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Jornalismo

Num país tão multicultural como o Brasil, é difícil imaginar uma comunidade sem imigrantes. Mas a integração social e econômica de estrangeiros nem sempre é simples. Na Espanha, a imigração é um tema complexo envolto por preconceitos e contradições. Essa pluralidade de pontos de vista foi o mote da professora Eva Barros para abordar argumentação em espanhol com o 9º ano da Escola Santi, em São Paulo.

Para compor a sequência didática, ela separou uma série de referências sobre a atual imigração para a Espanha explorando diferentes suportes: cartazes, vídeos, reportagens de rádio, notícias e um fórum de debate. Além de oferecer repertório para que os alunos construíssem suas próprias opiniões sobre o tema, essa variedade de materiais possibilitou trabalhar as diferentes habilidades linguísticas: leitura, escrita, escuta e fala.

Para começar, a docente pediu que a turma observasse um cartaz sobre xenofobia (abr.ai/cartazda campanha do governo espanhol Intolerantes Anónimos (abr.ai/campanha), que ironiza a posição de quem rejeita os imigrantes. Divididos em duplas e trios, os alunos analisaram as imagens respondendo às perguntas: "¿Cómo describen ustedes este cartel?, ¿De qué va la campaña? e ¿Cómo la composición visual expresa el mensaje?".

Na opinião de Eva, a atividade foi proveitosa, mas os estudantes falaram pouco e logo descobriram o tema ao ler o texto do cartaz. "Eu deveria ter escondido as palavras e projetado só a imagem em sala. Creio que a leitura não verbal seria mais desafiadora", observa a educadora.

Fernanda Rodrigues, docente de Línguas Estrangeiras na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), explica que, na adolescência, é comum que os alunos sejam mais lacônicos e evitem se expor. "Em língua estrangeira, esse embaraço é ainda maior", comenta.

Eva, então, buscou relacionar o tema ao que se vive no Brasil hoje, propondo perguntas como: "¿Conoces a extranjeros en São Paulo?, ¿Has escuchado sobre alguna forma de discriminación que hayan sufrido? e ¿Qué motivos llevan uno a partir de su país?". "Foi interessante debater um tema da vida real nas aulas de Espanhol, já que a gente costuma falar só sobre a língua", coloca o aluno Thiago da Costa, 13 anos.

A atividade seguinte envolveu escuta e interpretação da linguagem audiovisual. Primeiro, a professora presentou só o áudio do vídeo Español para Extranjeros (abr.ai/video2). A turma identificou falas de recepção a turistas. Então, Eva revelou as imagens e os alunos se surpreenderam com o que viram: imigrantes ilegais chegando à Espanha em condições extremamente precárias.

 

Guarda civil observa imigrantes na cidade espanhola de Melilha, no norte da África. Crédito: Getty Images/ Alexander Koerner

Com uma boa base sobre o tema, a turma já podia interpretar textos mais complexos. A professora apresentou uma reportagem em áudio e texto (abr.ai/melilha) sobre a chegada de imigrantes ilegais à Melilha - cidade autônoma espanhola que fica no norte da África - e um fórum (abr.ai/forum) em que europeus discutem imigração. Ali, os alunos entraram em contato com textos opinativos reais que traziam expressões características do gênero já estudadas em outras atividades, como "yo creo que" ou "a mi me parece que".

Em seguida, Eva dividiu a sala em dois grupos para um debate: um defenderia que os imigrantes roubam os postos de trabalho dos cidadãos nativos; o outro diria que não. "Alguns não queriam aderir à defesa de opinião do seu grupo. Procurei mostrar que o exercício era defender um dos lados, e não expor o ponto de vista pessoal", conta.

Chegou a hora de colocar as opiniões no papel. Como lição de casa, a professora pediu que os alunos lessem uma notícia sobre os mitos em relação aos imigrantes (abr.ai/mitos) e escrevessem um comentário (como os reproduzidos ao longo desta reportagem) como se fossem publicar no fórum de leitores do jornal. Para Maria Irene Basso, professora de Espanhol do colégio Miguel de Cervantes, em São Paulo, é no momento da escrita que se percebe a importância da discussão em grupo. "Para muitos, é difícil o encontro a sós com a folha em branco. O debate dá mais repertório para quem tem essa dificuldade", explica.

Nesse ponto, Eva faz uma autocrítica: "Acabamos focando nos debates, e eu deveria ter insistido na observação da estrutura dos comentários". "Nos textos opinativos, existe um trabalho linguístico importante. Vale mostrar quais são as expressões de opinião e os tempos verbais mais usados, além de diferenciar os comentários de afirmação ou de negação", explica Fernanda.

Eva terá a chance de ressaltar esses pontos nas próximas aulas, em que pretende fazer a revisão e a correção coletiva dos comentários.

 

 

Refugiados sírios em Melilha esperam para embarcar para a Espanha continental. Crédito: Getty Images/ Alexander Koerner

"Em mi opinión, los inmigrantes están quitando sí nuestros puestos de trabajo. Los puestos que ocupan son más simples, porque ellos vienen en busca de oportunidades a sus alcances. Los inmigrantes trabajan mucho tiempo por un salario muy pequeño, o que ayuda las empresas, pero también hay una grande cuantidad de personas del país que trabajan mucho para poco.?
Produção de aluna de 14 anos.

O processo da interlíngua
O texto da aluna é coerente e deixa claro seu ponto de vista. "No processo de aprendizado da língua, a 'interlíngua', interferências do idioma materno, erros ortográficos e gramaticais não devem ser vistos como um problema, mas como pontos a ser trabalhados de forma progressiva", defende Eva.

 

 

Imigrantes africanos interceptados por bote do governo espanhol ao chegar à costa do país. Crédito: Getty Images/ Sergio Camacho

"En mi opinión los inmigrantes ilegales están ciertos, porque la mayoría de ellos viven en países que están en guerra civil, yo pienso que se yo fose un habitante de un país en guerra civil, yo no iría pensar y já iría para un país seguro, mismo yo teniendo risco de vida, yo viajaría ilegalmente. Yo concordo que no es legal hacer eso, pero esa es la mejor opción para ellos."
Produção de aluno de 13 anos.

Primeiro, compreender
O texto mostra que o aluno compreendeu a estrutura opinativa, apesar dos erros gramaticais e de pontuação. "Esses aspectos são indispensáveis ao ensino da língua, mas nem sempre garantem uma boa produção escrita ou oral. Trabalhar todas as incorreções de uma vez pode aumentar a ansiedade do grupo", diz Eva.

 

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