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Jornalismo

Sem roubada nas licitações

Dominar a temida Lei nº 8.666 é fundamental para fazer compras públicas. Veja quatro dicas certeiras

PorFernanda SallaLucas Freire

09/09/2016

 

Não tem jeito. Qualquer aquisição ou contratação de serviço feita por uma entidade pública - incluindo, claro, as de Educação - tem de seguir as determinações da Lei nº 8.666/93 (bit.ly/lei-contratos-publicos). Ela é tão temida que já virou até piada entre servidores e gestores escolares. "Ih, lá vem de novo a lei da besta", em referência não apenas ao número fatídico mas à trabalheira que dá para garantir que seja cumprida. Erros de entendimento são comuns e fazem com que até os mais bem-intencionados caiam na "malha fina? dos tribunais de contas (municipais, estaduais ou da União), que fiscalizam a adequação das licitações à legislação.

A Lei nº 8.666 pode ser chata, mas é necessária. O documento foi elaborado para garantir a qualidade das aquisições. Antes dela, existia o Decreto-lei nº 2.300, que, por dar margem à corrupção na administração pública, foi substituído em 1993, após o impeachment de Fernando Collor de Mello. Se por um lado a ideia é ajudar na organização e na transparência no uso do dinheiro público, por outro o texto técnico e longo gera dúvidas nos gestores, que não costumam receber formação para compreendê-lo (leia ao longo desta reportagem quatro dicas para evitar erros comuns).

Mas precisa conhecer? Sim. Ainda que grande parte das licitações da área de Educação seja feita pelas secretarias ou departamentos de ensino em seus setores financeiros, ajuda muito quando os diretores também dominam a Lei nº 8.666. Antes de tudo, estar por dentro da lei serve para que o gestor escolar planeje as demandas tendo em vista o prazo da licitação. Como o tempo para conseguir determinados insumos chega a 90 dias, não há espaço para improvisos. Priorizar as aquisições de um ano para o outro é essencial.

Outro passo é levantar todas as especificações técnicas de cada produto ou serviço. Por exemplo, caso seja necessário aparelhar as escolas com computadores para os alunos, deve-se especificar: o tipo de computador, que programas deve ter, a quantidade de unidades, que equipamentos isso engloba (desktop, tela, teclado e mouse, entre outros componentes), o valor estimado para cada item e a justificativa dessa compra.

Todas essas informações são anexadas ao processo no termo de referência (veja um modelo na página 377 do manual disponível em bit.ly/modelo-termo-referencia). Em seguida, é hora de lançar um edital, que formaliza a demanda e dá início ao processo licitatório em si. Essa burocracia fica na mão do órgão público, que define quais requisitos serão exigidos das empresas participantes. O documento também esclarece a modalidade de licitação a ser feita: carta-convite, concorrência pública ou tomada de preço.

O que determina o tipo é o valor do projeto em questão. Para gastos de até 80 mil reais para compra de bens ou serviços e até 150 mil reais para a realização de obras, a modalidade é a carta-convite, enviada a, no mínimo, três participantes. Para projetos que variam entre 80 mil e 650 mil reais em bens e serviços ou entre 150 mil e 1,5 milhão de reais em obras, a lei estipula o uso da tomada de preço, baseado num cadastro prévio dos interessados. Já no caso de valores acima de 650 mil reais e 1,5 milhão de reais, respectivamente, é preciso organizar uma concorrência pública. A competição é mais ampla, pode se basear no menor preço, na melhor técnica ou na combinação desses dois aspectos. Como a análise é mais complicada, há um prazo mínimo de 30 dias entre a publicação do edital e do resultado, o que torna essa modalidade a mais demorada de todas.

Após escolhido o vencedor da licitação, a responsabilidade volta às mãos do gestor escolar. É importante averiguar se o contrato foi cumprido, avaliando se o que foi recebido corresponde às expectativas da rede e das escolas. "Caso contrário, o gestor tem de recusar o recebimento e indicar as razões", diz Frederico Julio Goepfert Junior, secretário de controle externo de aquisições logísticas do Tribunal de Contas da União (TCU).

 

 

 

1 Ser específico sem direcionar a compra

Somente dizer que precisa de transporte escolar, por exemplo, pode dar margem a muitas interpretações: De que tipo? Um carro? Um ônibus? Para quantos passageiros? Porém, exigir uma característica que apenas o veículo de uma marca tem pode ser entendido pelos tribunais de contas como tentativa de direcionar a compra a um fornecedor. O ideal é pedir especificações técnicas sobre os modelos da categoria de transporte desejada para, ao menos, três empresas e extrair das informações as propriedades comuns a todas e que suprem a demanda da escola.
 

2 Estabelecer o preço correto da aquisição

Quando fizer um termo de referência com os dados sobre o produto ou o serviço de que precisa, é importante que o preço estimado seja próximo do real (nem muito maior, o que pode ser entendido como superfaturamento, nem muito menor). Para chegar ao valor justo, o gestor pode buscar a informação em licitações semelhantes feitas anteriormente ou realizar uma pesquisa de mercado com ao menos três fornecedores. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (abnt.org.br) oferece orientações para quem necessita especificar algo.

 

Preço é só um dos fatores

Quem está na linha de frente da administração escolar sabe que esse tipo de dor de cabeça é mais comum do que se pensa. Fernando Mendes, formador da Comunidade Educativa Cedac, na capital paulista, diz que, muitas vezes, só é possível perceber que houve problemas no cumprimento do contrato quando ele chega à instituição de ensino. "Quando fui técnico de licitação no municípios de São Paulo, comprávamos fraldas para a creche pelo menor preço, mas notamos que elas não tinham a qualidade necessária", afirma. A lição foi aprendida e, na solicitação seguinte, aumentaram as exigências nos requisitos mínimos do produto. "Com apoio dos diretores, conseguimos fazer testes para determinar qual seria o melhor produto pelo menor valor", conta.

Quem pisa fora da linha com a Lei nº 8.666 está sujeito a penalidades. O grau da punição, segundo Alexsander Binda Alves, secretário adjunto de controle externo da corte do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), muda conforme a percepção dos tribunais sobre ter ou não havido prejuízo público e se o gestor agiu ou não de má-fé. As sanções afetam mais os secretários e gestores públicos, que podem sofrer processos administrativos, multas, perda de cargo e até ser presos - a pena chega a seis anos em casos de superfaturamento. "Já punições a diretores de escola são raríssimas", informa Binda Alves. De qualquer maneira, o risco existe - e o espírito público, de responsabilidade, também precisa existir.

 

Pequena despesa, grande negócio

A Lei nº 8.666 é fundamental para as aquisições mais caras. Quando se trata de demandas baratas, a coisa é mais tranquila, mas ainda assim as regras são exigentes. As escolas podem fazer compras diretas de até 8 mil reais com dispensa de licitação, mas é preciso levantar três orçamentos com fornecedores, o que demanda tempo. Algumas redes como a de Curitiba têm programas informatizados que facilitam esse processo, que dá autonomia às instituições para realizarem pequenas manutenções e aquisições pontuais por meio do Fundo Rotativo. "Caso a escola precise de giz, por exemplo, o diretor apenas entra no site e-compras.curitiba.pr.gov.br e pesquisa preços com os fornecedores cadastrados", afirma Adriano Guzzoni, coordenador de recursos financeiros descentralizados da rede da capital paranaense. Quando se trata de usar o dinheiro público, todo cuidado é pouco. Tomadas de preço e processos de licitação são custosos, mas fundamentais tanto para evitar problemas com a lei quanto para não comprar gato por lebre.

 

 

3 Envolver micro e pequenas empresas

Desde 2014, a lei determina que licitações de até 80 mil reais devem ser restritas a micro e pequenas empresas. Caso o valor ultrapasse isso, o contratante precisa reservar uma cota de 25% à participação dessas organizações menores. O texto não explicita se os 25% são referentes ao valor do projeto ou ao número de itens. "As duas interpretações são corretas, desde que se justifique que a lei foi cumprida?, diz Alessandra Sales, coordenadora no Centro Educacional do Tribunal de Contas Municipal de São Paulo (TCM-SP).


4 Checar se o contrato foi cumprido

Muitas secretarias não têm especialistas para checar se o que foi adquirido cumpriu o estabelecido no contrato, como a qualidade das fraldas compradas para as creches. Nessas situações, elas podem contratar uma consultoria técnica especializada para ajudar. "Porém, o trabalho não pode ser totalmente terceirizado. O funcionário público responsável pelo processo deve acompanhar de perto a entrega do bem ou a execução do serviço", alerta Frederico Julio Goepfert Junior, do TCU. Falar com os gestores escolares também é importante.

 

Para saber mais

O manual para realização de compras diretas do Tribunal de Contas da União (TCU) traz esclarecimentos importantes. Por exemplo: compras a prazo com parcelas inferiores a 8 mil reais não dispensam licitação.

 


Ilustração: João Montanaro
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