmatamento de matas ciliares, podem gerar problemas sérios. "O que mais ameaça é a perda de hábitat. Áreas devastadas e brejos aterrados afetam as populações de um local. Se isso ocorre em escala ampla, pode-se perder não apenas alguns indivíduos, mas espécies inteiras", alerta o especialista.
Como os sapos dependem da água para se reproduzir, períodos de seca também podem prejudicar os bichos em longo prazo. Algumas espécies se reproduzem entre setembro e março e, caso não chova nesse período, elas acabam atrasando um pouco a procriação. "Mas, em um ciclo natural, isso é facilmente corrigido nos outros anos que vão ter mais chuva", explica Léo. Porém, não se pode negar a importância da qualidade da água. "Alguns anfíbios aguentam uma certa poluição, mas são poucos. Em contrapartida, há uma grande parte deles que não tolera nenhum tipo de alteração no meio, como contaminação química ou esgoto", completa.
Um exemplo de espécie criticamente ameaçada de extinção no Brasil é a perereca-gladiadora-de-sino (Hypsiboas cymbalum). Natural de Paranapiacaba, a 63 quilômetros de São Paulo, ela não é vista desde 1962. "Esse animal se reproduzia à margem de riachos nas matas. É provável que tenha desaparecido devido à intensa poluição do polo industrial de Cubatão, que afetou os corpos d?água e as florestas da região, prejudicando não somente ele mas também outros bichos e plantas", diz o pesquisador.
Um ambiente para cada espécie
A grande variedade de sapos, rãs e pererecas deixa o estudo desse tema um pouco mais complexo. Não existe apenas um ambiente propício para a reprodução, assim como não há um único fator determinante para a extinção. Tudo depende das características de cada grupo de animais, que se relacionam ao meio em que eles vivem. "Apenas na Mata Atlântica há cerca de 550 espécies, das quais 40% não dependem diretamente da água, mas de outros fatores, como a cobertura florestal e a umidade", informa Léo.
O infográfico abaixo mostra alguns anfíbios encontrados nos biomas brasileiros. As particularidades dessas regiões são um conteúdo pouco presente nos anos iniciais, como explica Jorge: "É comum que o professor trabalhe o lugar emque o aluno está, para depois aumentar o raio de ação". Ele defende que, hoje, os alunos têm mais acesso a fontes de informação e podem estabelecer uma discussão entre o que acontece onde vivem e em locais distantes.
Tudo isso pode parecer muita coisa. "Para que não fique exaustivo, é necessário fazer um recorte dos objetivos de aprendizagem", sugere Célia Senna, da Átina Educação. Embora desafiadora, a tarefa é possível. Confira um plano de aula para apresentar o sapo como indicador ambiental para crianças de 3º e 4º anos.
Clique aqui para abrir o infográfico
Ilustrações: Bruno Algavre. Fotos: Léo Malagoli
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