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Jornalismo

A música do mundo ao alcance de cada um

Ao explorar diferentes sons, a meninada tomou consciência da paisagem ao redor

PorLarissa TeixeiraElisa Meirelles

01/06/2016

Lidiane levou os pequenos a explorar os diferentes sons produzidos pela boca. Foto: Marina Piedade

O som do vento e das folhas caindo no pátio, o burburinho das crianças no parquinho, o batuque agitado das panelas durante o preparo da merenda. Esses sons, tão presentes no cotidiano escolar, foram o ponto de partida do projeto Paisagem Sonora e Exploração Musical, realizado em 2012 por Lidiane Cristina Loiola Souza, na EMEI Papa João Paulo II, em São Paulo. 

O som do vento, a voz de uma criança e o piar do passarinho foram registrados pela classe. Foto: Marina Piedade

Formada em Artes Visuais, a docente começou a se interessar pelo ensino de Música graças a três atividades formativas. Em um curso da Secretaria Municipal de Educação, teve contato com os estudos do compositor canadense Murray Schafer, criador do conceito de paisagem sonora. O especialista defende que é preciso estar atento ao conjunto de sons ouvidos num determinado lugar. "Somente por meio da audição, seremos capazes de solucionar o problema da poluição sonora", diz ele no livro O Ouvido Pensante (408 págs., Ed. Unesp, tel. 11/3242-7171, 50 reais). No mesmo período, Lidiane estudou Educação Musical na pós-graduação em Linguagens da Arte do Centro Universitário Maria Antônia, na Universidade de São Paulo (USP), e participou de um encontro sobre o tema na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp). "Vi que tinha de levar a música com mais ênfase para a turma", diz. 

Sua proposta era audaciosa: proporcionar às 35 crianças de 5 e 6 anos para as quais lecionava na época o desenvolvimento de uma escuta mais atenta, promovendo a sensibilização musical. Para tanto, dividiu o projeto em etapas. As atividades começaram com o desafio de caminhar pelos espaços da escola em busca de diferentes sons e, em seguida, desenhar o que ouviram. Divididos em grupos, no pátio externo, os pequenos foram convidados a parar, ficar em silêncio e prestar atenção. A pequena Dandara Gabrieli Lima Sobrinho logo notou algo diferente. "Tem barulho das crianças correndo. Ouvi os pés delas batendo no chão", disse, animada. "E tem som de moto, carro e caminhão", completou o colega Diego da Silva Pereira de Sousa. Assim, um a um, todos foram percebendo os sons que compunham aquela paisagem. A investigação continuou pelos corredores da escola. "Dá para ouvir as mochilas de rodinha batendo na escada e alguém lá fora abrindo o portão", alertou Carlos Henrique Vasconcelos Barros. 

De volta à sala, os sons ganharam registros. Lidiane pediu que cada grupo desenhasse o que ouviu. Em seguida, propôs que socializassem as descobertas e criassem um mapa sonoro da escola. "A percepção, a discriminação e a interpretação de eventos sonoros têm grande importância no que diz respeito à formação e à transformação da consciência de espaço e tempo, um dos aspectos prioritários da consciência humana", defende Teca Alencar de Brito no livro Música na Educação Infantil - Propostas para a Formação Integral da Criança (204 págs., Ed. Peirópolis, tel. 11/3816-0699, 49 reais).

Atenção aos sons de objetos e do corpo 

O ruído grave e forte dos pés encheu a sala de sons e aguçou os sentidos dos pequenos. Foto: Marina Piedade

Na etapa seguinte, a docente colocou em discussão os sons produzidos com objetos do cotidiano. Havia na classe caixas com brinquedos, potinhos, panelinhas etc. A turma teve de escolher um, buscar opções de som e, depois, mostrá-las aos colegas. "Em situações como essa, três ações são fundamentais: validar as diferentes descobertas, compartilhá-las com a classe e introduzir novas possibilidades, de modo a ampliar o repertório da turma", recomenda Heloísa Magri Lazzari, formadora de professores e selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. 

Thiago escolheu um brinquedo plástico que produzia um barulho alto e agudo. Foto: Marina Piedade

Lidiane agrupou as crianças de acordo com o tipo de objeto e de som que haviam escolhido e conversou sobre a organização de uma orquestra. Ela mostrou o que fazia o maestro e a classe assumiu o comando. "Quando eu fazia uma curvinha com a mão para cima e apontava, a orquestra tocava de um lado. Quando abaixava a mão e fechava, ela parava", diz Thiago do Nascimento Leopoldino, o garoto que regeu a turma. 

O trabalho não parou por aí. "Queria que eles apreciassem a exploração sonora com o corpo e com a voz", explica a professora. Para tanto, apresentou vídeos dos grupos musicais Stomp e Barbatuques. Depois colocou a turma em roda e foi testando maneiras de produzir sons: com palmas, estalando os dedos, batendo com os pés no chão, usando a boca etc. Lidiane pediu que atentassem às propriedades do som, observando se são fracos ou fortes, longos ou curtos, graves ou agudos. Feita essa exploração conjunta, a docente propôs que, em grupos, os pequenos inventassem números musicais usando partes do corpo e apresentassem aos colegas.

Criação de uma peça musical 

"Para finalizar o trabalho, organizei uma roda de conversa e falei sobre a função das partituras, usadas para organizar e registrar graficamente os sons das composição musical", relata Lidiane. Os pequenos puderam, então, preparar uma peça musical que reunisse os diferentes sons que haviam investigado e sugerir alternativas para representá- la graficamente. "Partindo do registro gráfico intuitivo, chega-se à criação de códigos de notação que serão lidos para ser decodificados pelo grupo, num processo sequencial que respeita níveis de percepção, cognição e consciência", escreve Teca. A peça foi expressa no desenho acima e executada pela turma em sala. 

No fim de três meses, a docente comemorou os resultados. A escuta das crianças foi ampliada e passaram a atentar ao mundo que as cerca. "Semanas depois, um garoto estava brincando com pinos, veio correndo e me disse: ?Olha que legal o som que consigo fazer?", conta ela. Esse é um exemplo de como a percepção da turma mudou.

1 Sons do ambiente Forme grupos e convide todos a perceber os sons em diferentes locais e a desenhar o que ouviram. Socialize as descobertas e proponha a criação conjunta de um mapa sonoro da escola. 

2 Objetos do cotidiano Peça que escolham objetos do dia a dia e produzam sons com eles. Proponha a socialização das descobertas. Discuta a função do maestro em uma orquestra e sugira que um deles seja o regente da turma. 

3 Sons feitos com o corpo Apresente referências como Stomp. Depois, explore produções sonoras com o corpo. Forme grupos e sugira que cada um crie uma pequena apresentação musical usando as mãos, os pés ou a boca e mostre aos colegas. 

4 Produção da peça sonora Convide os pequenos a preparar uma proposta musical com base no que foi aprendido. Organize com eles uma partitura em que registrem os sons a ser feitos. Termine a atividade com a execução da peça.

 

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