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Jornalismo

Quando se fala em Educação integral, o que vem à sua mente? A primeira aposta é a ideia de que o tempo de permanência na escola se estende. Em vez de quatro, os alunos ficam, pelo menos, sete horas diárias tendo aulas que contribuem com a sua formação. No entanto, na cabeça de pesquisadores, professores, secretarias e gestores esse é apenas um dos aspectos. Para essas pessoas e instituições, trata-se de uma concepção de ensino apoiada em um tripé: ampliar o tempo, é claro, mas, principalmente, repensar as aprendizagens oferecidas e estender os espaços onde elas acontecem.

Marta Scarpato, professora convidada da pós-graduação em Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e avaliadora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), buscou apoio em clássicos da literatura, como o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e o francês Célestin Freinet (1896-1966), para alargar esse conceito. Em sua pesquisa de doutorado, ela destacou que, desde o século 18, já se acreditava e defendia que o ser humano deveria ser formado integralmente. "Nessa perspectiva, a escola teria o papel de propiciar um processo de ensino e aprendizagem visando não apenas o desenvolvimento cognitivo mas também o social, o físico e o afetivo do aluno e de todos os atores envolvidos na Educação", afirma.

E o que isso quer dizer na prática? É simples: conceber uma instituição de ensino integral é ir além da ideia redutora de que os estudantes podem aprender e desenvolver, durante mais tempo, habilidades e competências em disciplinas como Língua Portuguesa, História, Ciências etc. Amplificando a compreensão, esse tipo de escola vem para reafirmar o direito de todas as crianças e todos os adolescentes à Educação e ao acesso a diferentes conhecimentos. "Aumentar o leque de aprendizagens ajuda a reduzir as desigualdades entre os alunos do país", diz Patricia Mota Guedes, gerente de Educação da Fundação Itaú Social.

O tema está no Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014. A Meta 6 prevê que essa modalidade chegue a, pelo menos, 50% das escolas públicas e a 25% dos estudantes nos próximos dez anos. Hoje, o indutor desse conceito é o Programa Mais Educação, criado em 2007 pelo governo federal. Ele oferta às unidades aderentes recursos para realizar atividades depois das aulas, como acompanhamento pedagógico, esporte, cultura e arte. No entanto, segundo Leandro da Costa Fialho, coordenador-geral de Educação integral do MEC, o programa nunca teve a pretensão de ser a única política para desenvolver essa concepção de ensino e já cumpriu seu papel de fomentar a discussão e colocá-la nas agendas estaduais e municipais. Agora, é preciso dar passos à frente. Mais especificamente, cinco: integrar o currículo, construir instituições adaptadas para o atendimento por mais tempo, garantir professores com dedicação de 40 horas semanais num mesmo local, formá-los para trabalhar nesse formato e melhorar a gestão e o financiamento.

Todo saber tem seu valor

Para Katharine Pinto Silva, professora adjunta da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um dos principais cuidados que se deve ter ao implantar essa concepção é com o potencial de restrição do conhecimento que ela tem, por mais incoerente que essa afirmação pareça. "Algumas políticas de ensino integral focam naquilo que, hoje, é considerado a qualidade da Educação, ou seja, bons resultados em Língua Portuguesa e Matemática. Por isso, as instituições concentram os esforços nessas disciplinas" Elas, então, apenas dobram a carga de estudos dos conteúdos regulares. "Temos que nos questionar: qual o significado de participar de um grupo de xadrez, por exemplo? É se dar bem em Matemática? Não necessariamente. Existe um valor nessa experiência em si e a escola deve reconhecer isso, sem pensar que esses saberes estão a serviço daqueles que são medidos em avaliações de desempenho", diz Patricia.

A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre está atenta a isso e propõe à rede, com base no Projeto Cidade Escola, o trabalho com diferentes áreas. "Nosso objetivo é o desenvolvimento dos alunos de maneira global, ampliada por campos como música, robótica, esportes, arte e línguas estrangeiras", diz Maria Cristina Garavelo, coordenadora de Educação integral da secretaria.

A política, ainda em implantação no município, teve adesão da EMEF Mario Quintana, que, inicialmente, aumentou a jornada de duas turmas do 2º ano do Fundamental para dez horas. "Defendo uma escola com qualidade. A instituição não pode ser um depósito de crianças, onde elas ficam enquanto os pais trabalham. Por isso, a equipe debateu para elaborar o projeto político-pedagógico (PPP), que se reflete no que é planejado", diz a diretora Solange Roland de Jesus.

No período da manhã, os professores de referência, com dedicação de 40 horas, dão aulas de alfabetização, Matemática e Ciências. Das 12 às 15 horas, eles descansam enquanto os alunos almoçam, relaxam e participam de oficinas em parceria com uma fundação da cidade, sempre de acordo com a filosofia da escola. Depois desse horário, os docentes efetivos voltam a atuar em atividades como teatro, produção textual, dança e capoeira. "Dos eixos sugeridos pelo projeto da prefeitura, avaliamos que o mais conveniente aos nossos estudantes era o ligado ao desenvolvimento físico. Por isso, propusemos várias ações nessa linha", diz Solange. O papel da secretaria é repassar verbas, ajudar com recursos humanos e materiais e realizar formações com os educadores e os oficineiros, garantindo a sintonia do trabalho.

Mais tempo, mais responsabilidade

Em Feira de Santana, a 117 quilômetros de Salvador, os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 1º ano do Ensino Médio chegam ao CE Juiz Jorge Farias Góes às 7h20. Depois de tomar café, dão início à rotina de oito aulas diárias, cada uma com 50 minutos, conforme exigência da rede. Até as 16 horas, são distribuídos, de maneira intercalada, momentos de trabalho com o currículo regular e oficinas como dança, teatro, luta, diferentes modalidades esportivas e leitura. A diretora Flávia Araújo garante que a rotina é pensada pedagogicamente. "Montamos nossa grade horária e planejamos tudo de maneira articulada, sem blocos de aulas semelhantes, porque não queremos que os alunos achem que as atividades do núcleo comum são mais importantes do que as diversificadas. Ou que um período é mais relevante do que o outro",  explica. 

 

A experiência deste ano, o primeiro com essa concepção, fez a equipe querer planejar aulas casadas no ano seguinte, como Biologia e Educação Científica, por exemplo, no caso do Ensino Médio. "Assim, ganharemos mais tempo para desenvolver tudo e concretizaremos a conversa entre as disciplinas, um sonho para nós", diz a diretora.

Além da organização da rotina extensa, outro ponto de atenção é a comida a ser servida. Na instituição baiana, são três refeições diárias. "Estamos num processo difícil para dar conta da demanda devido às verbas escassas, mas garantimos toda a alimentação, porque isso também é fazer Educação integral de maneira correta", diz Flávia.Depois do almoço, os estudantes têm tempo e espaço reservados ao descanso.

Múltiplas opções

Em Palmas, antes de implantar essa política pública, um grupo da Secretaria Municipal da Educação visitou redes de outros estados que já tinham experiências na área. "Vimos, pelo país, escolas que ofereciam muitas atividades no bairro, devido à falta de espaço dentro da instituição. Mas, aqui, a mobilidade é complexa por causa da geografia da cidade e das altas temperaturas", explica Roneidi Pereira de Sá Alves, diretora do núcleo de recursos humanos da secretaria. Por essa razão, a proposta da capital tocantinense foi construir unidades com um projeto arquitetônico especial, prevendo a existência de diferentes ambientes educativos dentro da mesma estrutura.

Em 2007, foi erguido, do zero e com o dinheiro do município, o complexo de 8 mil metros quadrados de área construída da EMTI Padre Josimo Moraes Tavares. Cada detalhe foi pensado para atender os alunos de 1º ao 9º ano. Além das salas tradicionais, há piscina, quadra, laboratórios de informática e de Ciências, salas de dança e de música, auditório, campo de futebol e biblioteca. "Nesses locais acontecem as aulas regulares e as atividades diversificadas", conta a diretora Cleudemar Abreu Lopes. Ao longo das nove horas e 30 minutos que permanecem na escola, as crianças e os jovens transitam bastante pelas áreas. "Em outras escolas, o aluno fica sentado por horas nas classes. Numa proposta em que ele circula pelos espaços, se dá atenção também à dimensão física do estudante", defende Patricia. 

 

Mas são poucas as unidades ou municípios que têm condições de oferecer uma estrutura tão completa como a de Palmas. A instituição feirense, por exemplo, conta apenas com salas de aula, laboratório de Ciências, miniteatro, quadra e biblioteca para os 539 alunos. "Apesar de reduzida, a área física não é um complicador, porque é possível fazer a Educação que queremos com o que temos. Basta administrar os horários. Se eu esperasse pela escola dos sonhos, não faria nada", diz Flávia. A gestora também sugere aos professores que realizem atividades em museus e espaços de arte próximos e de municípios vizinhos. "As saídas pedagógicas envolvem pesquisas para várias disciplinas. Nessas oportunidades, também trabalhamos a convivência entre os colegas", conta.

O conceito de Educação integral, portanto, envolve muitas questões. Não à toa, a avaliação de uma instituição ou de uma rede que o adota deveria contemplar toda essa complexidade. "Temos sido muito oprimidos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mas precisamos criar outros indicadores para avaliar os impactos no repertório dos alunos", defende Leandro. Para Antonio Bara Bresolin, coordenador da área de Avaliação Econômica de Projetos Sociais da Fundação Itaú Social, o importante é que essas políticas tenham continuidade. "Elas não geram resultados rápidos. Mas quanto mais abrangente a participação da escola na vida desses estudantes, maior será o benefício", afirma.


Fotos: Marcelo Curia, Murilo Mascarenhas, Vinnie Parente e Arquivo pessoal/Flávia Araújo. Ilustrações: Melissa Lagôa

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