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Jornalismo

O lugar de cada um no mundo

Com base em seu espaço de vivência, o grupo descreveu e analisou conceitos da Geografia

PorBruna Nicolielo

02/06/2016

Na quadra da escola, a turma observou mapas posicionados com a rosa dos ventos. Foto: Roberto Chacur.

"Hoje eu irei contar sobre o lugar onde moro. Minha casa fica em Uberlândia. Na minha rua encontra-se muita gente boa (...) como Maria Eduarda (uma grande amiga), Dona Rosa e Vozé (os melhores vizinhos do mundo)", escreveu Eduardo Paolazzi, 11 anos. Seus colegas, todos da mesma idade, também se manifestaram. "Minha rua e meu bairro são muito movimentados, cheios de comércios, creches, casas, prédios", assinalou Anna Luiza de Abreu. "Eu gosto muito do lugar onde eu moro (...) lá eu me sinto alegre e amada por todos", acrescentou Isabella Lima de Oliveira. "A cidade em que moro é muito movimentada, e, a cada dia, cresce mais", complementou Ana Clara de Sena Souza. 

Silma decidiu dar ênfase ao estudo de procedimentos básicos, como a observação. Foto: Roberto Chacur.

Intercalando aspectos subjetivos e objetivos, a turma do 6º ano da EM Professor Domingos Pimentel de Ulhôa, em Uberlândia, a 549 quilômetros de Belo Horizonte, descreveu seu espaço a pedido da professora Silma Rabelo Montes. Para incentivar a reflexão da garotada, ela lançou algumas questões: "Como é o local onde você vive?", "Como se sente nele?" e "Qual é a sua relação com as pessoas que lá habitam?". Para o urbanista e teórico norte-americano Kevin Lynch, autor do livro Imagem da Cidade (240 págs., Ed. WMF Martins Fontes, tel. 11/3292-2660, 49,80 reais), a representação das paisagens está ligada às lembranças de cada indivíduo. "Daí a importância de valorizar e confrontar diferentes percepções", afirma Solange Lima-Guimarães, professora da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).

Definições sobre a rosa dos ventos e o espaço foram incluídas no dicionário geográfico. Foto: Roberto Chacur.

A atividade foi um dos pontos de partida do projeto de Silma, que também envolveu o estudo de espaços do dia a dia dos estudantes e a discussão de conceitos estruturantes da Geografia, como o lugar. Assim, ela trabalhou procedimentos básicos da disciplina, hoje esquecidos pela maioria dos professores: a observação, a descrição - gênero textual importante para organizar as informações capturadas pelos sentidos - e a análise. Silma também propôs a produção individual de um dicionário geográfico ilustrado, que foi confeccionado ao longo de todo o percurso. Os termos eram incorporados progressivamente à medida que a garotada avançava no estudo. "Esse é um recurso importante para sintetizar conhecimentos e, assim, construir conceitos", diz Lana Cavalcanti, docente da Universidade Federal de Goiás (UFG). Segundo ela, é preciso evitar, porém, que esse material seja um simples compilado de definições padronizadas. Ele deve ter textos criados pela turma, não copiados do livro. Estudantes com deficiência intelectual e com paralisia cerebral finalizavam a produção de seus textos no contraturno, com o apoio de profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE). "Depois, já em sala, socializavam o trabalho com os demais", conta Silma. 

A próxima etapa foi dedicada à análise das características do local onde vivem os alunos, com base na coleta e na tabulação das informações. A professora aplicou um questionário sobre a localização da escola, a avaliação da turma em relação aos serviços públicos existentes e a presença da natureza no trajeto de casa à instituição, entre outros tópicos. Os dados foram quantificados e usados para a construção de gráficos em papel quadriculado e no computador. Por fim, todos interpretaram e discutiram os resultados. Assim, os conhecimentos do cotidiano ganharam tratamento científico, como defende o pesquisador francês Paul Claval. No livro Terra dos Homens (144 págs., Ed. Contexto, tel. 11/3832-5838, 29,90 reais), ele afirma que todo ser humano é geógrafo e que a ciência dá um sentido à nossa existência, uma vez que ajuda a entender o que ocorre para além do dia a dia.

Paisagens da cidade e do mundo 

Os alunos socializavam os trabalhos quando incorporavam novas definições ao dicionário. Foto: Roberto Chacur.

Em seguida, foi a vez de estudar em profundidade o conceito de paisagem. Ela revela uma dinâmica que combina tempo e múltiplas ações conduzidas por processos da natureza e da sociedade. Por meio de imagens de espaços diversos, incluindo as de Uberlândia no presente e no passado, Silma problematizou o tema. "A classe precisa ser questionada sobre o que está por trás desse conceito, entendendo o impacto da ação humana", diz Sueli Furlan, professora da Universidade de São Paulo (USP) e selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. A turma também leu textos no livro didático. 

As várias dimensões do espaço de vivência da turma foram problematizadas. Por meio de mapas e dos programas Google Maps e Google Earth, Silma mostrou lugares próximos e mais distantes, como a América do Sul. A cartografia também foi explorada. O mapa mudo - que não fornece informações - foi usado para discutir os elementos essenciais de uma carta geográfica. Em uma representação do Brasil, a garotada tinha de acrescentar dados como título, legenda, indicação de direção, nome dos estados e de suas capitais. "Trata-se de uma memorização com sentido, com o objetivo de se apropriar do mapa. É importante conhecer as formas de continentes, países e estado, saber nomear capitais e rios que banham determinada região", diz Sueli. O mapa também deveria ser colorido de acordo com as normas cartográficas, que já tinham sido pesquisadas. Depois, os alunos produziram um mapa do Brasil na América do Sul com papel vegetal. Eles inseriram informações como título, legenda, escala, fonte, autoria e indicação de direção. 

Conteúdos sobre orientação espacial foram discutidos por meio da visualização das diferentes posições do nascimento do Sol na quadra da escola, onde há uma rosa dos ventos. A turma marcou um ponto fixo para isso e fez desenhos de observação. Em seguida, Silma apresentou a bússola e trabalhou conceitos básicos de localização (paralelos e meridianos). Também desenvolveu atividades cartográficas utilizando coordenadas da escola, do bairro e da cidade. Mapas foram visualizados na quadra. O astrônomo amador Roberto Silvestre foi convidado a realizar uma palestra sobre a importância da observação do Sol para a identificação de planetas e satélites. "A participação do especialista nesse momento trouxe um conhecimento mais sofisticado à turma", afirma Sueli. 

Na última etapa, Silma propôs que os alunos refletissem sobre a importância da Geografia na vida deles. Todos produziram um texto dissertativo respondendo a questões como: "O que essa ciência estuda? " e "Como ela está presente em nossa vida?". Durante o projeto, a turma aprendeu sobre lugar, paisagem, localização, cartografia e muito mais. "A Silma mudou nosso jeito de ver o mundo", comemora o garoto Eduardo.

1 Observação do entorno Convide a turma a observar paisagens próximas à escola. Trabalhe o conceito de lugar destacando a importância dos espaços do cotidiano da garotada. 

2 Descrição de conceitos Solicite a produção de textos sobre o local de vivência dos alunos questionando: "Como ele é?" e "Qual é a sua relação com as pessoas que lá habitam?". Proponha que todos registrem as definições encontradas por eles. 

3 Análise do espaço vivido Proponha a coleta e a tabulação de dados sobre o lugar de vivência dos alunos. Sugira a construção de gráfcos e, depois, a interpretação dos resultados obtidos. 

4 Linguagem cartográfica Apresente o mapa mudo do Brasil. O objetivo é levar a turma a completar as informações e discutir os elementos necessários a uma carta geográfica. Em seguida, sugira a produção de um mapa do Brasil na América do Sul.

 

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