Compartilhe:

Jornalismo

A importância da comunicação oral no planejamento escolar

O trabalho intencional com a oralidade deve ser desenvolvido durante todo o percurso escolar

PorNOVA ESCOLA

18/08/2015

Denise Guilherme

é mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), curadora da rede de leitura A Taba, formadora de professores e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10

Atividades com a linguagem oral parecem estar presentes na prática de muitos professores. É comum ouvirmos relatos de educadores que dizem criar situações nas quais as crianças são estimuladas a participar das aulas, expressar suas opiniões, falar sobre acontecimentos que acompanham em seu cotidiano, tecer comentários sobre determinados assuntos e que, portanto, estão construindo um domínio satisfatório da oralidade. Diante desse contexto, caberia-nos uma pergunta: se essa linguagem parece ser aprendida espontaneamente nas práticas sociais de comunicação dentro e fora da escola, seria realmente necessário ensiná-la?

Sabemos que a maioria das crianças aprende a falar antes de aprender a ler e a escrever. E que, desde muito cedo, elas dominam diferentes formas de comunicação oral, adequando-as a contextos diversos. Porém, é preciso reconhecer que o desenvolvimento da oralidade não se limita aos aspectos superficiais da fala, mas abrange o conhecimento e o domínio das diferentes práticas orais de linguagem, suas especificidades linguísticas e suas relações com a escrita.

Segundo Dolz e Schneuwly (2011), "assim como a atividade humana de comer produz uma refeição, a atividade falar (ou escrever) produz um texto". E o estudo da linguagem oral, assim como a escrita, pressupõe necessariamente a escolha de textos como objetos de trabalho. Para esses pesquisadores da Universidade de Genebra (Unige), na Suíça, "a ação de falar realiza-se com a ajuda de um gênero, que é um instrumento para agir linguisticamente". E há muitos gêneros orais a ser explorados. Sendo assim, é com base no estudo e na análise de textos orais que o trabalho com essa linguagem deve se desenvolver.

Se observarmos a grade de conteúdos de algumas instituições de ensino, será possível identificar a forte presença da oralidade nas séries iniciais, especialmente na Educação Infantil, graças às atividades de rodas de conversa e reconto, e nas séries finais quando os alunos são desafiados a participar de debates e exposições orais sobre temas de estudo, por exemplo. No entanto, cabe-nos perguntar: qual trabalho vem sendo realizado no intervalo entre a Educação Infantil e o Ensino Médio que possibilita ao aluno se deparar com situações comunicativas nas quais é preciso colocar em jogo os conhecimentos sobre diferentes gêneros orais que fazem parte das práticas sociais? Quais textos estão sendo explorados nas demais séries e em que contextos?

Trabalhar a oralidade não é apenas criar situações nas quais seja necessário comunicar-se utilizando a voz, mas garantir que os alunos participem de situações de intercâmbio oral e também sejam capazes de planejar sua fala adequando-a a contextos específicos. É preciso definir claramente as características do oral a ser ensinado, colocando-o como objeto de ensino e aprendizagem dentro de um currículo que contemple os diferentes gêneros e suas especificidades, por meio de expectativas de aprendizagem que atendam às potencialidades dos alunos.

Exploração de gêneros orais

Também é necessário esclarecer que a linguagem oral não pode ser compreendida apenas como um percurso de passagem para a linguagem escrita. De acordo com Dolz e Schneuwly, entre aquilo que chamamos de oral espontâneo - fala improvisada em uma situação de conversa - e a escrita oralizada - leitura em voz alta de um texto escrito - há uma grande quantidade de gêneros orais que pode e deve ser explorada. Para os autores, é papel da escola "levar os alunos a ultrapassar as formas de produção oral cotidiana para confrontar com outras formas mais institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por restrições exteriores". Planejar uma exposição oral, organizar uma entrevista, participar de um debate, apresentar uma receita ou instrução a um grupo, posicionar-se em uma assembleia de classe ou debate são alguns exemplos de gêneros orais que podem ser explorados em sala de aula. Mas como fazê-lo?

Como em todo trabalho com a linguagem, não é possível produzir um texto, seja ele escrito ou oral, sem que haja o desenvolvimento de um repertório mínimo que possibilite aos alunos compreender como o discurso se organiza em cada gênero. Por isso, mais do que informar sobre as características de uma exposição oral acerca de um determinado tema, é preciso apresentar bons modelos de textos orais que circulam socialmente para que os mesmos possam ser conhecidos e analisados pelo grupo. Gravações de entrevistas, debates e exposições orais e assembleias são exemplos de alguns textos orais que podem ser compilados pelo professor para o trabalho com os alunos. Quanto mais variado for esse conjunto, mais será possível observar como o discurso se organiza dentro de um mesmo gênero.

Também é fundamental que se pense sobre os lugares sociais de produção do texto a ser ensinado. Eles determinam contextos de produção bastante diversos. Por exemplo, uma entrevista ao vivo transmitida pela rádio da escola pressupõe um público desconhecido e ausente. Já uma mesma entrevista realizada em um auditório deve considerar a interação da platéia com o texto. Essa diferença implica algumas adequações do discurso sobre as quais é preciso ajudar os alunos a pensar.

Assim como nas situações de produção de textos escritos, nas quais os autores planejam e planificam o que vão escrever, nas situações formais de comunicação oral é necessário organizar a fala visando sua finalidade e o público a quem se destina. Por exemplo, ao preparar-se para uma exposição sobre dinossauros, os alunos devem considerar os seguintes pontos:

  • O público ouvinte: quem é, o que sabe sobre o assunto, que aspectos poderiam lhe parecer interessantes sobre o tema apresentado, quais questões e recursos poderiam mantê-lo interessado durante a exposição, entre outros;
  • A finalidade: por que vamos fazer essa apresentação oral? Para introduzir o assunto ou para ampliá-lo?;
  • O conteúdo: quais informações sobre os dinossauros iremos privilegiar nessa apresentação? Que linguagem/vocabulário vamos empregar de modo a tornar o conteúdo compreensível para os ouvintes?;
  • A forma: de que maneira vamos apresentá-la? Utilizaremos recursos visuais (cartazes ou apresentação de slides)? Que temas deverão ser tratados primeiro? Haverá tempo programado para a interação com o público? Como a exposição deverá ser finalizada?

Ainda segundo Dolz e Schneuwly, "não se pode pensar no oral como funcionamento da fala sem prosódia, isto é, a entonação, a acentuação e o ritmo". Por isso, além da preocupação com o contexto de produção, o trabalho com textos orais pressupõe uma reflexão sobre a materialidade da voz, sobre os recursos fonológicos que colocamos à disposição do ouvinte no momento da comunicação oralizada, criando situações nas quais as crianças possam observar de que forma o uso intencional desses recursos ajuda na construção de sentidos do texto. Analisar a locução de jornalistas e radialistas atentando para a entonação utilizada em determinados trechos e discutir sobre o modo como o ritmo e a intensidade da fala durante uma exposição oral podem ou não contribuir para despertar o interesse da platéia são algumas maneiras de evidenciar a importância do uso consciente da voz colocado a serviço da comunicação oral.

Além dos recursos fonológicos e linguísticos, quando utilizamos a linguagem oral colocamos em jogo uma série de gestos e sinais que, reconhecidos pelos interlocutores, podem ou não confirmar as intenções do falante. Expressões faciais, postura corporal, troca de olhares, a disposição das pessoas no espaço físico e até mesmo aspectos exteriores como as roupas e a distribuição das cadeiras no ambiente durante um debate, uma entrevista ou um seminário são alguns dos meios não linguísticos que possuem um papel muito importante nos eventos nos quais a oralidade está em jogo. Por isso, mais do que evidenciar esses aspectos criando uma série de recomendações sobre como falar ou se portar durante uma apresentação, é preciso criar situações nas quais crianças e adolescentes possam observar bons modelos de comunicação oral, analisando de que forma esses recursos são utilizados pelos falantes mais experientes e que efeitos de sentido provocam nos ouvintes.

A voz como produtora de sentido

Algumas atividades de linguagem oral como a recitação de poemas, a leitura de textos dramáticos e/ou a performance teatral e a leitura em voz alta também possibilitam que os alunos exercitem alguns dos comportamentos necessários à utilização da voz a serviço da produção de sentidos de um texto. Nesses casos, é preciso observar que a materialidade do texto escrito oferece indícios sobre a melhor forma de comunicá-lo aos ouvintes, perguntando-se como ele pede para ser lido, criando situações nas quais as crianças reflitam sobre como podemos evidenciar na leitura em voz alta a ironia, o medo, o bom humor, a alegria, a tristeza e tantas outras emoções e sentimentos expressos na linguagem escrita, de modo que possam ser percebidos pelos ouvintes. E também é preciso que exercitem esses comportamentos, experimentando diferentes usos da entonação nos textos dramáticos ou diferentes ritmos de leitura para um poema, fazendo a leitura em voz alta, enfatizando algumas palavras em detrimento de outras e observando como esses aspectos podem ou não contribuir para uma melhor comunicação do texto.

O trabalho intencional com a oralidade deve ser uma preocupação permanente da escola. É preciso que os gêneros orais estejam presentes não apenas nos documentos mas na prática de sala de aula por meio de atividades nas quais os alunos coloquem em jogo seus conhecimentos sobre a linguagem oral e reflitam sobre seu uso nas diferentes situações. É necessário que percebam o poder da palavra falada e como ela - quando utilizada com propriedade e consciência - contribui para uma comunicação mais clara, fluida e direta entre falantes e ouvintes. E que dominem esse instrumento para que possam utilizá-lo adequadamente em diferentes contextos. É necessário que observem também, em eventos comunicativos que ocorrem socialmente, de que maneira o discurso oral pode contribuir para veicular opiniões, perpetuando ou contestando ideias vigentes. Para isso, a escola deve criar espaços onde seja possível literalmente "dar a voz aos alunos". Não apenas como uma tentativa de escutar seus anseios e contemplar suas necessidades. Mas para que possam fazer da sala de aula um lugar de diálogo e reflexão sobre a palavra e o mundo.

Resumo

Além de apresentar aos alunos um repertório mínimo que lhes permita compreender diferentes gêneros orais, é preciso ensiná-los a planejar situações comunicativas levando em consideração o público ouvinte, a finalidade, o conteúdo e a forma da exposição. A especialista destaca a importância da voz, da entonação e do ritmo para dar sentido a um texto oral.

Referências bibliográficas

  • BRÄKLING, K.L. Expectativas de aprendizagem dos anos iniciais do Ensino Fundamental - 1º ao 5º ano - e orientações respectivas. Documento do Programa Ler e Escrever - Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, 2013.
  • BRONCKART, J. Atividades de linguagem, textos e discurso. São Paulo, Educ/ PUC-SP, 1998.
  • SCHNEUWLY, B., DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: SP, Mercado das Letras, 2011.

Foto: Victor Malta 

continuar lendo

Veja mais sobre

Relacionadas

Últimas notícias