A articulação entre projeto educativo e processo de formação
Preparar os professores dentro das instituições gera transformações estruturais
PorNOVA ESCOLA
25/08/2015
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
25/08/2015
Rui Canário,
professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e autor de vários livros sobre sociologia da Educação e formação de adultos
A escolarização de massas e os vários alarga- mentos do período de estudo obrigatório marcaram, à escala do planeta, a segunda metade do século 20. Da estabilidade, a instituição de ensino passou a viver uma era de turbulência, em que as sucessivas propostas de reformas educativas (a maioria centralizadas e construídas de cima para baixo) não deram uma resposta satisfatória. Impõe-se reequacionar o problema da gestão da inovação e da formação de professores na ótica da centralidade da escola.
Os educadores são profissionais altamente qualificados. Sobre eles recaem exigências muito diversas e complexas. Requer-se atualmente que o docente possa agir como um analista simbólico, capaz de identificar e resolver problemas, mobilizando uma formação científica e técnica de alto nível. Ao mesmo tempo, seu ofício comporta uma vertente artística em que a criatividade permite improvisar e responder a situações que, muitas vezes, fogem ao que foi planejado. Para lidar com elas, ele utiliza de maneira pertinente seu repertório de competências - o professor é, portanto, um verdadeiro artesão.
Sem afetividade, a ciência e a técnica não são suficientes. Ele ensina o que sabe e o que é, investindo a sua personalidade no ato de educar - é um profissional da relação. Finalmente, numa instituição que vê ameaçada a sua legitimidade, o docente tem de agir como um criador de sentido para que os alunos possam viver as situações de aprendizagem como relevantes.
O campo do ensino de adultos tem contribuído muito para repensar as modalidades de formação continuada. A Educação permanente remete para uma concepção da aprendizagem em todos os momentos da vida, o que valoriza a continuidade em detrimento da descontinuidade das tradicionais ações avulsas de reciclagem, que são marcadas por uma dupla exterioridade: em relação à pessoa do professor e em relação à escola entendida como uma organização.
A perspectiva da Educação permanente, afirmada e divulgada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em meados dos anos 1970, veio colocar em evidência a importância decisiva do estudo não formal. Também a valorização das histórias de vida acabou por dar visibilidade ao informal no processo de construção da pessoa e do profissional, tornando incontornável o reconhecimento da importância das experiências adquiridas.
A maior parte do que aprendemos durante toda a vida não é resultado de um ensino, mas, sim, fruto de uma aprendizagem. No caso da formação continuada, é no contexto das organizações de trabalho que se constroem competências que são emergentes da ação. Nesse sentido, as escolas constituem o palco principal em que os docentes aprendem a sua profissão. Trata-se de uma aprendizagem que comporta uma dimensão individual e outra coletiva, inerentes ao fato de o ofício de professor ser exercido no quadro de um sistema conjunto de ação.
A formação centrada na escola emerge como a estratégia mais adequada e fecunda. Ela permite aos docentes a possibilidade de fundir num processo único as experiências de trabalho e as formativas. Essa orientação remete para a prioridade a programas de capacitação feitos sob medida e contextualizados. Neles, a organização segue uma lógica de resposta a problemas reais, em que os conteúdos de natureza científica e pedagógica são utilizados como ferramentas para testar na ação.
A opção por esse tipo de formação é particularmente fértil quando seus objetivos incluem, ao mesmo tempo, a capacitação individual do professor e a produção de mudanças de natureza organizacional na escola. Com base nela é possível tentar superar a tradicional insularidade e solidão do professor na sala de aula e favorecer a emergência de uma cultura colaborativa, indispensável à criação de equipes pedagógicas.
Cada instituição de ensino é singular e apela a processos de gestão adequados a isso. A organização escolar é porosa relativamente às características sociais do seu contexto, recebendo públicos socialmente diferenciados. Essa particularidade faz cada uma ser uma entidade única, com história, clima, cultura e identidade próprios. A resposta educativa a essa especificidade implica no desenvolvimento de modalidades de trabalho colaborativo entre professores, alunos e gestores.
Por outro lado, o caráter móvel das fronteiras entre a escola e o seu entorno social também obriga a repensar a sua relação com uma rede de instituições que, não tendo finalidades escolares (bibliotecas, museus, empresas, associações e organizações culturais e desportivas, entre outras), podem e devem ajudar aos objetivos educativos conduzidos pela unidade de ensino.
É essa identidade organizacional que dá fundamento à pertinência da construção de um projeto que equacione a articulação da tríade objetivos-recursos-problemas para conduzir à concretização da missão principal da escola. Enquanto totalidade sistêmica, cada instituição é mais do que a soma das partes, fazendo apelo à capacidade dos vários parceiros da ação educativa de pensar a "escala da unidade de ensino".
A articulação entre o projeto educativo e os processos de formação permite tirar proveito da aprendizagem por meio da experiência e potencializá-la transformando cada escola num coletivo inteligente. É essa perspetiva que torna possível fazer da capacitação de professores um instrumento para a produção de mudanças organizacionais endógenas e não comandadas do exterior.
Por onde começar? Pelos docentes ou pela gestão? As mudanças organizacionais e aquelas no modo como pensam e agem os professores têm de ser simultâneas. Podemos até mesmo definir como estratégia ecológica este processo em que docentes e escolas se transformam ao mesmo tempo, alterando também a sua relação com o meio em que estão inseridos.
Num esforço contínuo para melhorar os resultados de aprendizagem de todos os estudantes, cada unidade de ensino precisa instituir em sua rotina uma avaliação permanente de tudo aquilo que planeja e executa, com efeitos de retroação sobre a gestão do sistema. Assim se aprende a aprender com a experiência. Assim se constroem comunidades de aprendizagem.
Foto: Arquivo Pessoal
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