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Jornalismo

O básico da Base

A Base Nacional Comum Curricular caminha para sua terceira versão. Veja respostas às principais dúvidas sobre o projeto que vai mudar a vida de todos os educadores brasileiros - e saiba como participar dessa construção

PorRodrigo RatierBruno MazzocoAlice Vasconcellos

07/12/2016


"A Base é a base." Essa frase, ao mesmo tempo clara e enigmática, resume o entendimento geral sobre o papel que o texto final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) terá na construção e adequação dos currículos das mais de 190 mil escolas de Educação Básica do país, públicas e particulares. O processo teve início em 2015, quando o Ministério da Educação (MEC) reuniu representantes de universidades, professores e gestores das redes estaduais e municipais para dar forma à versão preliminar do documento. Entre 2015 e 2016, o trabalho recebeu mais de 12 milhões de ideias de educadores de todo o Brasil, em consulta pública realizada no site do MEC.

Com as contribuições em mãos, os especialistas alteraram o rascunho e voltaram a discuti-lo publicamente, desta vez em seminários que somaram mais de 9 mil pessoas, realizados em todos os estados da federação pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) e pela União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime). O material dos encontros servirá para a elaboração da terceira versão, que deve ser entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE) até o final do ano.

Ainda não existe um cronograma oficial, mas a expectativa é de que o CNE faça seu parecer até meados de 2017. Depois disso, o Ministério deve homologar o documento. Só aí estados e municípios e escolas terão tempo para desdobrar a Base em seus próprios currículos - e, aí, cada professor terá um papel fundamental com suas sugestões.
 

A Base é um currículo?

Não. Ela é o ponto de partida do currículo. Ela lista quais conteúdos e habilidades devem ser ensinados em cada ano e a ordem mais adequada de cada um. Mas aspectos metodológicos - o "como ensinar" - ficam de fora do documento. "Cada rede escolar deve definir as maneiras mais adequadas para apresentar os conteúdos", explica Cleuza Repulho, ex-presidente da Undime e especialista em Educação.

Mas, então, o que a Base vai trazer? Os conteúdos essenciais, que todo mundo tem de ter, inclusive as escolas privadas e confessionais. Além disso, ela contempla o sequenciamento entre eles - ou seja, o que deve vir antes e o que vem em seguida. Isso é obrigatório respeitar.

Há, porém, espaço para outros tópicos. É a chamada parte diversificada, em que as redes e escolas podem fazer acréscimos e contextualizar conteúdos. O exemplo vem de fora. "A pedra angular para o sucesso finlandês é que temos um núcleo curricular comum e contribuições locais", afirma Tina Tähkä, diretora da unidade de Ensino Médio da Finlândia. Em resumo: os currículos podem ter mais tópicos do que a Base, mas devem respeitar os conteúdos e o sequenciamento. 

 

O que significa implementar a Base? 

Significa, inicialmente, que estados e municípios a transformarão em currículo. Esse é um espaço para professores e gestores participarem. A seguir, começam as discussões sobre formação, adaptação de material didático e debates sobre a metodologia mais adequada para cada escola ensinar. Só depois disso a Base chega às salas de aula.

 

A Base pode ampliar a tendência de ensinar para as avaliações?

A expectativa é o contrário disso. Especialistas ouvidos por NOVA ESCOLA esperam que a Base ajude a reverter a tendência de usar descritores de avaliações externas, como a Prova Brasil, o Enem e outros vestibulares, como guia principal do que deve ser ensinado. "Eu espero uma discussão mais ampla, que não se resuma à questão da avaliação, sobretudo nas redes que não possuem currículos próprios", diz Tereza Perez, diretora executiva da Comunidade Educativa Cedac. Para Cleuza, a definição de um núcleo curricular precisa levar editoras a adequar seus materiais para atender aos novos padrões nacionais, diminuindo a possibilidade de influência dos testes.

 

As discussões de gênero estão fora da Base?

Não estão fora, mas ficaram em segundo plano. O foco da Base é o núcleo duro do conteúdo. Ou seja: o que deve ser ensinado em cada disciplina. Questões como sexualidade e gênero são tratadas sob a nomenclatura de "temas especiais", assuntos que devem ser abordados de maneira transversal. Um relatório do Consed e da Undime sobre a segunda versão da Base recomenda uma orientação mais explícita de como eles se fazem presentes nas etapas, segmentos e áreas que compõem o documento. O mesmo ocorre com as questões sociais e de meio ambiente, pouco abordadas pelo texto. Para Cleuza, escolas e redes devem tratar essas questões na parte diversificada e nos projetos político-pedagógicos (PPPs). "Tudo que acontece na sociedade deve ir para dentro da escola. Tem de haver discussão."

 

O documento da Base vai para sua terceira versão. O que melhorou e o que falta melhorar?

Entre a primeira e a segunda versão, uma análise produzida pelo Movimento pela Base Nacional Comum produziu uma radiografia por disciplina e etapa. Na Educação Infantil, melhorou a divisão dos objetivos de aprendizagem em três faixas etárias, mas falta simplificar a nomenclatura. Em Língua Portuguesa, gramática volta a ter espaço, mas a progressão de conteúdos pode avançar. Mesmo problema de Matemática, que ainda precisa adiantar conceitos - por exemplo, puxar frações do 4o para o 3o ano. Em Ciências, ponto para saúde e sustentabilidade na proposta, mas ainda há excesso de conteúdos. Por fim, em História, o desafio é conjugar a história local e os grandes marcos da história mundial. Como recomendações gerais, sugere-se um texto mais conciso e claro, maior coerência no encadeamento de conteúdos ao longo dos anos e entre as áreas, além de "aumentar a demanda cognitiva" - o que significa elevar a exigência sobre os estudantes.

 

A Base ataca a desigualdade? Alunos de redes fracas correm o risco de ter currículos piores?

A ideia é reduzir a disparidade. O grande objetivo por trás de um currículo nacional é definir os conteúdos essenciais ensinados em todas as escolas. Para chegar ao patamar exigido, as redes terão que melhorar a qualidade do ensino hoje oferecido aos alunos. "Elevar a barra" de instituições mais fracas é uma forma de tentar reduzir as desigualdades. Primeiro, com a recomendação de que tenham um currículo, o que ainda não ocorre em todas as redes do país. A Base é um caminho mais claro para estruturá-lo. Além disso, ela abre espaço para acelerar outra discussão essencial para a qualidade da Educação: formação inicial e continuada. Será necessário transformar licenciaturas e cursos oferecidos pelas secretarias para que a qualificação contribua, efetivamente, para que a Base se tornar uma realidade.

 

Como garantir que a Base chegue efetivamente às salas de aula?

Duas iniciativas são essenciais: estabelecer um cronograma de implementação e definir ações de formação inicial e continuada de professores. Antes de tudo, porém, é preciso que os docentes de todo o país tenham acesso ao texto final assim que ele for aprovado para poder transformar a Base Nacional em currículos locais. "Por isso, a Base precisa ser clara e não pode ser muito extensa", defende Cleuza. A maioria dos países levou de 3 a 5 anos para reformular o material didático e preparar os professores. Nesse último aspecto, Tereza, do Cedac, defende um grande pacto nacional que envolva universidades, redes de ensino e instituições do terceiro setor. "O MEC deveria articular uma rede nacional de formação", defende a especialista.

 

A Base escuta o professor? Continuará ouvindo?

Após a divulgação do primeiro esboço, foi realizada uma ampla consulta pública em que todos puderam opinar. Além disso, todos os estados do país receberam seminários para analisar e discutir o texto com educadores. "A gente teve a oportunidade de colocar nossas impressões, fazer as críticas, contribuir no sistema. Não podemos dizer que foi uma construção de cima para baixo. Da primeira para a segunda versão, deu para perceber que as contribuições foram levadas em consideração porque houve alterações muito grandes em alguns pontos", afirma Priscila Donadeli, coordenadora do Centro Municipal de Formação Continuada da cidade de Franca, no interior de São Paulo.

Com a base nas mãos do CNE, a expectativa é que órgão abra audiências públicas regionais antes de formular seu parecer, prevista para meados de 2017. Aí, quando a Base for a matéria-prima dos currículos estaduais e municipais, sua participação será fundamental.

 

A Prova Brasil e o Enem vão mudar?

Precisam mudar. Com a alteração do que será ensinado, espera-se que os exames que avaliam o desempenho escolar também se transformem. Tereza afirma que, ao reformar as avaliações, a Base corrigirá uma distorção do ensino no país. "Os currículos estão sendo amputados pelas avaliações. As escolas trabalham em cima dos descritores para que todo mundo vá bem na prova. Isso não é Educação, é um desserviço. Tendo um orientador comum, com todo mundo sabendo quais são os objetivos de aprendizagem, muda o caminho da avaliação. E todos ficarão mais preocupados com as aprendizagens gerais do que com os descritores." A implementação prática das mudanças é outro ponto de atenção. Cleuza defende uma transformação escalonada nas avaliações para que ninguém seja prejudicado -- muitos alunos estarão no meio de um segmento enquanto as mudanças curriculares se processam. Se as provas mudarem repentinamente, os alunos podem ser cobrados por conteúdos que eles não chegaram a ver.


Ilustrações: 45JJ

 

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