Resultados do Enem: muito mais que um ranking
Desempenho dos alunos na prova é importante, porém a escola não pode ter como única meta estar bem colocada na lista
14/03/2016
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Jornalismo
14/03/2016
Muitos dos seus alunos farão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos dias 26 e 27 de outubro. Este ano, as inscrições superaram a marca dos 7 milhões. Com a proximidade da prova, a pressão não está apenas sobre os estudantes: muitos gestores ficam tensos ao pensar na divulgação dos resultados, quando a lista das melhores e das piores escolas ganha destaque na mídia.
No topo do ranking estão as instituições federais, as técnicas e algumas privadas, que usam o resultado em sua publicidade - muitas delas dispõem de formas de seleção, seja realizando vestibulinhos para escolher os melhores alunos, seja pelo valor da mensalidade, que exclui os jovens de baixa renda. Salvo exceções, nos últimos lugares estão as escolas estaduais e as poucas municipais que oferecem Ensino Médio.
É natural - e esperado - que você e a sua equipe queiram que todos os alunos aprendam e, por consequência, tenham um bom desempenho nas avaliações internas e externas. Porém, para não se desesperar, é fundamental entender que a nota de cada participante no Enem, assim como a média da escola, depende de inúmeros fatores como motivação pessoal em obter boas notas. Além disso, a participação é voluntária e o objetivo primordial é avaliar o estudante - não a escola ou os sistemas de ensino, como ocorre na Prova Brasil, que é obrigatória.
A partir de 2005, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que elabora e aplica o Enem, passou a tornar pública a nota por escola, expondo as debilidades do sistema (leia a linha do tempo no fim da página). Desde então, muitos criticaram a iniciativa. "O desempenho dos alunos é um indicador importante, mas não suficiente, para medir a qualidade do ensino", diz Ocimar Munhoz Alavarse, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP).
Os últimos resultados disponíveis por escolas são de 2011 e foram divulgados no ano passado. Respondendo em parte às críticas recebidas nas divulgações anteriores, pela primeira vez o Inep optou por disponibilizar apenas a nota das instituições que tiveram participação mínima de 50% dos concluintes do Ensino Médio. Com isso, evitou-se que uma unidade com baixa participação no exame - por ter poucos alunos interessados em fazê-lo ou por apenas os melhores terem tido incentivo para participar - tivesse as notas publicadas. Apesar de os dirigentes do órgão se posicionarem contrários ao ranking, a divulgação e a comparação continuarão sendo feitas.
O Enem foi criado em 1998 com o objetivo de ser um instrumento de autoavaliação para os alunos, contribuir para a melhoria do Ensino Médio e ser uma alternativa de seleção para o ingresso no Ensino Superior e no mercado de trabalho. De lá para cá, muitos ajustes e mudanças ocorreram.
Hoje, um bom desempenho na prova pode garantir ao interessado uma vaga em uma das universidades públicas que aderiram ao Sistema de Seleção Unificado (Sisu) ou ainda uma bolsa, integral ou de 50%, em uma instituição privada, pelo Programa Universidade para Todos (Prouni). Os estudantes que desejam se inscrever no Programa de Financiamento Estudantil (Fies) e concluíram a Educação Básica a partir de 2010 também precisam fazer o exame.
Muitas escolas e redes, para tentarem melhorar a performance, tomam algumas iniciativas questionáveis: ter no currículo apenas os conteúdos previstos na matriz do Enem (que orienta o que cai na prova e é referência para a elaboração das questões), fazer simulados de treinamento e oferecer aulas de reforço para os interessados e, às vezes, apenas aos que já têm bom desempenho.
De todas elas, a redução do currículo parece ser a mais grave, pois há o risco de empobrecê-lo. Antes de adotar indiscriminadamente a matriz do Enem, os educadores conscientes devem avaliar se ela está de acordo com o projeto político- pedagógico (PPP) e adotar aqueles pontos que são compatíveis com as metas nele traçadas. "Em alguns casos, pode-se trazer novas abordagens para a escola, mas esse não pode ser o único ponto de apoio para escolher os conteúdos que serão ensinados", lembra Alavarse.
Já a prática de incentivar apenas os bons alunos só faz aumentar a desigualdade entre os que têm mais dificuldade e os que se destacam na escola - a atitude positiva seria promover o ensino de qualidade para todos. "Essas ações podem até aumentar a nota média da escola, mas está longe de fazer com que os alunos que ali estudam tenham mais conhecimento ou uma Educação melhor", alerta Marcio da Costa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Apesar dos incidentes em 2009 e 2011, anos em que houve, respectivamente, vazamento das questões e suspeita de fraude, garantir a aplicação, a transparência e a segurança do material não devem ser as únicas preocupações do Inep. Os aspectos pedagógicos não podem ficar em segundo plano. Exemplo disso é a demora na publicação dos relatórios pedagógicos - o último é de 2008. Esses documentos trazem dados detalhados sobre os resultados, relacionando-os com as dificuldades dos alunos. Com ele em mãos, a escola tem a análise de todos os itens da prova, o porcentual de estudantes que assinalaram cada uma das alternativas das questões e o nível de dificuldade, indicando caminhos para a formação docente. Enquanto os relatórios de 2009 e 2010 não ficam prontos (estão prometidos para este ano), as escolas recebem apenas um boletim com a nota média e a distribuição dos alunos na escala da prova, segundo o desempenho, o que pouco ajuda a aperfeiçoar a gestão e as práticas em sala de aula.
Segundo o Censo Demográfico de 2010, só 7,9% da população brasileira tem curso superior e os diretores sabem que ter um diploma é um dos caminhos para que os alunos possam ascender socialmente. Por isso, você, gestor, dê, sim, importância à prova, porém lembre-se de que as metas da escola devem ser maiores do que apenas ficar no topo da lista.
"O exame perdeu a capacidade inicial de avaliar competências e habilidades e se tornou mais conteudista. Hoje, ele nada mais é do que um grande vestibular centralizado."
Ouça abaixo a entrevista com a especialista
"A prova ajuda a democratizar o acesso à universidade no Brasil. Antes, era o vestibular que pautava o Ensino Médio de forma negativa, por ser puramente conteudista. O Enem também pauta, mas de forma positiva, pois avalia competências e habilidades necessárias para resolver questões práticas do dia a dia."
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"O exame não democratiza o acesso ao Ensino Superior. Há evidências de que os alunos que têm bom desempenho no vestibular tradicional também têm no Enem. O perfil dos alunos aprovados é o mesmo."
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"A prova está mais moderna. Ao mesmo tempo, não deixou de cobrar conhecimentos que são utilizados no cotidiano, e segue nos moldes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Além disso, o uso da TRI a torna mais precisa, permite a comparação e possibilita fazer mais de uma edição por ano."
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"Precisamos de uma prova censitária no 3º ano do Ensino Médio, como ocorre no 5º e no 9º ano, com a Prova Brasil, que se tornou um instrumento de melhoria da qualidade do ensino e de intervenção pedagógica. O Enem como uma avaliação censitária é um caminho natural. O estudante já está motivado para fazer esse exame."
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"Separar a avaliação do Ensino Médio do processo de seleção e de certificação pode ser uma alternativa viável para resolver os problemas de logística e de sigilo que tornam o Enem muito caro."
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