E quando a família não vem?
Quatro atitudes para lidar com responsáveis que não aparecem de jeito nenhum
PorRodrigo RatierPedro Annunciato
06/10/2016
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Jornalismo
PorRodrigo RatierPedro Annunciato
06/10/2016
Você já tentou de tudo: bilhetes, telefonemas, e nada. Não são raros os casos de alunos cuja família parece não fazer a menor questão de participar da vida escolar. A situação se agrava quando o estudante apresenta sinais de maus-tratos, e a escola se sente impotente ou tem receio de tomar certas atitudes. E aí?
Antes de culpar a família, avalie: você já tentou de tudo mesmo? Vale checar se os contatos estão atualizados e pensar se a comunicação usada é a mais efetiva (de que servem bilhetes para pais com baixa escolaridade?). Medidas simples, como o bom uso da agenda (com recados elogiosos e não só queixas) e a presença de alguém da equipe gestora na porta da escola na entrada e na saída resolvem parte dos problemas. Em relação à reunião de pais, decidir em conjunto o horário gera um senso de compromisso nas famílias. "Assim, a relação de cobrança se transforma numa parceria", diz Muriele Salazar Massucato, coordenadora na rede de São Bernardo, em São Paulo. Quando nada disso funciona, é preciso lançar mão de atitudes mais fortes. Conheça quatro delas.
Uma opção é telefonar, mandar e-mails ou mensagem de WhatsApp. Evite o tom ríspido e ameaças - afinal, você quer a família como aliada. Em lugar de um texto duro, um bilhete que comece com algo como "sentimos sua falta", ou "sua participação é importante para a nossa escola avançar" tende a ser mais persuasivo.
O tom de cordialidade deve prevalecer mesmo quando a convocação é para discutir problemas de disciplina ou desempenho. E, na hora da conversa, gestores e professores precisam propor soluções. "Se a gestão só empurra o problema à família, sem oferecer ferramentas para que ela lide com a questão, a escola causa ainda mais apatia ou revolta nos pais", diz Sandra Dedeschi, mestre em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela Unicamp. Por fim, para pais que faltam nas reuniões, a escola pode organizar atendimentos excepcionais no horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) - tomando o cuidado de não transformar a exceção em regra, já que a finalidade do HTPC não é essa.
"Ainda que o aluno seja judicialmente emancipado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao dizer que a família tem responsabilidade total sobre o jovem até que ele complete 18 anos", lembra Luciano Betiate, formador de professores na área de direitos humanos. Se as advertências não adiantarem, a alternativa mais produtiva é direcionar os esforços para ajudar o aluno. "Lembro-me de um menino do Ensino Médio, cujo contato com a família era tão precário que não conseguíamos nem atualizar os números de telefone na ficha de matrícula. Cheguei a mandar carta registrada em cartório e não obtive resposta. Como educadores, deveríamos lavar as mãos? Não é uma boa posição. Então, tomamos nós mesmos a iniciativa de conversar com o garoto e ajudá-lo a se organizar", lembra Sandra.
Se a família não atende aos telefonemas ou alega que não pode comparecer, resta à escola registrar as tentativas e acolher o aluno da melhor forma possível. Em casos que inspiram maiores cuidados, como febre alta ou fraturas, a escola não deve ter dúvidas de encaminhar para a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima ou até a hospitais, mesmo que não haja comunicação explícita aos pais. Em casos gravíssimos, um apoio importante pode ser a ronda escolar. A equipe gestora pode pedir que ela vá pessoalmente ao endereço residencial ou profissional dos responsáveis ou faça o transporte do aluno para o atendimento médico. Muriele, no entanto, lembra que sempre é necessário bom senso: "É compreensível querer falar com os pais a qualquer custo, mas na maior parte das vezes o que acontece são ferimentos leves, que podem ser tratados sem alarde".
A escola não pode se omitir. O artigo 245 do ECA obriga profissionais de Educação a comunicar casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos. Para que esses casos tenham o devido encaminhamento, é preciso acionar o Conselho Tutelar. "Não se pode ter medo de recorrer a ele?, diz Luciano. ?A função dessa rede de proteção não é punir ou arrancar os filhos das famílias." Tanto os conselheiros quanto os assistentes sociais vão primeiro entender o problema e ajudar os pais, com a inserção em programas de renda e assistência à saúde se for preciso. "A Justiça só entra em situações de violência e negligência total."
O que não dá é usar o conselho para terceirizar questões puramente escolares, como a indisciplina. 'Ela deve ser resolvida no campo pedagógico, a não ser que as atitudes degenerem ao ponto de se tornarem infrações penais ou atos criminosos punidos por lei", adverte Luciano.
Ilustrações: The Dallas Morning News/MCT via Getty Images
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