Imaginando uma cidade-modelo
Ao criar municípios, a garotada faz uma avaliação crítica dos espaços
PorDaniele PechiBruna EscaleiraPatrick Cassimiro
23/08/2015
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Jornalismo
PorDaniele PechiBruna EscaleiraPatrick Cassimiro
23/08/2015
Prédios altos ou baixos, ruas estreitas ou largas, muitas ou poucas praças, comércio perto ou longe das residências, trânsito tranquilo ou engarrafado. Quais características descrevem a sua cidade? Muitas vezes, nos vemos tão integrados às dinâmicas urbanas que não paramos para pensar por que os espaços por onde passamos diariamente são assim. Cada município é resultado de uma construção complexa, formada por processos políticos e sociais. Conhecer seus atores e ideias amplia o olhar das crianças, possibilitando uma leitura consciente dos espaços.
Para promover a formação desse senso crítico, Maria Aline Camargo, professora do Centro Educacional Sesi, em Nova Odessa, a 125 quilômetros de São Paulo, propôs que os alunos do 5º ano criassem suas próprias cidades. Esses municípios hipotéticos em que gostariam de morar não surgiriam apenas da imaginação. Cada cidade fictícia seria planejada de acordo com os elementos de uma organização urbana real.
Para introduzir o assunto, a professora entregou a cada dupla de alunos um mapa atual do estado de São Paulo com a divisão de todos os municípios e questionou: "Onde está a maior cidade? E a menor? Como elas se chamam? Quantos municípios compõem o estado?". Então, pediu que a turma apontasse Nova Odessa no mapa e estimulou um debate sobre suas características: "Como é nossa cidade? O que ela tem em comum com as vizinhas? O que ela tem de diferente?".
Em seguida, as crianças compararam um mapa do estado de São Paulo de 1957 ao contemporâneo. Ao transitarem pela cartografia, perceberam o aumento no número de cidades: a própria Nova Odessa era um distrito da cidade-núcleo da região, Americana, que foi transformado em município apenas em 1958.
Enquanto conversavam sobre as cidades, Maria Aline constatou que a turma já conhecia suas estruturas básicas, como as redes de saúde, Educação, segurança, comércio e moradias. As crianças também sabiam que os municípios são organizados por leis, direitos e deveres, mas não os conheciam em detalhe. "Relacionar a cidade ao que está na legislação para que as crianças percebam que os espaços não são criados espontaneamente é muito importante", explica Sueli Furlan, professora de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). "Muitas vezes, os alunos dessa faixa etária apresentam uma lacuna muito forte no entendimento do que é o nível jurídico", complementa.
Então, a professora propôs uma pesquisa no laboratório de informática, sugerindo que a turma acessasse a página do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística voltada para o público jovem, o IBGE Teen. Os alunos conheceram a Lei Orgânica do Município e as obrigações do prefeito e dos vereadores. Também ficaram sabendo que o orçamento da cidade é regido por leis; por isso, os governantes devem apresentar planos de administração.
Terminada a coleta de dados, Maria Aline incentivou a turma a comentar sobre suas descobertas e a produzir um texto coletivo compilando as informações. As crianças chegaram à conclusão de que, para existir um município, basicamente, precisa haver população, território, governo, vereadores, Lei Orgânica e recursos para o pagamento dos funcionários públicos. "Nos anos iniciais, a Geografia também pode ser usada como uma estratégia de ?alfabetização? social e política. O professor deve estimular os alunos a relacionar os elementos da Geografia física e política - como escala, paisagem, território - a seus significados sociais", comenta Jorge Barcellos da Silva, professor de Didática do Ensino de Geografia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Finalmente, chegou a hora de os alunos criarem suas cidades imaginárias. Divididos em grupos de quatro integrantes, deveriam pensar em quais leis regeriam seu município, como seriam os pagamentos dos funcionários públicos, a coleta de lixo, os limites das paisagens rural e urbana e as formas de administração pública. Para isso, usaram os dados da pesquisa anterior e contaram com a intervenção da professora quando apresentavam dúvidas. Juntos, sistematizaram as informações em um texto descritivo e desenharam um mapa da cidade que conceberam.
Conforme criavam seus projetos, as crianças discutiam questões importantes, como a coleta seletiva - que não existe em Nova Odessa - e a cobrança de impostos. "Num primeiro momento, algumas ideias fugiam muito do que seria possível na realidade. Um grupo sugeriu que os salários de todos os funcionários do governo fossem pagos pelos bancos; outro inventou uma supermáquina que seria capaz de decompor qualquer tipo de lixo", contou Maria Aline. Diante disso, a professora passou a estimular os alunos a pensar em soluções viáveis na prática.
Nas aulas seguintes, cada grupo se preparou para apresentar sua cidade fictícia em um seminário para as outras turmas do Ensino Fundamental 1 da escola. As crianças fizeram maquetes e cartazes com textos explicativos, além de dividir e ensaiar suas falas. "Para criar apresentações como essa, o aluno precisa organizar o conhecimento que adquiriu e torná-lo compreensível para o outro. O professor, por sua vez, consegue verificar se a criança se apropriou ou não desse conhecimento e promove sua socialização na escola", destaca Sonia Maria Vanzella Castellar, professora de Metodologia do Ensino de Geografia da Faculdade de Educação da USP.
Ao final do seminário, os colegas convidados votaram em qual cidade gostariam de morar e discutiram as características que tornavam um município mais ou menos agradável. Os projetos mais votados foram os que exibiam mais áreas verdes, boa oferta de opções de lazer e atrações culturais, além de mostrar uma preocupação especial com o meio ambiente. A cidade vencedora tinha, inclusive, uma grande praça central, bem arborizada, onde havia um cinema.
Depois de pensar sobre boas formas de organizar um espaço, os alunos se sentiram motivados a transformar Nova Odessa. A professora sugeriu que eles escrevessem uma carta aos vereadores, elencando o que havia de bom e o que poderia ser melhorado na cidade. Suas principais reivindicações foram o aumento de áreas verdes e a ampliação de opções de cultura e lazer. Até o fechamento desta edição, a carta não havia sido respondida. "Neste caso, pedir para um vereador ir à escola conversar com os alunos é interessante", sugere Sônia. Assim, eles se colocam como cidadãos, com direito de opinar e cobrar melhorias.
Fotos: Marcio Salata
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