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Jornalismo

É entre meio-dia e uma hora da tarde. Você se senta para almoçar. No cardápio, arroz, feijão, bife e salada. O prato é quase sempre o mesmo, exceto nos fins de semana, quando é substituído por uma macarronada ou alguma receita tradicional da família. Entre uma garfada e outra, não paramos para pensar, mas as refeições dizem muito sobre a história de uma comunidade.

"A alimentação é um bom ponto de partida para se lançar um olhar sobre as sociedades e as culturas ao longo do tempo", diz Joana Carvalho, mestre em história da alimentação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Guerras, migrações, colonização, influências entre diferentes povos: boa parte das relações sociais refletem-se, mais cedo ou mais tarde, na comida. Por isso, cada prato pode ser encarado como uma valiosa fonte histórica.

Os fundamentos para analisar a sociedade brasileira com base em seus hábitos alimentares estão em algumas obras importantes das Ciências Sociais, como os estudos de Gilberto Freyre e o livro História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo (960 págs., Ed. Global, tel. 11/3277-7999, 98 reais). Esses pesquisadores mostram que a maneira como os brasileiros se alimentam hoje foi formada pelas tradições de três principais povos: indígenas, europeus e africanos.

O trivial arroz com feijão revela a influência de portugueses e índios (como mostra o infográfico que você pode acessar aqui). Já a mistura de carne de porco ao feijão-preto, a popular feijoada, é atribuída aos negros escravos, mas sua origem permanece desconhecida - na Europa, misturava-se outros tipos de feijão e carne há alguns séculos. A farofa de farinha de milho ou mandioca também chegou com alguns grupos africanos trazidos ao Brasil. 

Apesar de parecer clara a contribuição desses três povos para a culinária brasileira, é necessário considerar os diversos fluxos migratórios para cada região do país. "No Sul do Brasil, algumas regiões têm maior influência alemã ou polonesa. Já no Nordeste, a colaboração de indígenas e africanos é maior", explica Marco Aurélio Monteiro Pereira, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), especialista em história da alimentação. Além disso, os grupos de europeus, indígenas e africanos que se estabeleceram aqui eram variados e cultivavam hábitos específicos. 

Também é preciso considerar que os costumes de outros países ou regiões são alterados ao ser integrados à cultura local. A comida italiana, japonesa ou chinesa que se come no Brasil hoje não é a mesma encontrada em seus lugares de origem.

No artigo Comida Como Narrativa da Memória Social, Denise Amon e Renata Menasche exemplificam essas variações com a história da receita de arroz com tomate, tradicional numa família judia de origem polonesa que vive no Sul do Brasil. A mais importante mudança em relação à receita original foi a troca do tomate fresco pela polpa industrializada. As pesquisadoras explicam que a substituição do ingrediente forma uma nova receita baseada na tradição dos imigrantes, "cujos costumes e visão de mundo se transformam nas interações com a sociedade que os hospeda".

Nossos hábitos alimentares são parte de uma cultura viva que se modifica a cada momento, seja por estilos de vida, seja pela economia do mundo globalizado. Exemplo disso é a "febre" do fast-food, comidas de preparo rápido e, em geral, de baixa qualidade nutricional. Importadas principalmente dos Estados Unidos, essas refeições refletem aspectos do dia a dia de nossas grandes cidades, como a busca por praticidade e rapidez.

Da mesa à carteira escolar

A riqueza de informações que carrega faz da comida um prato cheio para as aulas de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental. "Quando se trata desse segmento, é recomendável partir sempre da realidade mais próxima dos alunos", afirma Lucas Oliveira, professor de História da Escola Santi, na capital paulista.

Os pequenos podem começar registrando no caderno suas refeições durante uma semana. Com o material em mãos, é hora de investigar o que a alimentação da turma pode representar para a história. Outra possibilidade é analisar os cadernos de receitas de família. A riqueza de detalhes das instruções, os ingredientes, a caligrafia e o uso do português contam histórias de vida.

Na EMEF Martinho Lutero, em São Lourenço do Sul, a 201 quilômetros de Porto Alegre, a diretora Leni Thurow Karnopp realizou um projeto institucional  sobre  o tema. "Pedimos que os alunos trouxessem receitas da família e fizemos um debate sobre elas, além do registro escrito e fotográfico. Buscamos recuperar a cultura da comunidade, de colonização pomerana (região entre o norte da Alemanha e da Polônia)", conta Leni. "Essas receitas carregam relatos de profundo afeto que relacionam as memórias das famílias à história", diz Sonia Miranda, docente de História na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Depois de analisar pratos do cotidiano, "é importante que as crianças reflitam sobre a alimentação em diferentes lugares e momentos, pesquisando hábitos de outros países e regiões", diz Marco Aurélio. "Podemos nos perguntar: 'Quem come determinado prato? Onde? Em que situações?'", propõe Romilda Lima, docente da Universidade Federal do Oeste do Paraná (Unioeste). Para sistematizar o trabalho, a turma pode fazer um livro de receitas e histórias.

Crédito: Victor Almeida
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